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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 209 - 15 de Maio de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

 

O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 2)
 

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. As transformações da matéria obedecem a alguma lei?

Sim. Elas se fazem em virtude de leis imutáveis, guiadas pela mais inflexível lógica. Prova disso é a harmonia grandiosa que caracteriza a máquina celeste, fato que não pode ter nascido do caos nem ser fruto do acaso. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.)

B. Que dedução se pode tirar quando se examina o desenvolvimento da vida ao longo dos períodos geológicos?

A dedução que daí decorre é de que uma inteligência haja dirigido a marcha ascendente de tudo o que existe, para um fim que ignoramos, mas cuja existência é evidente. É fácil verificar que os seres se têm modificado de maneira contínua, em virtude de um plano grandioso, à medida que as condições da vida se transformam na superfície do Globo. A que agente atribuir essa marcha progressiva? É o acaso que combina, com tanto cuidado, a ação de todos os elementos? Seria absurdo supô-lo, pois o acaso é uma palavra que significa a ausência de todo o cálculo, de toda a previsão. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.)

C. A força e a matéria são princípios independentes um do outro?

Sim. A experiência e o raciocínio indicam que a força não é simples atributo da matéria; ao contrário, o estudo dos fatos nos leva a considerar a força e a matéria como princípios independentes. A força é a causa efetiva a que obedecem os seres, orgânicos ou não. A matéria é instrumento passivo, sobre o qual ela se exerce. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. I.) 

Texto para leitura 

35. Existem terras como a nossa, que obedecem a regras invariáveis, cuja harmonia é de tal forma grandiosa, que o espírito, espantado e confuso diante de tantas maravilhas, não pode duvidar de que uma profunda sabedoria tenha presidido ao seu planejamento. Não é preciso lembrar a um sábio como Moleschott a extrema complicação da máquina celeste e a harmonia que a caracteriza, a em ser fruto do acaso.ste, qual, obviamente, não pode ter nascido do caos nem ser fruto do acaso.

36. As transformações da matéria se fazem em virtude de leis imutáveis, guiadas pela mais inflexível lógica; eis por que acreditamos em uma inteligência suprema, reguladora do Universo.

37. Sabemos, como Moleschott, que nada se cria, que nada se perde em nosso pequeno mundo. A Astronomia nos ensina que a Terra rodopia em torno do Sol através dos campos da extensão e sabemos que a gravidade retém em sua superfície todos os corpos que a compõem. Podemos compreender perfeitamente, portanto, que ela não adquire nem perde coisa alguma em sua incessante carreira. Provam-nos as novas descobertas que todas as substâncias se transformam umas nas outras, que os corpos, estudados à luz da química, diferem pelo número e pela proporção dos elementos simples que entram em sua composição. Nada é mais exato e ninguém pensa em contestar essas verdades demonstradas.

38. Se encararmos a multiplicidade enorme das trocas que se realizam entre todos os corpos, o que mais nos surpreende não são essas combinações em si, mas o maravilhoso conhecimento das necessidades de cada ser que elas atestam. Nada se perde no imenso laboratório da Natureza. Todos os seres, por ínfimos que nos pareçam, têm sua utilidade para o bom funcionamento do conjunto da criação; cada substância é utilizada de forma a produzir seu máximo de efeito, e a “circulação da matéria” entretém a vida na superfície do nosso Globo. Esse movimento perpétuo é a alma do mundo e, quanto mais complicado ele é, quanto mais variado, tanto mais testemunha em favor de uma ação diretriz.

39. A ciência contemporânea descobriu nossas origens; sabemos que, desde quando a Terra não era mais que um amontoado de matéria cósmica, produziram-se metamorfoses que a trouxeram lentamente, gradualmente, à época atual. É em razão dessa progressão evolutiva que reconhecemos a necessidade de uma influência que se exerce de maneira constante, para conduzir os seres e as coisas, da fase rudimentar a estados cada vez mais aperfeiçoados.

40. Não se pode negar, quando examinamos o desenvolvimento da vida através dos períodos geológicos, que uma inteligência haja dirigido a marcha ascendente de tudo o que existe, para um fim que ignoramos, mas cuja existência é evidente. E é fácil verificar que os seres se têm modificado de maneira contínua, em virtude de um plano grandioso, à medida que as condições da vida se transformam na superfície do Globo.

41. A que agente atribuir essa marcha progressiva? É o acaso que combina, com tanto cuidado, a ação de todos os elementos? Seria absurdo supô-lo, pois o acaso é uma palavra que significa a ausência de todo o cálculo, de toda a previsão. Afastada esta hipótese, restam-nos as leis físico-químicas de que fala Moleschott.

42. Nunca se admitiu que o oxigênio se combinasse por prazer com o hidrogênio; o azoto, o fósforo, o carbono etc. têm propriedades que possuem de toda a eternidade, é evidente; mas não é menos verdade que se trata de forças cegas, que não se dirigem em virtude de um impulso próprio, e se estas energias passivas ao se aliarem produzem resultados harmônicos, bem coordenados, é que elas são postas em ação por um poder que as domina. A Química, a Física, a Astronomia, explicando os fatos que pertencem às suas respectivas esferas, de forma alguma atingiram a causa primária. A Biologia moderna também não toca nessa causa e não suprime Deus; ela o vê mais longe e, sobretudo, mais alto.

43. Examinemos, agora, a segunda proposição de Moleschott, que pretende seja a força um atributo da matéria, isto é, que impossível seja conceber uma sem a outra. Em sua opinião, estudar separadamente a força e a matéria é uma falta de senso, donde resulta que, estando a energia contida na matéria, as forças como a alma, o pensamento, Deus, não são mais que propriedades dessa matéria. Se demonstrarmos que tal asserção é falsa, estabeleceremos, implicitamente, a realidade da alma.

44. Para responder a um sábio não há melhor método que o de lhe opor outros sábios. Diz d'Alembert, secundando Newton, “que um corpo abandonado a si próprio deve persistir eternamente em seu estado de movimento ou de repouso uniforme”. Em outras palavras: estando um corpo em repouso, não poderia por si mesmo deslocar-se. Laplace assim exprime o mesmo pensamento. Um ponto em repouso não pode dar a si o movimento, pois que não dispõe de raciocínio que o faça mover num sentido em vez de outro. Solicitado por uma força qualquer e, em seguida, abandonado a si mesmo, move-se constantemente de maneira uniforme, na direção dessa força; não experimenta nenhuma resistência; em todo o tempo, sua força e sua direção de movimento são as mesmas. Essa tendência da matéria para perseverar em seu estado de movimento e de repouso é o que se chama inércia. É esta a primeira lei do movimento dos corpos.

45. Newton, d'Alembert e Laplace reconhecem, pois, que a matéria é indiferente ao movimento e ao repouso, que só se move quando uma força atua sobre ela, porque, naturalmente, é inerte. É, portanto, uma afirmação gratuita e sem fundamento científico atribuir força à matéria. Cremos que dificilmente podem recusar-se o testemunho e a competência dos três grandes homens acima citados. Para dar mais peso, entretanto, à nossa asserção, diremos que o Cardeal Gerdil e Euler estabeleceram, por cálculos matemáticos, a certeza da inércia dos corpos.

46. Mas não só os matemáticos trataram dessa questão: M. H. Martin, em seu livro As ciências e a filosofia, demonstra, segundo o Sr. Dupré, que em virtude das leis da termodinâmica é necessário admitir uma ação inicial exterior e independente da matéria. Aliás, é fácil a convicção, raciocinando de acordo com o método positivo, de que o testemunho dos sentidos não pode fazer-nos ver a força como um atributo da matéria; ao contrário, verificamos pela experiência cotidiana que um corpo fica inerte e permanecerá eternamente na mesma posição se nada lhe vier dar o movimento. Uma pedra, que lançarmos, permanece, depois de sua queda, no estado em que se achava quando a força que a animava cessou de atuar. Uma bola não rolará sem o primeiro impulso que lhe determine o deslocamento. Sendo o Universo o conjunto dos corpos pode-se dizer do conjunto da criação o que se diz de cada corpo em particular, e se o Universo está em movimento, é impossível achar que a causa desse movimento esteja nele próprio.

47. Vê-se, pois, que Moleschott não foi feliz na escolha de suas afirmações. Erige como verdade os pontos mais contestáveis; não é, pois, de surpreender que, partindo de dados tão falsos, chegue a conclusões absolutamente errôneas. O estudo imparcial dos fatos nos leva, em verdade, a encarar o mundo como formado de dois princípios independentes um do outro: a força e a matéria. E é preciso, além disso, observar que a força é a causa efetiva a que obedecem os seres, orgânicos ou não. Todas as forças, portanto, designadas sob os nomes de Deus, alma, vontade, têm uma existência real fora da matéria e esta nada mais é do que instrumento passivo, sobre o qual elas se exercem.

48. Continuando a análise do livro de Moleschott, ver-se-á que em suas apreciações sobre o homem ele não mostra mais perspicácia do que em seu estudo sobre a Natureza. O grande argumento que ele oferece como prova de convicção é o mesmo que o dos materialistas em geral. Consiste em dizer que é o cérebro que segrega o pensamento.

49. Os materialistas se encontram em face desse problema: o homem pensa; o pensamento não tem nenhuma das qualidades da matéria; é invisível, não tem forma, nem peso, nem cor; entretanto,existe. É preciso, pois, por se mostrarem coerentes, que o façam provir da matéria. Mas é grande a dificuldade para explicar como uma coisa material, o cérebro, pode engendrar uma ação imaterial, o pensamento. Vemos, então, desfilarem os sofismas, com o auxílio dos quais nossos adversários dão a aparência de um arrazoado.

50. Que o cérebro é necessário à manifestação do pensamento, os filósofos gregos já o sabiam, mas não caíam, por isso, no erro dos céticos de hoje, pois eles estabeleceram a distinção entre a causa e o instrumento que serve para produzir o efeito.

51. Certos fisiologistas, como Cabanis, não encaram o assunto dessa maneira. Diz ele: “Vemos as impressões chegarem ao cérebro por intermédio dos nervos; elas se acham, então, isoladas e sem coerência. O órgão entra em ação, age sobre as impressões e as reenvia metamorfoseadas em ideias, que se manifestam, exteriormente, pela linguagem da fisionomia ou do gesto, pelos sinais da palavra ou da escrita. Concluímos, com a mesma segurança, que o cérebro digere, de alguma sorte, estas impressões; que ele faz, organicamente, a secreção do pensamento”.

52. Tal doutrina tão bem se implantou no espírito dos materialistas que, segundo Carl Vogt, os pensamentos têm com o cérebro quase “a mesma relação que a bílis com o fígado ou a urina com os rins”.

53. Moleschott, seguindo nessa linha de pensamento, diz a seu turno, variando um pouco a argumentação: “O pensamento não é mais que um fluido, como o calor ou o som; é um movimento, uma transformação da matéria cerebral; a atividade do cérebro é uma propriedade do cérebro, tão necessária como a força, por toda parte inerente à matéria, de que é caráter essencial e inalienável. É tão impossível que o cérebro intacto não pense, como é impossível seja o pensamento ligado a outra matéria que não o cérebro”.

54. Segundo ele, qualquer alteração do pensamento modifica o cérebro, e qualquer dano a esse órgão suprime o pensamento no todo ou em parte. Afirma ele: “Sabemos, por experiência, que a abundância excessiva do líquido céfalo-raquidiano produz o estupor; a apoplexia é seguida do aniquilamento da consciência; a inflamação do cérebro provoca o delírio; a síncope, que diminui o movimento do sangue para o cérebro, provoca a perda do conhecimento; a afluência do sangue venoso para o cérebro produz a alucinação e a vertigem; uma completa idiotia é o efeito necessário, inevitável, da degenerescência dos dois hemisférios cerebrais; enfim, toda excitação nervosa na periferia do corpo só desperta uma sensação consciente no momento em que repercute no cérebro”.

55. Toda a argumentação de Moleschott consiste em dizer que, com órgãos sãos, os atos intelectuais se exercem facilmente; ao contrário, se o cérebro adoece, a alma não pode mais se servir dele, e as faculdades reaparecem quando as causas que o alteravam cessam de agir. É sempre a história do piano. Se uma das cordas chega a quebrar-se, será impossível fazer vibrar a nota que lhe corresponde; substitua-se a corda e imediatamente o som voltará a produzir-se. Mas, quando fosse demonstrado que o pensamento é sempre a resultante do estado do cérebro, não bastaria isso para afirmar-se que o encéfalo produz o pensamento. Quando muito, daí se poderiam induzir as relações íntimas existentes entre ambos, pois não está ainda provado que a integridade do cérebro seja indispensável à produção dos fenômenos espirituais.

56. Afirma Longet, cuja competência em fisiologia é unanimemente reconhecida: “Nunca se negou a solidariedade dos órgãos sãos com uma inteligência sã – mens sana in corpore sano; mas essa dependência tão natural não é de tal forma absoluta que se não encontrem numerosos exemplos do contrário; veem-se débeis crianças assombrar pela precocidade da inteligência e extensão do espírito; velhos decrépitos, já vizinhos da tumba, conservar intactos os julgamentos, a memória, o fogo do gênio, o ardor da coragem”.

57. Segundo Longet, a loucura é acompanhada, muitas vezes, de uma lesão apreciável dos centros nervosos, mas há casos em que Esquirol e os autores mais conscienciosos afirmaram não haver encontrado nenhum vestígio de alteração no cérebro, o que mostra que suas conclusões não são inteiramente a favor de Moleschott e que não é possível afirmar que o pensamento esteja sempre em harmonia com a integridade do cérebro; logo, ele não é produzido pelo cérebro.

58. Outra tese do sábio holandês atribui o pensamento a uma vibração da matéria cerebral. Seria essa teoria mais justa que as precedentes? Desde logo esbarramos numa dificuldade: é difícil compreender como uma sensação gera uma ideia. A sensação é uma impressão produzida nos nervos sensitivos por um abalo externo; este determina um movimento ondulatório que se propaga até o cérebro pelas fibras nervosas. Lá chegado, esse movimento faz vibrar as células. Mas como pode o movimento mecânico das células determinar uma ideia? Como compreender que esse abalo seja percebido pelo ser pensante?

59. As células nervosas não são, por si mesmas, inteligentes; o movimento vibratório é simples ação material. Como pode o pensamento nascer desse abalo das células nervosas? Foi o que se esqueceram de ensinar-nos.

60. Os espiritualistas, por sua vez, interpretam os fatos dizendo que há em nós uma individualidade intelectual, que é advertida por essa vibração de que uma ação foi exercida sobre o corpo, e é quando a alma tem consciência desse movimento vibratório que nós experimentamos a percepção.

61. O fenômeno tão comum da distração mostra que tudo se passa assim. Quando trabalhamos num aposento, não acontece frequentemente ficarmos insensíveis ao tiquetaque de um relógio? Não sucede, mesmo, ficarmos insensíveis às horas que batem? Por que não as ouvimos? As vibrações, produzidas pelo som impressionaram nosso ouvido, propagaram-se através do organismo até o cérebro, mas, estando a alma preocupada por outros pensamentos, não pôde transformar a sensação em percepção, de sorte que não tivemos consciência dos ruídos produzidos pelo relógio. Esse simples fato demonstra, de maneira concludente, a existência da alma.  (Continua no próximo número.)




 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita