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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 212 - 5 de Junho de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 5)

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. Qual é a unidade primordial do tecido cerebral?

A célula nervosa, com seus vários atributos e suas configurações definidas. (O Espiritismo  perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. II - O materialismo positivista.)

B. As células nervosas são capazes de sentir?

Para muitos fisiologistas, sim. Para Delanne, não. Diz ele que, mesmo que as células nervosas tivessem essa capacidade, não seria fácil imaginar qual a resultante das sensações de cada uma. Se, pelo contrário, admitirmos a existência da alma, tudo, então, se torna claro. Temos um centro onde se reúnem as sensações e, consequentemente, as ideias a comparar. É ele que armazena as múltiplas impressões que recebe, e as analisa, pesa, compara com as que possuía anteriormente; o resultado de todas essas operações é o juízo.  (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II – O materialismo positivista.)

C. Qual é, na concepção de Claude Bernard, a propriedade fundamental da vida?

A irritabilidade. Segundo suas palavras, é a irritabilidade que caracteriza a vida. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II - Da sensibilidade dos elementos nervosos.) 

Texto para leitura 

111. Que se encontra na substância cerebral como elemento anatômico fixo, como unidade primária? A célula nervosa, com seus vários atributos, suas configurações definidas; veem-se também fibras nervosas e um tecido que reúne todos esses elementos, o qual é atravessado por vasos sanguíneos muito pequenos, chamados capilares.

112. É do estudo da célula que depende a ciência das propriedades do cérebro, pois que ela é a unidade primordial do tecido cerebral, e quando conhecermos as propriedades íntimas desse elemento, teremos uma ideia exata do papel da matéria cortical.

113. Vemos na parte inferior desta camada dos hemisférios o começo das fibras que ligam a superfície ao centro. Elas são, a princípio, ramificadas ao infinito, de forma a entrarem em contato com grande número de células da camada cortical; depois se vão condensando até a saída do córtice dos hemisférios, onde têm a forma de fibras compactas.

114. Examinando as células nervosas, vemos que elas têm, como toda célula, uma forma determinada por uma membrana envolvente, a maior parte das vezes irregular, cujos contornos parecem braços que se prolongam em diversos sentidos; depois, no interior, um núcleo apresentando um ponto brilhante, que se chama nucléolo.

115. Para se ter ideia do número imenso dessas células nervosas, basta saber que no espaço de um milímetro quadrado de substância cortical, com a espessura de um décimo de milímetro, conta-se cerca de cem a cento e vinte células nervosas de volume variado. Que se imagine o número de vezes que esta pequena quantidade está contida no todo e chegar-se-á a muitos milhões.

116. Ficamos confusos ao penetrar no mundo desses infinitamente pequenos, onde se reencontram essas mesmas divisões infinitas da matéria, que impressionam tão vivamente o espírito, no estudo do mundo sideral.

117. Ao examinar a estrutura de um elemento anatômico, só visível com um aumento de setecentos a oitocentos diâmetros, se pensarmos que esse mesmo elemento se repete por milhões, na espessura da camada cerebral, não podemos deixar de ser tomados de admiração. Refletindo-se que cada um desses pequenos aparelhos tem sua autonomia, sua individualidade, sua sensibilidade orgânica, íntima, que é ligado a seus congêneres, que participa da vida comum, e que é o obreiro silencioso e infatigável que elabora discretamente as forças nervosas necessárias à atividade psíquica, que se consome incessantemente, reconhecer-se-á a maravilhosa organização que preside ao mundo dos infinitamente pequenos.

118. Do que precede, decorre que a substância cortical representa imenso aparelho formado por elementos nervosos dotados de sensibilidade própria, mas solidários, porque as séries de células superpostas em andares, a correspondência delas entre si, implicam a ideia de que as atividades nervosas de cada zona podem ser despertadas isoladamente, que têm a faculdade de associar-se, de modificar-se de uma região para outra, segundo a natureza das células intermediárias postas em vibração; que, enfim, as ações nervosas, como as ondulações vibratórias, devem propagar-se gradativamente, conforme a direção das células orgânicas, no sentido horizontal ou no vertical, das zonas profundas às superficiais e vice-versa.

119. No ponto de vista da significação fisiológica de certas zonas e do modo de distribuição da sensibilidade e da motilidade (faculdade de dar o movimento), é permitido supor, apoiando-nos nas leis de analogia, que as regiões superiores, ocupadas principalmente pelas pequenas células, devem achar-se, sobretudo, em relação com as manifestações da sensibilidade, enquanto as regiões profundas, povoadas pelos grupos das grandes células, podem ser consideradas, principalmente, como centros de emissão do fenômeno da motricidade, isto é, das incitações que determinam o movimento.

120. Apoiam-se estas deduções num fato de observação, o de que, na medula espinhal, os nervos sensitivos comunicam-se com as pequenas células da medula, e os nervos motores, com as grandes células, nas quais se verificam as diversas ações da motricidade. Por analogia, estaríamos no direito de considerar as células superiores da camada cortical como a esfera de difusão da sensibilidade geral e especial, e, por isso mesmo, o grande reservatório comum, sensorium commune, de todas as sensibilidades do organismo; de outro lado, poder-se-iam admitir as camadas profundas como o lugar de emissão dos fenômenos do movimento.

121. Quando assistimos a uma representação teatral, os olhos e os ouvidos são impressionados ao mesmo tempo, e surge um mundo de ideias determinadas por milhares de sensações, que chegam instantaneamente ao cérebro. Se juntarmos a essas duas causas as impressões produzidas pela decoração da sala, pelo calor, pela representação dos atores, pela música, chegar-se-á a um total enorme de ações sensitivas percebidas pelo cérebro.

122. Como essas diversas vibrações conseguem harmonizar-se? Como se combinam os movimentos vibratórios para produzir no espectador o sentimento de prazer ou de descontentamento?

123. Em vão se nos mostrará que cada um dos sentidos tem um lugar reservado no córtice cerebral; que as excitações exteriores, que lhes correspondem, dirigem-se diretamente para a parte que lhes compete; mal podemos compreender como as excitações desses diferentes territórios de células se vão procurar e fundir para produzir uma ideia.

124. Para compreender o que se deu seria preciso supor que as células nervosas são capazes de sentir, e ainda assim não seria fácil imaginar qual a resultante das sensações de cada uma. Se, pelo contrário, admitirmos a existência da alma, tudo, então, se torna claro. Temos um centro onde se reúnem as sensações e, consequentemente, as ideias a comparar. É ele que armazena as múltiplas impressões que recebe, e as analisa, pesa, compara com as que possuía anteriormente; o resultado de todas essas operações é o juízo.

125. Luys entende, porém, que não é necessário recorrer à intervenção da alma para explicar todas as ações do espírito, que se podem deduzir das 3 propriedades fundamentais seguintes, que ele atribui ao sistema nervoso: 1 – A sensibilidade; 2 – A fosforescência orgânica; 3 – O automatismo.

126. São essas propriedades gerais que Luys estuda na segunda parte do seu trabalho. Uma vez conhecidas e definidas essas propriedades, Luys entra no estudo das diversas combinações, às quais se prestam, e pretende estabelecer que as operações do espírito não são mais que sensações transformadas por meio de atos reflexos múltiplos.

127. Se assim é para o cérebro e para os centros da medula espinhal, apenas com a diferença de que os processos são mais complicados, seremos, no ponto de vista fisiológico, autômatos, cujas molas são movidas por excitações externas, quer diretamente, suscitando reações imediatas, quer indiretamente, depois de uma travessia mais ou menos longa nos centros nervosos.

128. É essa a opinião de certo número de sábios que representam, em nossa época, a escola positiva. A filosofia deles não passa da forma científica das teorias de Hume, que não adquiriram valor, passando para este novo terreno. Apesar das declarações e do tom doutoral que apresentam, não no-la podem impor.

129. No tocante à vontade, escreve Luys: “As controvérsias dos filósofos e metafísicos, que vêm de longa data, só tiveram um fim: exprimir em fraseologia sonora a ignorância mais ou menos absoluta das condições da vida psíquica.”

130. Não sabemos até que pontos são fundadas essa palavras, mas o que iremos demonstrar é que o sábio professor apresenta hipóteses muito contestáveis para explicar os fenômenos do espírito; a um positivista, a um homem que vê de tão alto a filosofia, seria prudente não se deixar expor ao desmentido dos fatos.

131. Toda argumentação de Luys assenta num equívoco de palavras; para ele, a sensibilidade, a faculdade de sentir pertence à célula nervosa; é um fato que enuncia sem trazer, aliás, a menor prova. Assim a define: “A sensibilidade é essa propriedade fundamental que caracteriza a vida das células; graças a ela as células vivas entram em conflito com o meio; reagem de modo próprio, em virtude das afinidades íntimas postas em ação, mostrando apetência para as incitações que as lisonjeiam e repulsa para as que as contrariam. A atração para as coisas agradáveis e a repulsa às desagradáveis são, pois, os corolários indispensáveis a toda organização apta a viver, e a manifestação aparente de toda a sensibilidade.”

132. Admitindo que as células sejam capazes de experimentar atração e repulsão, isto é, supondo-as dotadas da faculdade de discernir, mostra Luys que, à medida que se sobe na escala dos seres, somente em certas células se especializa essa propriedade; faz ele ver que o desenvolvimento da sensibilidade marcha de par com a extensão, cada vez maior, do sistema nervoso, para chegar, no homem, ao seu máximo poder.

133. Raciocinar assim não é difícil e dispensa grande esforço de imaginação, pois se supõe demonstrada a questão em litígio. Admitir que a célula escolhe entre os diversos elementos com que se acha em relação, é tão racional como supor que, numa combinação química, o oxigênio escolhe o corpo com o qual se alia. Mas, dir-se-á, as células são vivas, têm um grau de capacidade e de propriedade maior que os corpos inorgânicos; podem não estar, portanto, submetidas tão só às leis que regem os corpos simples, e possuir um rudimento de consciência.

134. A tais argumentos responde Claude Bernard, o ilustre fisiologista, em suas Leçons sur les tissus vivants, à pág. 63: “Visto que só os elementos anatômicos são vivos, só eles nos poderão dar os caracteres da vida. Ora, cada tecido apresenta propriedades diferentes e dir-se-ia, assim, que não há caráter vital essencial. Os fisiologistas, entretanto, ensaiaram determinar esse caráter no meio das variações de propriedades dos tecidos, e lhe chamaram irritabilidade, isto é, a aptidão a reagir, fisiologicamente, contra a influência das circunstâncias externas, como a própria palavra o indica. Essa propriedade não pertence nem às matérias minerais nem às orgânicas, é privilégio exclusivo da matéria organizada e viva, ou seja, dos elementos anatômicos vivos, que são, por consequência, as únicas partes irritáveis do organismo. Todos os seres vivos são, pois, irritáveis pelos elementos histológicos que compreendem, e perdem essa propriedade no momento da morte. A propriedade de ser irritável distingue, portanto, a matéria organizada da que o não é; e, além disso, entre as matérias organizadas, faz reconhecer a que é viva, e a que o deixa de ser. Em suma, a irritabilidade caracteriza a vida. A matéria, mesmo a viva, é inerte por si própria, no sentido de que deve ser considerada como desprovida de espontaneidade. Mas essa mesma matéria é irritável e pode, assim, entrar em atividade para manifestar suas propriedades particulares, o que seria impossível se fosse, ao mesmo tempo, desprovida de espontaneidade e irritabilidade. A irritabilidade é, pois, a propriedade fundamental da vida.”

135. O trecho é bem explícito; mesmo a matéria viva é inerte; é preciso um excitante para que possa agir, e quando manifesta os caracteres da vida, fá-lo à maneira dos corpos inorgânicos, sem nenhuma participação voluntária; não pode, pois, reagir de modo próprio, como o quer Luys. Uma célula nervosa não pode mostrar repulsão, porque lhe é impossível escolher entre os diferentes corpos com os quais está em contacto.

136. Segundo Claude Bernard há três categorias de excitantes: os irritantes físicos, os químicos e os vitais. Se a célula é posta em presença de um deles, não pode escolher nem manifestar repulsão, reage, porque a isso é obrigada. Se a colocarem em contacto com um corpo que não entra numa dessas categorias indicadas, ficará inerte, tal como dois gases, que, não tendo afinidades, não se combinam.

137. A fisiologia está, pois, em oposição formal com Luys; ela não admite que nos fenômenos manifestados pela vida das células possa haver intervenção de qualquer vontade, por menor que a possamos supor. Podemos negar, legitimamente, que a sensibilidade, essa faculdade de sentir o que se passa em nós, seja uma propriedade das células nervosas do corpo. É necessário, pois, atribuí-la à alma.

138. Vejamos a opinião de outro sábio, Rosenthal, exposta em Les Mescles et les Nerfs: “Para que a percepção das sensações se produza, parece absolutamente indispensável que a excitação chegue até o cérebro. É muito duvidoso, e ainda menos provado, que outra parte do encéfalo, e sobretudo a medula, possam produzir sensações. Quando as irritações chegam ao cérebro, não se produzem as sensações somente, mas também percepções exatas sobre a espécie de irritação, sua causa e o ponto onde foi ela praticada. Algumas vezes, entretanto, esses fenômenos não se realizam, e a excitação passa despercebida. É o que acontece, por exemplo, quando nossa atenção é fortemente atraída para outra parte... Mas não é possível dar a menor explicação de como essa percepção se forma. Pode ser que haja produção de fenômenos moleculares no interior das células nervosas, mas esses fenômenos só podem ser movimentos. Ora, podemos compreender como movimentos produzem movimentos, mas não sabemos absolutamente como esses movimentos poderiam produzir uma percepção.”

139. Está pois estabelecido que é hipótese não justificada admitir a percepção, ou por outra, os fenômenos da sensibilidade como pertencentes à célula nervosa. A ciência positiva de Luys é apanhada em flagrante delito de concepções não demonstradas e apenas imaginada com vistas ao fim a atingir. Assim, também, as vibrações que se animalizam e depois se espiritualizam só foram apresentadas para afastar a alma da explicação do pensamento.

140. É singular ver tomados como sonhadores e gente pouco científica os que creem no Espírito, enquanto os representantes da ciência oficial querem persuadir-nos de que existem vibrações espirituais, mas contestam a existência de um princípio imaterial. (Continua no próximo número.)




 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita