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Crônicas e Artigos

Ano 5 - N° 212 - 5 de Junho de 2011

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, Minas Gerais (Brasil)

Despotismo

A mais inviolável das liberdades é a de pensar

 “A perseguição é o batismo de toda ideia nova, grande e justae cresce com o desenvolvimento e a importância da ideia.”-      Allan Kardec[1]


Carneiro de Campos, deputado da Província do Rio de Janeiro, uma das mais eminentes figuras políticas do Primeiro Reinado, vexilário da liberdade religiosa no Brasil, assim se expressou na sessão de 10 de outubro de 1823, quando da elaboração da Constituição naquele ano[2]: “A minha consciência, a minha crença e as minhas opiniões são de tal sorte minhas, que a ninguém mais podem pertencer; elas residem bem acatadas no santuário o mais impenetrável da minha Alma, onde nem mesmo as leis, nem o governo, nem os homens podem ter ingerência alguma; só Deus ali penetra, só a Ele deve dar estreitas contas dos meus pensamentos. O Estado e a religião são coisas distintas e perfeitamente separadas, uma não pode ter ingerência na outra”.

O discurso de Carneiro de Campos, dizem as crônicas do passado, arrebatou a Assembleia. Estava ele replicando um discurso de Cairu, seu comprovinciano, tendo sido apoiado, também, pelo deputado Vergueiro de São Paulo, favorável à liberdade de cultos.

Continuou neste tom de firmeza, o vigoroso constituinte baiano: “(...) Jesus Cristo, nosso Divino Mestre, expressamente declarou: “Meu Reino não é deste mundo”; e nós que estamos aqui reunidos para dar instituições que formem a felicidade temporal dos nossos concidadãos devemos também altamente professar que nada temos com a religião de cada um”.

Logo adiante, discutindo o § 3º do artigo 7º, que se referia à matéria religiosa, Carneiro de Campos a bem dizer fechou seu discurso com esta chave de ouro: “(...) Não, senhores; não aberremos das mais depuradas luzes do século em que vivemos; conserve-se o parágrafo tal qual se acha! Para ser livre, não basta que a pessoa e os bens do cidadão estejam defendidos e seguros da opressão; é também necessário que o seu Espírito, desembaraçado das cadeias da tirania, possa seguir em liberdade as ideias que ele julgue necessárias à sua felicidade”.

Afirma o insuperável Mestre Lionês[3]: “De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que abrange a de consciência. Lançar alguém anátema sobre os que não pensam como ele é reclamar para si essa liberdade e negá-la aos outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor do próximo. Perseguir os outros, por motivos de suas crenças, é atentar contra o mais sagrado direito que tem todo homem: o de crer no que lhe convém e de adorar a Deus como o entenda. Constrangê-los a atos exteriores semelhantes aos nossos é mostrar que damos mais valor à forma do que ao fundo, mais às aparências, do que à convicção. Nunca a abjuração forçada deu a quem quer que fosse a fé; apenas pôde fazer hipócritas. É um abuso da força material, que não prova a verdade. A verdade é senhora de si: convence e não persegue, porque não precisa perseguir.

Por que se não teria a liberdade de se dizer espírita, como se tem a de se dizer católico, protestante, ou judeu, adepto de tal ou qual doutrina filosófica, de tal ou qual sistema econômico?   Essa crença é falsa, ou é verdadeira; se é falsa, cairá por si mesma, visto que o erro não pode prevalecer contra a verdade, quando se faz luz nas inteligências. Se é verdadeira, não haverá perseguição que a torne falsa.

A perseguição é o batismo de toda ideia nova, grande e justa, e cresce com a magnitude e a importância da ideia. O furor e o desabrimento dos seus inimigos são proporcionais ao temor que ela lhes inspira. Tal a razão por que o Cristianismo foi perseguido outrora e por que o Espiritismo o é hoje, com a diferença, todavia, de que aquele o foi pelos pagãos, enquanto o segundo o é por cristãos.

Espíritas, não vos aflijais com os golpes que vos desfiram, pois eles provam que estais com a verdade. Se assim não fosse, deixar-vos-iam tranquilos e não vos procurariam ferir.

Constitui uma prova para a vossa fé, porquanto é pela vossa coragem, pela vossa resignação e pela vossa paciência que Deus vos reconhecerá entre os Seus servidores fiéis, a cuja contagem ele hoje procede, para dar a cada um a parte que lhe toca, segundo suas obras.

A perseguição pouco durará... Aguardai com paciência o romper da aurora, pois que já rutila no horizonte a estrela d'alva”. 

                                                                                               

 

[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. XXVIII, item 51.

[2] - AMORIM, Deolindo. Ideias e Reminiscências Espíritas.

[3] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. XXIV, itens 13 em diante.



 


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