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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 208 - 8 de Maio de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 1)

Iniciamos nesta edição o estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. Que concepção acerca da natureza humana tinham os antigos?

Eles imaginavam que o homem fosse composto de dois elementos distintos: a alma e o corpo e basearam assim, nessa dualidade, todas as deduções da filosofia. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.) 

B. Quais as ideias gerais da escola neoplatônica a respeito da alma?

Os neoplatônicos admitiam a preexistência da alma e a necessidade do seu regresso à Terra. Achavam o homem incapaz de adquirir, de uma só vez, a soma dos conhecimentos que o elevasse a uma condição superior, e defenderam essa nobre doutrina, com coragem e audácia sem iguais, contra os sectários do Cristianismo nascente. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.)

C. Que contribuição para a Ciência devemos ao gênio de Bacon?

Bacon, fatigado com as disputas dos escolásticos que se esgotavam em discussões estéreis, atraiu as atenções para o estudo da natureza. Criou-se com ele a ciência indutiva. Bacon recomendou, antes de tudo, a ordem e a classificação nas pesquisas: quis que a filosofia saísse de seus antigos limites; abriu um campo novo às investigações e sugeriu a observação como o mais seguro meio de se chegar à verdade. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.) 

Texto para leitura 

1. Desde a mais remota Antiguidade as pesquisas dos filósofos tiveram por objeto o homem, sua natureza física e intelectual; poder-se-ia crer que chegaram a algum resultado?

2. Os antigos que tinham tomado por divisa a célebre máxima “conhece-te a ti mesmo” não se conheciam. Eles imaginavam que o homem fosse composto de dois elementos distintos: a alma e o corpo; basearam, nessa dualidade, todas as deduções da filosofia, e eis que, em nossa época, uma escola nova acha que eles se enganaram; que em nós tudo é matéria; que a antiga entidade qualificada com o nome de alma não existe; e que é preciso abjurar esse velho erro, filho da ignorância e da superstição.

3. Àqueles que duvidarem da utilidade, para o homem, do princípio espiritual, podemos dizer que não há assunto mais digno de nossa atenção, porque nada nos interessa mais do que saber quem somos, para onde vamos e donde viemos.

4. Seremos o joguete das forças cegas da natureza? Nossa raça, que apareceu na Terra depois de tantas outras, não será mais que um anel dessa imensa cadeia de seres que se deve suceder em sua superfície? A morte dissolverá os elementos constitutivos do nosso corpo para os mergulhar de novo no cadinho universal, ou conservaremos, depois dessa transformação, uma individualidade para amar e recordar? Todos esses pontos de interrogação se erguem diante de nós nas horas de dúvida e de reflexão; eles prendem o espírito na rede de ideias que suscitam e obrigam o mais indiferente dos homens a indagar: Existe a alma?

5. Os mais antigos filósofos de que há lembrança na história acreditavam que éramos duplos e que em nós residia um princípio inteligente, diretor da máquina humana; eles, porém, não aprofundaram as condições do seu funcionamento. Em suas pesquisas só se apoiavam em hipóteses; por isso a teoria dos quatro elementos, que resulta dos seus trabalhos, foi abandonada. Mas, fato digno de atenção é o de haver Leucipo admitido, para explicar o mundo sensível, três coisas: o vácuo, os átomos e o movimento, e vemos, hoje, essas deduções, em grande parte, adotadas pela ciência contemporânea.

6. Com Sócrates apareceu o estudo metódico do homem: esse grande espírito estabeleceu a existência da alma e se baseou em razões de extrema lógica. Platão, seu discípulo, levou mais longe ainda essa crença. O filósofo da Academia admitia, a exemplo de Pitágoras, um mundo distinto dos seres materiais: “o mundo das ideias”. Segundo Platão, a alma conhece as ideias pela razão; ela as contemplou em uma vida anterior à existência atual.  Isso constituiu uma grande novidade, porque até então limitavam-se todos a crer que a alma era feita ao mesmo tempo que o corpo. A teoria platônica ensinava que ela vive anteriormente.

7. Os estoicos consideravam indiferentemente os prazeres e as penas. Julgavam imorais todas as ações que se afastavam da lei e do dever. Esta severidade de princípios foi, durante muitos séculos, a força da Humanidade e o único dique contraposto às paixões desenfreadas da Antiguidade pagã.

8. A escola neoplatônica de Alexandria forneceu luminosos gênios, tais como Orígenes, Porfírio, Jâmblico, que souberam elevar-se até as mais sublimes concepções da filosofia. Eles admitiam a preexistência da alma e a necessidade do seu regresso à Terra. Achavam o homem incapaz de adquirir, de uma só vez, a soma dos conhecimentos que o elevasse a uma condição superior, e defenderam essa nobre doutrina, com coragem e audácia sem iguais, contra os sectários do Cristianismo nascente. Próclus foi o último reflexo desse foco intelectual, e a Humanidade ficou, durante longos séculos, amortalhada sob as espessas trevas da Idade Média.

9. Naquela época não se duvidava da alma nem da imortalidade, mas os dogmas da Igreja, que se adaptavam, maravilhosamente, ao espírito bárbaro das nações atrasadas, tinham-se tornado impotentes em face do despertar das consciências. A antiga filosofia apoiava-se na razão; a teologia de São Tomás de Aquino só repousava na fé, e as tentativas de libertação, que resultavam do divórcio entre a fé e a razão, eram cruelmente punidas.

10. Sendo o progresso uma lei do nosso Globo, devia chegar o momento em que se efetuaria o acordar das inteligências; foi o que se deu com Bacon. Este sábio, fatigado com as disputas dos escolásticos que se esgotavam em discussões estéreis, atraiu as atenções para o estudo da natureza. Criou-se com ele a ciência indutiva. Bacon recomendou, antes de tudo, a ordem e a classificação nas pesquisas: quis que a filosofia saísse de seus antigos limites; abriu um campo novo às investigações e sugeriu a observação como o mais seguro meio de se chegar à verdade.

11. Morto Bacon, revelou-se, em França, Descartes. Esse profundo pensador repeliu todos os dados antigos, para adquirir conhecimentos novos por meio de um método que descobriu. Partindo do princípio: eu penso, logo existo, Descartes estabelecia a existência e a espiritualidade da alma; porque, dizia ele, se é possível supor que o corpo não exista, é impossível negar o pensamento, que se afirma por si próprio, cuja existência se verifica à medida que ele se exerce. A faculdade de pensar pertence ao indivíduo, abstração feita dos órgãos do corpo.

12. O método preconizado por esse poderoso renovador inspirou uma plêiade de grandes homens, entre os quais podemos citar Bossuet, Fénelon, Mallebranche e Spinoza. Ao mesmo tempo, o impulso baconiano formava Hobbes, Gassendi e Locke.

13. Segundo Hobbes, não existe outra realidade além do corpo, outra origem de nossas ideias além da sensação, outro fim na natureza além da satisfação dos sentidos; e seu modo de ver também levava diretamente à apologia do despotismo como forma social.

14. Gassendi foi um discípulo de Epicuro, de quem renovou as doutrinas; mas, o mais célebre filósofo dessa época é Locke, que pode ser encarado, com justa razão, como fundador da psicologia. Ele combateu o sistema cartesiano das ideias inatas e imprimiu, na Inglaterra e na França, grande impulso aos estudos filosóficos.

15. Quase na mesma época viveram Bossuet e Fénelon, que escreveram admiráveis livros sobre Deus e a alma. Em tais obras, cheias da lógica mais sã, podemo-nos convencer da existência dessas grandes verdades tão bem postas em relevo por aqueles eminentes espíritos. A profundeza dos pensamentos é realçada, ainda, por uma linguagem admirável e nunca o espírito francês ostentou maior clareza, elegância e força como nesses livros imortais.

16. Leibnitz, a mais vasta inteligência produzida nos tempos modernos, colocou-se entre as duas escolas que se disputavam o império dos espíritos, entre Locke e Descartes. Refutou o que ambos tinham de absoluto; mas, com sua morte, seu sistema não tardou a ser abandonado, mesmo na Alemanha, onde havia sido acolhido com simpatia.

17. Na França, os Enciclopedistas fizeram triunfar as ideias de Locke; elas conduziram, com Condillac, Helvetius e d'Holbach, a um materialismo absoluto, que é a consequência inevitável das teorias que, reduzindo o homem à pura sensação, não podem assinalar-lhe outro fim que não o da felicidade material.

18. Não tardou, porém, a verificar-se quanto esse método, chamado empirismo, levava a tristes resultados. Sentiu-se, imperiosamente, a necessidade de uma reforma e ela foi realizada por Thomas Reid, na Escócia, e Emmanuel Kant, na Alemanha. Na França, a escola eclética admitiu o racionalismo de Descartes e brilhou com vivo clarão sustentando a tese espiritualista. As vozes eloquentes de Jouffroy, Cousin, Villemain demonstraram a existência e a imaterialidade da alma, com tal evidência, que lhes coube a vitória no terreno filosófico.

19. A escola materialista operou, porém, uma alteração de frente. Deixando o domínio da especulação, desceu ao estudo do corpo humano e pretendeu demonstrar que, em nós, o que pensa, o que sente, o que ama, não é uma entidade chamada alma, senão o organismo humano, a matéria, que só ela pode sentir e perceber.

20. Para a massa dos leitores, é difícil tomar pé, em meio às contradições, aos sistemas e às utopias pregadas pelos maiores espíritos. As pesquisas metafísicas que se agitam no vazio cansam. Torna-se imperioso o retorno ao estudo meticuloso dos fatos: daí o êxito dos positivistas.

21. Só podem existir duas suposições quanto à natureza do princípio pensante: matéria ou espírito; uma sujeita à destruição, o outro imperecível. Todos os meios termos, por mais sutis que sejam, epicurismo, espinosismo, panteísmo, sensualismo, idealismo, espiritualismo vêm confundir-se nestas duas opiniões.

22. “Que importa – disse Foissac – que os epicuristas admitam uma alma racional formada dos átomos mais polidos e mais perfeitos, se essa alma morre com os órgãos, ou se, pelo menos, os átomos que a formam se desagregam e voltam ao estado elementar? Que importa que Spinoza e os panteístas reconheçam que um Deus vive em mim, que minha alma é uma parcela do grande todo? Não concebo a alma senão com o caráter de unidade indivisível e a conservação da individualidade do eu. Se minha alma, depois de ter sentido, sofrido, pensado, amado, esperado, vai-se perder nesse oceano fabuloso chamado a alma do Mundo, o eu se dissolve e desaparece: isto é a extinção e a morte de minhas afeições, de minhas recordações, de minhas esperanças, é o abismo das consolações desta vida e o verdadeiro nada da alma.”

23. A alternativa, então, é esta: ou com a morte terrestre todo o ser desaparece e se desagrega, ou dele resta uma emanação, uma individualidade que conserva o que constituía a personalidade, isto é, a memória e, como consequência, a responsabilidade.

24. Restringindo-nos ao terreno dos fatos, vamos passar em revista as objeções que se nos opõem e demonstrar que a alma é uma realidade que se afirma pelo estudo dos fenômenos do pensamento; que jamais se poderia confundi-la com o corpo, que ela domina; e que quanto mais se penetra nas profundezas da fisiologia, tanto mais se revela, luminosa e clara, aos olhos do pesquisador imparcial, a existência de um princípio pensante.

25. Os mais ilustres representantes das teorias materialistas foram, na Alemanha, Moleschott e Büchner. Eles reúnem em suas obras a maior parte dos argumentos que militam em seu favor. Compulsando os anais da fisiologia, ou sejam, os fenômenos da vida, esperam provar que estão certos.

26. Examinam minuciosamente todos os elementos que entram na composição dos corpos organizados, estabelecem com autoridade a grande lei da equivalência das forças que se traduz nas ações vitais, medem, pesam, analisam com talento excepcional todas as ações físicas e químicas que se verificam no corpo humano. Mas se, deixando as ciências exatas, se aventuram no domínio filosófico, bem se lhes pode recusar o testemunho. Porque eles tentam, uma empresa impossível: querem banir dos conhecimentos humanos todos os fatos que não caem diretamente sob os sentidos.

27. Na pressa de repelir ideias antigas, não refletem que admitem causas tão estranhas, entidades científicas tão bizarras como as dos espiritualistas. Em primeiro lugar, esses sábios que rejeitam a alma, porque ela é imaterial, admitem a existência de um agente imponderável, invisível e intangível que se chama vida? Ora, que é, com efeito, a vida? Responde Longet que é o conjunto das funções que distinguem os corpos organizados dos corpos inorgânicos.

28. A realidade, porém, é que não avançamos nada sobre o conhecimento da vida, aceitando essa definição, uma vez que ignoramos qual é a causa dessas funções. Elas não se executam senão em virtude de uma força que age constantemente, que se conhece por seus efeitos, mas cuja natureza íntima permanece sempre um mistério. Que força é essa que anima a matéria, que dirige as operações tão numerosas e tão complicadas que se passam no interior do corpo?

29. Nossas máquinas, ainda tão rudimentares, exigem, se as comparamos ao mais simples vegetal, um cuidado constante para o bom funcionamento de cada uma de suas partes, uma vigilância contínua para remediar os acidentes que se podem produzir. Na natureza, ao contrário, tudo se executa maravilhosamente. As ações mais diversas, as mais dessemelhantes combinam-se para manter essa harmonia que constitui o ser em bom equilíbrio orgânico. Que é o que designa a cada substância o posto que ela deve ocupar no organismo? Que é que repara essa máquina quando ela vem a estragar-se? Em uma palavra, que poder é esse de que resulta a vida?

30. Para responder a essas perguntas, os fisiologistas imaginaram uma força que denominaram princípio vital. Desejamos muito acreditar nessa força, mas faremos observar que esse princípio é invisível, intangível, imponderável, que não acusa sua presença senão pelos efeitos que manifesta, e que os espiritualistas estão nas mesmas condições quando falam da alma. Se os materialistas admitem a vida e nenhum deles a pode negar, nenhuma razão têm para repelir a existência do princípio pensante do homem.

31. Moleschott publicou uma obra intitulada A circulação da vida, na qual expõe a nova forma das crenças materialistas. Vamos resumi-la rapidamente, para que se veja como são desprovidas de justeza suas alegações e por quais sofismas consegue ele dar às suas deduções uma aparência de lógica.

32. Ele estabelece, como princípio, que não podemos verificar em nós e em torno de nós senão a matéria; que nada existe sem ela; que o poder criador reside em seu seio e que pelo seu estudo é que o filósofo pode tudo explicar. Discorre, complacentemente, sobre as provas que a ciência forneceu a respeito dessa grande frase de Lavoisier: “nada se cria, nada se perde”. A balança demonstra que, em suas transformações, os corpos se decompõem, mas os átomos que os constituem podem reencontrar-se integralmente em outras combinações. Ou, dito por outra forma, não se cria matéria. O corpo do homem rejeita o que nutre a planta; a planta transforma o ar, que nutre o animal; o animal nutre o homem, e os seus resíduos, levados pelo ar à superfície da terra vegetal, renovam e entretêm a vida das plantas. Todos os mundos: vegetais, minerais, animais, se unem, se penetram, se confundem e transmitem a vida por um movimento que é dado ao homem verificar e compreender. Eis por que – diz ele – “a circulação da matéria é a alma do Mundo”.

33. Essa matéria, que nos aparece sob aspectos tão diversos, que se transforma em tão múltiplos avatares, é, entretanto, sempre a mesma. Como essência é imutável, eterna. Moleschott faz notar que é ela inseparável de uma de suas propriedades: a força. Não concebe uma sem a outra. Não pode admitir que a forma exista independente da matéria, ou vice-versa. Daí conclui que as forças designadas sob os nomes de Deus, alma, vontade, pensamento etc. são propriedades da matéria. Segundo ele, acreditar que essas forças possam ter uma existência real é cair num erro ridículo. Ouçamo-lo: “Seria uma ideia absolutamente sem significação a de que uma força pairasse acima da matéria e pudesse, à vontade, casar-se com ela. As propriedades do azoto, do carbono, do hidrogênio, do oxigênio, do enxofre, do fósforo, residem em si de toda a eternidade.”

34. Em face disso, entende Moleschott, a força vital, a ideia diretriz, a alma não passam de modificações da matéria, de alguns dos seus aspectos particulares. A matéria, por toda parte e sempre, sob infinita variedade de formas, não é mais que a combinação físico-química dos elementos. Tais são, em suas grandes linhas, as primeiras afirmações de Moleschott. Serão exatas? É o que verificaremos.  (Continua no próximo número.)




 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita