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Ano 4 - N° 190 - 2 de Janeiro de 2011

NUBOR ORLANDO FACURE
lfacure@uol.com.br
Campinas, São Paulo (Brasil)

 

Doenças espirituais

(Parte 1)

Corrigir os problemas espirituais implica reeducar o espírito; os tratamentos sintomáticos podem trazer um socorro imediato
ou um alívio importante, mas transitório
 

 

O objetivo espírita 

O Espiritismo é uma doutrina que introduz  ao nível do conhecimento médico um vastíssimo campo de estudo ampliando diagnósticos e introduzindo uma nova compreensão para justificar a razão do sofrimento que a doença nos traz. Entretanto, o Espiritismo não veio para competir com qualquer especialidade médica e sua principal atuação não é a de produzir curas. Com muita frequência, seus adeptos o utilizam com esses propósitos, sugerindo na sua busca o consolo e a cura das doenças. Seu papel primordial é o de iluminar e esclarecer, para que cada criatura promova por si própria sua reeducação espiritual. Sem reforma íntima não vai ocorrer progresso nem cura. Nesse sentido, as doenças são compreendidas como lições com grande potencial de transformação e trazem oportunidades de renovação e crescimento espiritual. 

Uma anamnese voltada para a espiritualidade 

A maioria dos nossos pacientes aceita muito bem um diálogo com o médico sobre sua espiritualidade. De maneira geral nosso povo, por crendice ou sabedoria mesmo, reconhece que muitas doenças têm alguma coisa a ver com a espiritualidade, ou como causa, ou como processo benéfico para sua cura. Podemos explorar o interrogatório médico de tal modo que o paciente perceba que falar sobre a espiritualidade não implica comprometer-se com uma religião e que uma e outra podem ser perfeitamente separadas. 

Método de avaliação 

Aprendemos a adotar um critério arbitrário em que a espiritualidade do paciente é  avaliada em três domínios (1)

O domínio da crença: Aqui, o paciente revela suas crenças ou não na existência de Deus, na existência e imortalidade da Alma, no mundo invisível onde habitam os Espíritos, na possibilidade de sua comunicação com o seu Deus, na reencarnação, na comunicação dos Espíritos conosco. 

Esta relação com a espiritualidade a que os pacientes costumam se referir é, quase sempre, muito específica e individual, sendo, às vezes, muito difícil de serem expressas em palavras, já que está ligada a uma crença que é intransferível, sagrada para cada um que a aceita, e implica, como exigência máxima, o respeito que cada  um espera ter para com sua convicção própria. 

O domínio da prática: Refere-se ao comportamento que cada um desenvolve em relação às suas crenças ou à religião que diz adotar. Assim, identificaremos os frequentadores ocasionais e os assíduos, os participantes e os indiferentes, os curiosos e os inquiridores, todos eles com maior ou menor empenho em pôr em prática o que ouvem das lições que sua religião se dispõe a ensinar. 

O domínio da experiência  transcendente:  É a participação, frequentemente “traumática”, episódica, ocasional ou persistente e controlada que certas pessoas desfrutam com a espiritualidade. Temos exemplos de pessoas que são surpreendidas pela visão de uma entidade espiritual, coisa que possa ter-lhe acontecido apenas uma vez na vida, mas que a marcou profundamente. Outros, em um momento de forte estresse, como um acidente de automóvel ou a queda de avião, em que foram os únicos sobreviventes, se sentiram, a partir daí, tocados por uma atuação privilegiada das divindades que o protegem. Estão neste grupo, também, aqueles casos de relatos das experiências fora do corpo, que traduzem um desdobramento do corpo espiritual, com um deslocamento mais ou menos demorado pelo mundo espiritual. Nestes casos, pode ou não haver consciência de contatos com entidades que os amparam nesses deslocamentos “fora do corpo”. Entre tantos outros exemplos, precisa ser destacada, também, com ênfase, toda a fenomenologia mediúnica que a doutrina espírita tem o privilégio de esclarecer em seus pormenores, revelando os insondáveis caminhos da mediunidade cujos canais de comunicação nos põem em contato com a espiritualidade. Na experiência transcendente da mediunidade, a disciplina moral exerce um papel produtivo no grau de elevação espiritual do fenômeno. 

A fisiopatogenia 

A possibilidade de existir uma doença espiritual só pode ser aceita com a crença em um novo paradigma que a doutrina espírita introduz em seus fundamentos (2)

O Espiritismo ensina que Deus é a “Inteligência Suprema do Universo” e  tudo que existe faz parte da sua criação. Cada um de nós é um Espírito encarnado que está em processo de aprendizado que, necessariamente, vai nos levar à perfeição, depois de um número inimaginável de reencarnações neste e em outros mundos onde também existe a vida. 

Quando o corpo perece, a Alma que o anima passa a viver no mundo espiritual onde estão todos os outros Espíritos que nos precederam. O mundo espiritual está em estreita ligação com o mundo material que habitamos, e os Espíritos que aí vivem exercem constantemente uma forte interferência em nossas vidas. Além do corpo físico, cada um de nós se serve de outro corpo de natureza intermediária entre  a nossa realidade física e o mundo espiritual. Esse corpo espiritual ou perispírito é  consolidado pelo “fluido cósmico” disponível em cada um dos mundos habitados. 

O pensamento é força criadora proveniente do Espírito que o impulsiona. Mesmo conhecendo muito pouco de suas propriedades, sabemos que a energia mental que o pensamento exterioriza exerce total influência no corpo espiritual, modificando sua forma, sua aparência e sua consistência. É por isso que Allan Kardec afirmou que se situa no perispírito a verdadeira causa de muitas doenças e a Medicina teria muito a ganhar quando compreendesse melhor sua natureza (3). Cada um de nós vive em sintonia com o ambiente espiritual que, por meio de suas atitudes e seus desejos, constrói para si próprio. 

Diagnóstico da doença ou manifestação espiritual 

Parece-nos que temos no meio espírita dois vícios de interpretação das manifestações da espiritualidade. Quase sempre aquele que busca no centro espírita uma orientação diante  seus problemas vai ouvir que seu caso é de “obsessão” ou no mínimo de “mediunidade” e que ele “precisa se desenvolver”. 

É preciso reconhecer que, enquanto criaturas humanas que somos, percorrendo mais uma encarnação no planeta, pertencemos a um vastíssimo grupo de Espíritos que, sem exceção, ainda está muito endividado e comprometido com seus resgates, para imaginarmos que algum de nós possa se aventurar a dizer que não tem qualquer problema espiritual.  

No meio médico, os alemães costumam dizer que “só tem saúde aquele que ainda não foi examinado”. Do ponto de vista espiritual uma afirmação deste tipo, longe de ser um exagero da exigência minuciosa dos germânicos, é uma verdade que só aquele que não se deteve em examinar sua consciência pode contestar. 

Classificação 

Considerando a fisiopatogenia das doenças espirituais costumamos adotar o seguinte conjunto de diagnósticos (4)

1 - Doenças espirituais autoinduzidas:

·                    Desequilíbrio vibratório

·                    auto-obsessão

2 - Doenças espirituais  compartilhadas:

·                    Vampirismo

·                    Obsessão

3 - Mediunismo 

4 - Doenças cármicas.


Desequilíbrio vibratório 

O perispírito é um corpo intermediário que permite ao Espírito encarnado exercer suas ações sobre o corpo físico. Sua ligação é feita célula a célula, atingindo a mais profunda intimidade dos átomos que constituem a matéria orgânica do corpo físico. Essa ligação se processa à custa das vibrações que cada um dos dois corpos, o físico e o espiritual, possui (5). Compreende-se então que este “ajuste” exige uma determinada sintonia vibratória. O perispírito não é prisioneiro das dimensões físicas do corpo de carne e pode manifestar suas ações além dos limites do corpo físico pela projeção dos seus fluidos. A sintonia e a irradiação do perispírito são dependentes unicamente das projeções mentais que o Espírito elabora. Assim, a aparência e a relação entre o corpo físico e o corpo espiritual são dependentes exclusivamente do fluxo de ideias que construímos. 

Devemos reconhecer que, de maneira geral, o ser humano ainda perde muito dos seus dias comprometido com a crítica aos semelhantes, o ódio, a maledicência, as exigências descabidas, a ociosidade, a cólera e o azedume, entre tantas outras reclamações levianas contra a vida e contra todos. O Orai e Vigiai ainda está distante da nossa rotina e a tentação de enumerar os defeitos do próximo ainda é muito grande. 

São estes os motivos que desajustam a sintonia entre o corpo físico e o perispírito. É esta desarmonia que desencadeia as costumeiras sensações de mal-estar, de “estafa” desproporcional, a fadiga sistemática, a dispneia suspirosa onde o ar parece sempre faltar, os músculos que doem e parecem não aguentar o corpo (6), a enxaqueca que o médico não consegue eliminar, a digestão que nunca se acomoda e tantas outras manifestações tidas à conta de “doenças psicossomáticas”. São tantos a procurarem os médicos, mas muito poucos a se dedicarem a uma reflexão sobre os prejuízos de suas mesquinhas atitudes. 

A auto-obsessão 

O pensamento é energia  que  constrói  imagens que se consolidam  em torno de nós desenhando um “campo de representações” de nossas ideias.  À custa dos elementos absorvidos do “fluido cósmico universal”, as ideias tomam formas, sustentadas pela intensidade com que pensamos no que tais ideias propõem. A matéria mental (7) constrói em torno de nós uma “atmosfera psíquica” – a psicosfera – em que estão representados os nossos desejos. Neste cenário estão os personagens que nos aprisionam o pensamento pelo amor ou pelo ódio, pela inveja ou pela cobiça, pela indiferença ou pela proteção que projetamos para aqueles a quem queremos bem. 

Da mesma forma, os medos, as angústias, as mágoas não resolvidas, as ideias fixas, o desejo de vingança, as opiniões cristalizadas, os objetos de sedução, o poder ou os títulos cobiçados também se estruturam em “ideias-formas”. A partir daí seremos prisioneiros do próprio medo, dos fantasmas da nossa angústia, das imagens dos nossos adversários, da falsa ilusão dos prazeres terrenos ou do brilho ilusório das vaidades humanas. A matéria mental produz a  “imagem” ilusória que nos escraviza. Por capricho nosso, somos, pois, “obsidiados” pelos próprios desejos. 

As doenças espirituais compartilhadas 

Incluímos aqui o vampirismo e a obsessão. Dizemos compartilhadas porque são elas produzidas pela associação perturbadora de um Espírito desencarnado e sua vítima, estando ambos sofrendo um mesmo processo psicopatológico. A participação como vítima ou como réu frequentemente se alterna entre eles.

(Este artigo será concluído na próxima edição desta revista.)

 

Referências:

1 - Ver Willian Miller: Integrating Spirituality into Treatment: Resource for Practioners.

2 - Ver “Paradigmas Espíritas na Prática Médica”  no meu livro “Muito Além dos Neurônios”.

3 – O Livro dos Espíritos. Allan Kardec.

4 - A classificação que aqui adotamos é arbitrária. Nós a temos divulgado em várias ocasiões, sempre que falamos sobre “Doenças Espirituais”. O livro Missionários da Luz, de André Luiz/Chico Xavier, serviu de inspiração para a descrição dos quadros aqui apresentados.

5 - Mecanismos da Mediunidade. André Luiz/Chico Xavier.

6 – O Livro dos Espíritos, pergunta 471.

7 - Mecanismos da Mediunidade. André Luiz/Chico Xavier.



 


 

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