ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel
Delanne
(Parte
6)
Damos continuidade nesta edição
ao
estudo do livro O
Espiritismo perante a
Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science,
publicada originalmente
em Paris em 1885.
Questões preliminares
A. Por que, apesar da
renovação incessante das
células do nosso corpo,
a memória se mantém
intacta?
Esse fato só se pode
explicar admitindo-se a
existência de uma força
que não varia como a
matéria na qual se
registram os
conhecimentos que
adquirimos pelo
trabalho. Esta força,
essência imaterial, é a
alma, que, apesar das
negações materialistas,
revela sua presença, por
pouco que se estudem,
imparcialmente, os
fenômenos que se passam
em nós.
(O Espiritismo perante
a Ciência, Primeira
Parte, Cap. II -
O materialismo
positivista.)
B. Do exame isento de
todas as teorias
científicas
apresentadas, que
dedução se extrai com
relação à existência da
alma?
De acordo com Delanne,
nenhuma das teorias
examinadas nos dá a
certeza de que a alma
não seja uma entidade.
Com um exame atento,
deduz-se, pelo
contrário, a convicção
de que o espírito ou
alma existe realmente e
manifesta sua presença
em todas as ações da
vida.
(Obra citada, Primeira
Parte, Cap. II –
O materialismo
positivista.)
C. O magnetismo já era
conhecido entre os povos
da antiguidade?
Sim. Ele foi conhecido
em todos os tempos. Os
anais dos povos da
antiguidade formigam em
narrativas
circunstanciadas, que
mostram o profundo
conhecimento que do
magnetismo tinham os
antigos sacerdotes, seja
na Caldeia, na Índia ou
no Egito.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. I –
O magnetismo e sua
história.)
Texto
para leitura
141. Luys foi o primeiro
que propôs assimilar a
faculdade da memória a
uma ação física. Supondo
as células nervosas como
certos corpos capazes de
armazenar, de algum
modo, as vibrações que
lhes chegam, tal como as
substâncias
fosforescentes que
continuam a brilhar
depois de desaparecida a
fonte luminosa, assim as
células nervosas
poderiam vibrar, mesmo
depois que cessasse de
agir a causa excitante.
142. Niepe de Saint
Victor, em suas
pesquisas sobre as
propriedades dinâmicas
da luz, chegou a mostrar
que as vibrações
luminosas podiam
armazenar-se numa folha
de papel, em estado de
vibrações silenciosas,
durante um tempo mais ou
menos longo, prestes a
reaparecerem sob a ação
de uma substância
reveladora. Foi assim
que se pôde, tendo-se
conservado, na
obscuridade, gravuras
expostas precedentemente
aos raios solares,
revelar, muitos meses
após a insolação, com
auxílio de reativos
especiais, os traços
persistentes da ação
fotogênica do Sol sobre
a superfície delas.
143. Em apoio à sua
teoria, Luys cita
exemplos de
fosforescência orgânica,
tirados do funcionamento
dos órgãos dos sentidos.
Ele atribui à
fosforescência orgânica
as ações que derivam do
hábito, como os
exercícios do corpo, a
dança, a esgrima, o
toque dos instrumentos
de música, etc. Depois,
filia a essa
fosforescência todos os
fenômenos da memória.
144. Essa explicação não
nos pode satisfazer, por
muitas razões: a
fosforescência dos
elementos nervosos está
demonstrada para um
tempo muito curto;
ademais, nenhuma
experiência estabeleceu
que ela existisse no
cérebro.
145. Há uma segunda
razão que destrói
radicalmente a suposição
de um armazenamento da
vibração. Diz Luys
textualmente: “Esta
aptidão maravilhosa
(fosforescência
orgânica) da célula
cerebral,
incessantemente
entretida pelas
condições favoráveis do
meio em que ela vive,
mantém-se,
incessantemente, em
estado de verdor,
enquanto as condições
físicas de seu agregado
material respeitadas, e
ela está associada aos
fenômenos vitais do
organismo.”
146. Como já vimos,
Moleschott supõe que o
corpo se renova de
trinta em trinta dias;
sem ir tão longe,
podemos admitir que
todas as moléculas do
corpo são substituídas
por outras ao fim de
sete anos, como quer
Flourens.[i]
Esse naturalista,
operando em coelhos,
mostrou que, em
determinado lapso de
tempo, os ossos estavam
inteiramente mudados, e
que em lugar dos
antigos, novos se haviam
formado.
147. Ora, o que se dá
com os ossos, dá-se com
os demais tecidos e com
as células nervosas em
particular. Se a
fosforescência orgânica
é uma propriedade do
elemento nervoso, ela
impressiona ou o
conjunto da célula, ou
as moléculas que a
compõem. Quando a célula
inteira se renova, isto
é, quando os elementos
que a constituem são
absorvidos pelo
organismo, as moléculas
que vêm tomar o lugar
das que desapareceram
não possuem mais o
movimento vibratório que
impressionou suas
antecessoras, de sorte
que, quando todas as
células são mudadas, não
existe nenhum dos
movimentos vibratórios
antigos, ou por outra, a
fosforescência orgânica
desapareceu, tanto de
cada uma das moléculas
como do conjunto da
célula.
148. Se só nessa
propriedade residisse a
memória, deveria esta
ficar aniquilada
completamente ao fim de
um tempo mais ou menos
longo, mas que não
poderia exceder de sete
anos. De sete em sete
anos, teríamos que
reaprender tudo que já
sabíamos; ou melhor,
como a evolução das
partículas do corpo se
faz constantemente,
nossas lembranças
desapareceriam à medida
que as moléculas se
renovassem, de sorte que
seríamos incapazes de
aprender o que quer que
fosse.
149. Sabemos que não é o
que acontece, e que
nossa personalidade e
nossa memória persistem,
apesar da torrente de
matéria que atravessa
nosso corpo. A despeito
das moléculas diversas
que se incorporam em
nós, temos a lembrança e
a consciência de sermos
sempre os mesmos, e isto
só se pode explicar
admitindo a existência
de uma força que não
varia como a matéria na
qual se registram os
conhecimentos que
adquirimos pelo
trabalho. Esta força,
essência imaterial, é a
alma, que, apesar das
negações materialistas,
revela sua presença, por
pouco que se estudem,
imparcialmente, os
fenômenos que se passam
em nós.
150. Luys define o
automatismo: A
propriedade que
apresentam as células
nervosas vivas de
entrarem espontaneamente
em movimento e
traduzirem de modo
inconsciente os estados
diversos da célula
postos em agitação. Por
outra forma: A atividade
automática da célula
viva é a reação
espontânea da
sensibilidade íntima da
célula, solicitada de
qualquer maneira.
151. É sempre a teoria
do elemento nervoso que
age diretamente, em
virtude de suas forças
íntimas, e de modo
próprio; e é com tal
equívoco que o autor
pode interpretar o fato
a seu favor. É
incontestável que se
passam em nós ações de
que não temos
consciência. As
experiências de Charles
Robin, feitas no cadáver
de um supliciado,
mostraram que as funções
da medula se perpetuavam
enquanto a vida dos
elementos não havia
desaparecido, e isto com
tanta regularidade como
se o cérebro as
dirigisse.
152. Devemos atribuí-las
às propriedades íntimas
das células nervosas?
Para o saber, recorramos
a Claude Bernard, que
assim se exprime:
“No homem há duas
espécies de movimentos:
1°. os conscientes ou
voluntários; 2º. os
inconscientes,
involuntários, ou
reflexos (ou
automáticos), porque,
sob nomes diversos, são
a mesma coisa.
O movimento reflexo é um
movimento para cuja
execução concorrem
sempre três ordens
distintas de elementos
do sistema nervoso: o
elemento sensitivo, o
elemento motor e a
célula.
Se se produzisse um
movimento sem uma dessas
condições, sem a
participação de um
desses elementos, não
seria mais um movimento
reflexo. Com efeito,
todo movimento reflexo
implica três coisas bem
distintas:
1º. uma excitação do
nervo sensitivo num
lugar qualquer de seu
comprimento;
2º. uma excitação do
nervo motor que se
traduz pela contração de
um músculo;
3º. um centro que serve
de transição e, por
assim dizer, de traço de
união desses dois
elementos, de maneira a
produzir a irritação do
segundo, sob a
influência do primeiro.”
153. Sabemos que a
matéria viva é inerte,
que não pode entrar em
movimento por si
própria; as ações
automáticas são devidas
sempre à irritação de um
nervo sensitivo, que
transmite a excitação a
um nervo motor por meio
da célula. É por esta
forma que se executam os
atos da respiração, da
contração do coração, da
digestão etc., nos quais
a vontade não intervém
habitualmente;
entretanto, verificou-se
que existe um ponto
colocado no cérebro que
modera as ações
reflexas. A alma
manifesta, por
conseguinte, a sua
presença sempre, quer de
maneira direta, pelos
movimentos voluntários,
quer indireta, nas ações
reflexas, pela
intervenção dos centros
moderadores.
154. A argumentação de
Luys limita-se a
afirmações desmentidas
pela ciência, de sorte
que seus raciocínios,
apoiando-se em bases
falsas, chegam a
deduções em oposição
formal à verdade. Nem a
sensação, nem a
fosforescência, nem o
automatismo têm o
sentido e o alcance que
se lhes quer emprestar.
É por meio dessas
interpretações mutiladas
que a teoria
materialista parece ter
uma força que
efetivamente ela não
possui.
155. Das teorias
examinadas até agora,
nenhuma dá a certeza de
que a alma não seja uma
entidade. Com um exame
atento, deduz-se, pelo
contrário, a convicção
de que o espírito ou
alma existe realmente e
manifesta sua presença
em todas as ações da
vida. Nem os profundos
conhecimentos químicos
de Moleschott, nem o
grande talento de sábios
como Broussais, Buchner,
Carl Vogt, Luys etc. são
suficientes não só para
invalidar a crença na
alma como, simplesmente,
para fazer duvidar de
sua realidade.
156. Há um século temos
a nosso alcance um
poderoso instrumento de
investigação que nos
revela, de maneira
formal, a existência da
alma; queremos falar da
ciência magnética. Nas
discussões precedentes,
ainda podem subsistir
dúvidas no espírito de
certos leitores. Mas,
com os fatos fornecidos
pelo magnetismo,
separa-se a alma do
corpo; ela dele se
desprende e manifesta
sua realidade por
fenômenos
surpreendentes; ela se
afirma separada do seu
invólucro cama e se diz
vivendo uma existência
especial.
157. Esta é a razão pela
qual nos ocuparemos, na
segunda parte, dos fatos
que deixam fora de
dúvida a existência do
eu pensante, da
alma.
158. Muito tempo
desconhecido,
ridicularizado e mesmo
perseguido, o
magnetismo, como todas
as grandes verdades, tem
vida forte; longe de
definhar ao sopro das
perseguições, tomou um
desenvolvimento
considerável e se nos
apresenta com seu
cortejo de homens
ilustres e eruditos, com
milhões de experiências
probantes, como para
mostrar à Humanidade de
que aberrações são
capazes as corporações
científicas.
159. Há hoje uma reação
em seu favor. Em todas
as partes, os jornais e
as revistas médicas se
ocupam com os fatos
maravilhosos produzidos
pelo hipnotismo, nome
novo de que o magnetismo
se revestiu. Ao abrigo
desse pseudônimo,
insinuou-se no santuário
dos príncipes da
ciência, que o não
reconhecendo, a
princípio, lhe fizeram
boa acolhida; agora,
porém, sabendo com que
tratam, desejaria
negar-lhe o parentesco
estreito com o
magnetismo, que
continuam a proscrever.
160. Antes de estudar
esse recém-chegado em
capítulo especial,
ocupemo-nos do
magnetismo propriamente
dito. Na primeira parte
desta obra, ficou
estabelecido que a
ciência não autorizava
ninguém a falar em seu
nome, quando se trata de
combater a existência da
alma. Os mais eminentes
fisiologistas reconhecem
sua incapacidade para
explicar a vida
intelectual, sem a
intervenção de uma força
inteligente. A filosofia
concluiu pela
necessidade do princípio
pensante; a experiência,
por sua vez, prova à
evidência, pelos
processos do magnetismo,
a presença da alma como
potência diretriz da
máquina humana.
161. Há um século
pesquisas minuciosas se
fazem nesse domínio.
Homens sérios, convictos
e dedicados mostraram
que o charlatanismo não
tem parte alguma nas
verdadeiras ações
magnéticas e que se
achavam em face de uma
modificação nervosa que
era preciso estudar.
162. Puységur, Deleuze,
Du Potet, Charpignon,
Lafontaine e outros,
homens de ciência e de
incontestada
honestidade,
descreveram, em suas
numerosas publicações,
milhares de experiências
verídicas, que constam
em atas assinadas pelos
nomes mais honestos e
mais conhecidos. Negar
hoje os fatos seria
infantilidade ou má-fé.
163. A fim de mostrar
nossa imparcialidade, só
tomaremos, como
demonstração da
existência da alma, as
experiências bem
averiguadas;
reportar-nos-emos, em
grande parte, ao
relatório sobre o
magnetismo apresentado à
Academia de Medicina, e
lido nas sessões de 21 e
28 de junho de 1831, em
Paris, por Husson,
relator.
164. Os outros
testemunhos serão
tomados, ora a
adversários das
doutrinas
espiritualistas, que não
poderão ser acusados de
complacência, ora a
escritores especiais,
que trataram destas
questões, mas, neste
caso, as suas narrativas
se apoiam na autoridade
de médicos, que as
acompanharam em todas as
suas fases.
165. A ciência magnética
compreende certo número
de divisões, conforme as
diferentes categorias de
fenômenos.
Assinalaremos, aqui, os
fatos que se relacionam
com o desprendimento da
alma, deixando de lado o
aspecto terapêutico
dessa ciência cultivada
pelos nossos
antepassados.
166. Sem fazer a
história detalhada do
magnetismo, podemos
lembrar que ele foi
conhecido em todos os
tempos. Os anais dos
povos da antiguidade
formigam em narrativas
circunstanciadas, que
mostram o profundo
conhecimento que do
magnetismo tinham os
antigos sacerdotes.
167. Os magos da
Caldeia, os brâmanes da
Índia curavam pelo olhar
e por meio dele
proporcionavam o sono.
Ainda hoje, na Ásia, os
sacerdotes estão de
posse do segredo dos
seus predecessores, e
particularmente no
Hindostão os faquires
cultivam com êxito as
práticas magnéticas,
como relatam os
viajantes que
percorreram essas
regiões.
168. Os egípcios
colheram sua religião e
seus mistérios na grande
fonte da Índia;
empregavam, no alívio
dos sofrimentos, os
passes e a aposição de
mãos, como os executamos
ainda em nossos dias.
Cita Heródoto, em muitas
passagens, os santuários
onde iam ter os
peregrinos, desejosos de
curar-se com os remédios
que os hierofantes
descobriam em sonho.
Diodoro de Sicília diz
positivamente que os
doentes chegavam em
multidão ao templo de
Ísis, para aí serem
adormecidos pelos
sacerdotes. A maior
parte dos pacientes
caíam em crise e
indicavam, eles mesmos,
o tratamento que os
devia reconduzir à
saúde.
169. O templo de Serápis,
de Alexandria, era
afamado, porque
restituía o sono aos que
dele se viam privados.
Conta Estrabão que, em
Mênfis, os sacerdotes
adormeciam e nesse
estado davam consultas
médicas. A História está
repleta das narrações de
curas por esse processo.
Arnóbio, Celso e
Jâmblico ensinam em seus
escritos que havia entre
os egípcios, em todas as
épocas, pessoas dotadas
da faculdade de curar
por meio da aposição das
mãos e de insuflações,
conseguindo, muitas
vezes, fazer desaparecer
doenças tidas como
incuráveis.
(Continua no próximo
número.)
[i]
De la vie et de
1'intelligence,
Paris, 1856.