FERNANDA LEITE
BIÃO
fernandabiao9@hotmail.com
Belo Horizonte,
Minas Gerais (Brasil)
Formas, reformas e reproduções
Reforma,
uma palavra que
envolve várias
cenas da vida,
objetos variados
e ideias
inúmeras de
vários contextos,
pessoas e coisas.
Reformamos a
casa, o quarto,
o sítio, a
varanda.
Reformamos
ideias, valores
e ideologias.
Reformamos o
visual, o
pensamento e o
sentimento.
Infinidades de
formas e
reformas, fluxos,
refluxos e
transformações.
Entretanto,
existe uma
modalidade de
reforma que
recebe pouca
dedicação das
pessoas e pode
ser considerada
tão importante
quanto (ou mais
que) as reformas
que fazemos na
paisagem
exterior.
Trata-se desta
reforma que
ganha como
companheira
gramatical e de
sentido a
palavra
íntima. Tão
próxima se
tornou a
companheira da
reforma que
ambas formam uma
dupla
interessante – a
reforma
íntima.
Somos frutos de
uma árvore
cultural extensa,
com matizes
variados e
diferenças
presentes e
constantes.
No entanto, a
despeito da
diversidade
cultural
planetária e da
multiplicidade
de modos de ser,
vivemos sob a
tutela de um
sistema
econômico
presente em
quase todo o
orbe terrestre
que influencia,
molda e tolda
comportamentos
individuais,
grupais e
institucionais.
Tempo não há,
pois, como diz o
ditado popular,
“tempo é
dinheiro!”. E,
como o dinheiro
se transmutou em
riqueza,
considerada item
de primeira
necessidade, não
há tempo de
cultivar a
preguiça
saudável, de
vivenciar o
famoso ócio
criativo a que
se dedicavam os
filósofos da
Grécia Antiga.
O tempo que era
necessário para
descobrir-se
afastado do
outro, ficou
pequenino e
quase
inexistente, e o
olhar-se no
espelho ganhou a
finalidade única
e exclusiva de
ornamentar a
couraça de pele
que vive
subjugada pela
moda do hoje,
sem a graça nem
a arte da
cultura da
Renascença,
pasteurizada
pela repetição
de figuras,
modelos copiados
e invejados,
expulsando de si
o espaço para o
desenvolvimento
de si mesmo.
Há um momento no
ciclo da vida em
que nos
encontramos
totalmente
enlaçados à
presença do
outro. Ainda sem
habilidades
cognitivas,
biológicas e
psíquicas
maduras, é a
fase na qual
estamos grudados
em alguém, para
que possamos,
aos poucos,
construir a nós
mesmos. Essa
fase se chama
infância.
Crescemos
paulatinamente,
buscando colocar
os pezinhos para
fora bem
devagar, a
mãozinha ainda
agarrada ao
outro. O medo de
ficarmos
sozinhos não é
só uma
representação da
nossa
fragilidade
infantil, mas um
sinal de que
ainda não temos
uma identidade
ou subjetividade
ou mesmo uma
existência
independente em
si. Existe nesse
processo o
desejo de que o
outro tire de
mim a dor
existencial de
decidir, e
escolha por mim
e para mim o
percurso a
seguir.
Aos poucos, os
passos ganham
compasso de um
andar que se
consolida passo
a passo. O ser
cresce e aparece!
Não só o seu
corpo ganha
formas
diferentes e
relevantes ao
olhar. O ser
começa a
externar os
primórdios da
individualidade
necessária para
que caminhe sem
precisar de mãos
o tempo todo a
segurá-lo.
Ensaia sair,
ensaia brigar e
se revoltar.
Ensaia viver os
primeiros
sintomas de um
ser que começa a
encorpar e, aos
olhos do mundo,
emancipar-se.
Embora saiba que
continuará
sempre a crescer,
algo de concreto
já se espelha na
alvorada da
individuação
desse ser.
Primeiros sinais
e contornos de
uma vida já
experimentada e
que carrega em
si páginas de
construções,
momento de uma
história que
começou no dia
em que nascemos.
À medida que
deixamos a
infância,
passamos pela
adolescência,
atravessamos a
juventude e
chegamos à
maturidade, nós,
de fato,
crescemos e
aparecemos,
porém, muito
pouco de nós,
nesse sinuoso
trajeto,
floresce e se
expressa de
forma autêntica.
Nessa caminhada,
a definição
exata de quem
somos continua a
se espreitar em
nós. Por vezes,
a voz genuína
dos recessos do
nosso ser é
ofuscada pela
tendência de
reproduzir o
comportamento
alheio, de obter
a aprovação de
grupos,
abdicando de si
mesmo, para se
sentir parte do
todo, mesmo que
apartado de si.
Para reformar, é
preciso
primeiramente
existir o que
reformar. Não se
reforma o que
nem sequer ainda
existe nem nunca
existiu. Reforma-se
o que já dá
sinais de não
ser tão
funcional, o que
já não deixa a
energia fluir,
para que a vida
possa frutificar,
a evolução
prospere e as
ações ensejem
novos horizontes
de crescimento.
Contudo, se não
há consciência
de si, paremos
por aqui. É
necessário saber
o que precisa
mudar, mas,
antes, é preciso
conhecer e
começar a
desvendar a
caixinha de
segredos que se
guarda dentro de
si. A chave está
guardada em
algum lugar
secreto e só
você pode
encontrá-la. Não
se pode fazer
nada enquanto o
ser não se põe a
percorrer o
caminho que o
levará a
descobrir-se.
Descobrir o que
foi, como se é,
janela de um
possível vir-a-ser.