Insensatez
Joana de Gusmão
Ah! Se eu
pudesse voltar
ao mundo – gemia
a alma frágil e
doente, sob
imenso nevoeiro
no vale das
sombras -, como
seria diversa a
vida para
min!... Decerto,
não me lembraria
com precisão das
algemas que me
aferram no
abismo, porque a
Divina Compaixão
teria apagado
temporariamente
as nódoas de
vinagre e fel
que me dilaceram
a memória.
Entretanto,
jamais olvidaria
a piedade e o
reconhecimento
que devo
cultivar diante
da Natureza,
esse sagrado
altar de Deus...
Oh! Senhor,
caminharia,
então, ao
encontro dos
irmãos aflitos e
sofredores,
oferecendo-me em
holocausto ao
amor. Buscaria a
Humanidade por
minha grande
família,
sentindo nos
companheiros
ignorantes os
mais
necessitados de
meu concurso;
receberia os
dissabores por
bênçãos,
valendo-me deles
para estender o
raio de minha
experiência na
aquisição da
verdadeira
sabedoria;
aproveitaria as
oportunidades do
mundo, sem
permitir que a
inferioridade
dos homens me
vencesse;
transformaria o
coração numa
fonte de
claridade e de
consolo, a fim
de que todos os
seres em mim
encontrassem a
paz e o bom
ânimo;
empenhar-me-ia
na abençoada
luta pelo bem,
como as árvores
dadivosas se
prendem ao solo,
esparzindo-se em
flores de
serviço e
morrendo erectas
para, até à
última hora,
estender a
sombra da
ramagem;
aceitaria os
obstáculos como
espinhos duma
coroa de
sacrifício para
a suprema glória
do espírito!
As horas, ó
Senhor! As horas
seriam
patrimônio
bendito para o
meu novo modo de
ser...
Atravessá-las-ia,
semeando a
felicidade entre
todos,
transubstanciando-me
em
esclarecimento
para os
ignorantes, em
pão eterno e em
água viva para
os famintos e
para os sedentos
da estrada!
Abominaria o
descanso
criminoso, que
muita vez me
arremessou ao
despenhadeiro da
indiferença ante
as amarguras do
próximo.
Nunca mais me
furtaria aos
deveres pesados,
mas gloriosos,
que nos retêm
nas doces
cadeias da
solidariedade, e
aprenderia
louvando-Te, que
a for é um
cântico de
beleza e de
renovação em
toda parte...
Respiraria
distante do
orgulho, que é
mentira, longe
do egoísmo, que
é inferno
oculto, e fora
da vaidade, que
é simples
cegueira do
coração!
Senhor, dá-me
novamente o
corpo de carne,
e reconduze-me
ao exercício, à
prova, à
recapitulação!
*
Soluços abafados
seguiram-lhe a
rogativa, mas um
mensageiro do
Todo-Bondoso,
dando-lhe a
perceber que a
súplica fora
ouvida, emergiu
da noite,
rasgando larga
clareira de
Deus. Recolheu a
alma infeliz e
trouxe-a, de
novo, à escola
do mundo.
Qual semente
viva em terra
preciosa, a
infortunada
criatura
ressurgiu entre
os homens, na
forma dum anjo
débil, cercado
de carinhos
especiais.
Quando, porém,
se lhe recompôs
o valioso corpo,
asfixiou as
tendências
superiores,
repeliu o
escabelo de quem
serve ao Senhor,
empinou-se no
trono da
vontade; e,
rodeando-se de
velhos vícios,
que nomeou por
validos e
conselheiros de
seu destino,
passou a gozar
loucamente a
vida, exigindo,
reclamando,
oprimindo e
assumindo
lastimável
compromisso
perante a Lei.
Sempre a mesma
insensatez –
funesta e
dolorosa.
Do livro
Falando à Terra,
obra ditada por
Espíritos
Diversos,
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.
Joana Gomes de
Gusmão, ilustre
dama paulista,
admirável pela
sua vida de
peregrinações e
devoção, foi
irmã do célebre
Padre Bartolomeu
Lourenço de
Gusmão.
Chamavam-na
“Mulher Santa”.
Imortalizou-se
pelo seu
valoroso
espírito de
trabalho,
lealdade e fé.