MARCUS
VINICIUS DE AZEVEDO
BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II, Distrito
Federal (Brasil)
Para além da porteira
(1)
Túu-Túu-Túuu- Ressoava
novamente lá pras bandas
de Ouro Fino, no Estado
de Minas Gerais, o brado
daquele berrante.
Instrumento imponente,
de chamar gado e gente,
cortava com sua nota
dissonante vales e
serras, anunciando a
novidade daquela manhã.
O vaqueiro, que em
outros tempos ficara
desolado com a súbita
partida do menino,
vítima de um boi sem
coração, via agora a sua
vida se esvair. O tempo,
implacável, levava as
forças daquele corpanzil
que conduziu boiadas mil
pelo nosso Brasil,
somando-se mais uma cruz
à do menino no antigo
estradão.
Olhando perdido para
todos os lados, já
confuso entre os portões
da vida e da morte, o
velho boiadeiro somente
consegue distinguir no
dourado do horizonte o
som daquele berrante que
ele jurara jamais tocar
novamente. Som que ele
há muito não ouvia e que
lhe trazia no coração as
lembranças do menino tão
trigueiro, que abria a
porteira para a sua
boiada passar.
À medida que o som se
aproximava, via surgir
um pequeno jovem de cor
de ébano, cavalgando
bela montaria, tocando
berrante em meio de uma
imensa boiada. O
vaqueiro, em um misto de
alegria e de espanto,
pergunta com sua voz de
trovão ao jovem anjo:
“- Quem é você, que como
eu conduz o gado? Por
que toca esse berrante
que jurei jamais tocar?”
O menino apeia do
cavalo, tira o seu
chapéu para cumprimentar
o boiadeiro. De seu
bolso, tira uma moeda,
entrega ao boiadeiro,
juntamente com seu
berrante.
“- Boiadeiro, que Deus
vá lhe acompanhando! Eu
sou aquele menino da
porteira e estou aqui
para recebê-lo, nas
portas do país da luz.
Seja bem-vindo! Siga
agora para amealhar
outros rebanhos, para
tocar outra vez com fé o
seu berrante...”
E com as mãos firmes,
apagada da memória a
cruzinha do estradão, o
boiadeiro toma de novo o
seu berrante, que
prometera jamais tocar,
e, com novo ar em seus
pulmões, corta com sua
nota dissonante vales e
serras, anunciando a
novidade daquela manhã:
Túu-Túu-Túuu.
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