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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 214 - 19 de Junho de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 7)

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. Que prodígios a história atribui a Apolônio de Tiana graças ao magnetismo?

Apolônio de Tiana curava a epilepsia com objetos magnetizados, predizia o futuro e anunciava os acontecimentos que se passavam ao longe. Conta-se que, em sua velhice, o filósofo se refugiara em Éfeso. Ensinava um dia em praça pública, quando seus discípulos o viram deter-se, de repente, e exclamar, com voz vibrante: “Coragem, fere o tirano!” Interrompeu-se alguns instantes, na atitude de quem espera com ansiedade, e continuou: “Perdei o temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser assassinado”. Alguns dias depois, soube-se que no momento em que Apolônio falava Domiciano tombava sob o punhal de um liberto. (O Espiritismo  perante a Ciência, Segunda Parte, Cap. I – O magnetismo e sua história.)

B. Em que o sonambulismo natural se distingue dos sonhos?

O sonambulismo natural distingue-se do sonho por dois caracteres: 1 - o andar durante o sono; 2 - a perda da lembrança do que se passou, ao acordar. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. II – O sonambulismo natural.)

C. O sonâmbulo pode ver um objeto através de um cartão que normalmente o ocultaria aos seus olhos?

Sim. Os fatos mostram que ele pode ver um objeto mesmo que se lhe interponha um obstáculo qualquer, como um cartão, o que implica concluir que ele não vê por meio dos olhos físicos, mas sim graças à sua visão espiritual. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. II – O sonambulismo natural.)

Texto para leitura

170. Os gregos receberam dos povos do Egito grande número de conhecimentos e não tardaram a igualar, senão a ultrapassar os mestres. Os hierofantes do altar de Trofônius tinham adquirido grande celebridade nesses misteres. O que prova que o magnetismo estava muito espalhado nessa época é que, no dizer de Heródoto, alguns padres mataram por ciúme certa mágica que fazia curas por meio de fricções magnéticas.

171. O ilustre taumaturgo Apolônio de Tiana não ignorava essas práticas; ele curava a epilepsia com objetos magnetizados, predizia o futuro e anunciava os acontecimentos que se passavam ao longe. Conta-se que, em sua velhice, o filósofo se refugiara em Éfeso. Ensinava um dia em praça pública, quando seus discípulos o viram deter-se, de repente, e exclamar, com voz vibrante: “Coragem, fere o tirano!” Interrompeu-se alguns instantes, na atitude de quem espera com ansiedade, e continuou: “Perdei o temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser assassinado”. Alguns dias depois, soube-se que no momento em que Apolônio falava Domiciano tombava sob o punhal de um liberto.

172. Os romanos também tiveram templos onde se reconstituía a saúde por operações magnéticas. Conta Celso que Asclepíades de Pruse adormecia, magneticamente, as pessoas atacadas de frenesi. Galeno, um dos pais da medicina moderna, suprimia certas doenças com a aplicação dos mesmos remédios que o fizeram passar por feiticeiro e o obrigaram a deixar Roma.

173. Declarou este notável sábio que devia grande parte de sua experiência às luzes que recebia em sonho. Também dizia Hipócrates que as melhores mezinhas – remédios caseiros – lhe eram indicadas durante o sono. Quem obteve, porém, maior fama nessa matéria, foi Simão, o mágico, que soprando nos epilépticos, destruía o mal de que estavam atacados.

174. Na Gália os druidas e as druidesas possuíam em alto grau a faculdade de curar, como o atestam muitos historiadores; sua medicina magnética tornou-se tão célebre que os vinham consultar de todas as partes do Mundo. É fácil verificar quanto sua fama era universal, consultando Tácito, Plínio e Celso.

175. Na Idade Média, o magnetismo foi praticado, principalmente, pelos sábios. O clero, ignorante e supersticioso, temia a intervenção do diabo nessas operações um tanto estranhas, de sorte que esta ciência ficou sendo o apanágio dos homens instruídos.

176. Avicena, doutor famoso, que viveu de 980 a 1036, escreveu que a alma age não só sobre o seu próprio corpo, mas também sobre corpos estranhos que pode influenciar, a distância. Ficin, em 1460, Cornélio Agripa, Pomponáceo em 1500 e sobretudo Paracelso, contemporâneo deles, estabeleceram as bases do magnetismo moderno, como devia ser ensinado mais tarde por Mesmer.

177. Arnaud de Villeneuve foi buscar nos autores árabes o conhecimento dos efeitos magnéticos e seu êxito foi tão grande que ele atraiu o ódio de seus confrades e foi condenado pela Sorbonne. Em 1608, Glocênius, professor de medicina em Marbourg, editou uma obra que tratava das curas magnéticas. Desde essa época ele procurou dar uma explicação racional desses fenômenos.

178. Van Helmont dizia, reabilitando a memória de Paracelso, de quem ele foi o continuador: O magnetismo só tem de novo o nome, só é um paradoxo para os que riem de tudo e que atribuem a Satã o que não podem explicar. Há no homem uma tal energia, que ele pode atuar fora de si e influenciar de maneira durável um ser ou um objeto de que está afastado. Tal força é infinita no Criador, mas limitada na criatura, pelos obstáculos naturais.

179. Tais concepções novas, estas vistas ousadas foram atacadas pela Igreja, que se encontra sempre na rota dos inovadores, empenhada em lhes impedir a passagem, e o célebre médico foi obrigado a refugiar-se na Holanda, onde já estava o grande Descartes.

180. Socorreu Van Helmont, em sua luta, o escocês Robert Fludd; mais tarde, Maxwell, em 1679, sustentou as mesmas ideias. O padre Kircher, falando de Fludd, dizia que seus escritos foram inspirados pelo diabo; cita, entretanto, numerosos exemplos de simpatias e antipatias e dá, mesmo, indicações para bem magnetizar.

181. Em 1682, assinalaremos Greatrakes, na Inglaterra, que fez milagres, simplesmente com as mãos, sem procurar, aliás, saber a maneira pela qual a ação se dava. Em França, Borel e Vallée, no começo do século XVII, empregaram o magnetismo por insuflações para combater as moléstias nervosas rebeldes a qualquer outro tratamento.

182. Gassner encheu a Alemanha com o ruído dos resultados obtidos pelo magnetismo, como é ele praticado em nossos dias. Fixava energicamente o olhar nos olhos do doente e o friccionava de alto a baixo, sacudindo os dedos, quando chegava à extremidade, para expulsar os princípios maus.

183. Não narraremos a odisseia de Mesmer; ela é bastante conhecida e por isso cremos desnecessário reproduzi-la; basta assinalar que a vulgarização da ciência magnética lhe é devida. O magnetismo é hoje estudado metodicamente, e uma notável propriedade descoberta pelo marquês de Puységur lhe fez dar passos de gigante: queremos falar do sonambulismo provocado.

184. Após fatigante jornada, quando repousamos os membros lassos, sentimos pouco a pouco que um bem-estar nos invade; produz-se uma tranquilidade geral, uma calma no cérebro; nossos olhos se fecham, dormimos. Que atos se realizam durante essa suspensão da vida ativa?

185. O sono tem por caráter essencial romper a solidariedade que existe, habitualmente, entre as diferentes partes do corpo, entre as diversas funções do organismo, entre as múltiplas faculdades do homem. Durante esse tempo, cada uma das unidades que compõem o todo concentra em si mesma a força que lhe é própria, isola-se das outras, e assim o corpo se separa do mundo exterior pelo repouso dos sentidos.

186. O sono não é, pois, como alguns o pretenderam, a imagem da morte. Estudando com Longet os sintomas que se manifestam nos seres que vão dormir, verificamos que o sono não se apodera bruscamente de nós: nossos órgãos amortecem, sucessivamente, em graus variáveis; alguns velam ainda, enquanto outros já estão mergulhados em completo entorpecimento. Em geral, são os músculos dos membros os que primeiro se relaxam e enfraquecem. Os braços e as pernas, imobilizados, ficam na posição escolhida e que está em relação com a forma das articulações e das principais massas musculares.

187. Depois dos membros, são os músculos voluntários do tronco que se afrouxam; na calma da noite, nossos sentidos inativos não recebem qualquer impressão de fora, e esta inação, que favorece a sonolência, é logo seguida de uma atonia completa. Quase sempre, a vista é o sentido que primeiro enfraquece; o olhar fatigado se embacia, perde o brilho e se fixa em objetos que não vê mais, ao mesmo tempo em que a pálpebra se fecha; depois, é o ouvido que adormece e termina a sucessão dos fenômenos que assinalaram a invasão do sono.

188. É de notar que o ouvido, tão rebelde à fadiga, resiste também por último aos ataques da morte; ouve-se, ainda, quando os demais sentidos já cessaram de viver, assim como se percebem sons, quando os diferentes órgãos já se acham adormecidos. Outra circunstância singular é a seguinte: é pelo ouvido que penetram, as mais das vezes, as influências soporíficas, e o ouvido vigia, ainda, quando o corpo, por sua ação, não é mais do que uma massa inerte.

189. O gosto, o olfato, o tato cessam, geralmente de manifestar propriedades ativas desde os primeiros sinais do sono, que podemos encarar como o repouso do corpo. É durante esse estado que os órgãos e os sentidos recuperam a força nervosa que despenderam durante a vigília, e quando a máquina humana se torna novamente apta às funções da vida de relação, o homem desperta.

190. A série de atos que acabamos de descrever é a que se exerce normalmente. Não indicamos os casos particulares que podem apresentar-se e que variam conforme os indivíduos, mas existe um ponto em que é bom insistir, porque nos porá na via das explicações relativas aos sonhos: é a marcha decrescente das faculdades, no momento do sono.

191. Pode muito bem acontecer que a percepção ou o poder de conhecer se extinga em nós, antes que os sentidos adormeçam. Com efeito, quantas vezes, após laboriosas vigílias, sucede-nos deixar cair um livro no qual já não distinguíamos senão pontinhos pretos. Um pouco antes, víamos estas letras, nós as reuníamos, líamos, mas já não concebíamos; mais tarde, víamos, mas não líamos, perdíamos a consciência de nosso estado. Nesse último caso, é incontestável que a percepção enfraquece antes do sentido que transmite a impressão.

192. O sono, no momento mesmo em que sobrevém, destrói a solidariedade que existe entre as diversas faculdades do espírito, de maneira que elas adormecem sucessivamente; quando uma delas fica em atividade, adquire uma força tão grande que nenhuma sensação externa lhe neutraliza a ação. Existem provas notáveis do fato. Se nos preocupamos com a solução de um problema ou se nos domina uma ideia, todas as nossas forças se concentram nesse ponto único, e se a lembrança permanecesse, veríamos de que obras-primas seria capaz o espírito humano.

193. Isto nos conduz ao caso particular do sono, que se chamou sonambulismo. Neste estado, o indivíduo caminha dormindo e procede como se estivesse acordado. Os tratados de fisiologia estão cheios de observações sobre esta curiosa anomalia. Podemos citar exemplos históricos de sonambulismo.

194. Foi durante o sono que Cardan compôs uma de suas obras, que Condillac, o famoso filósofo sensualista, terminou seu curso de estudos. Voltaire refez em sonho, completamente, e melhor do que o fizera acordado, um dos cantos da Henriade. Massillon, dormindo, escrevia muitos dos seus elegantes sermões.

195. É preciso, porém, considerar que para compor uma obra ou escrever sermões, quando o corpo está adormecido, é necessário que o autor se desloque, que seus membros façam certos movimentos em relação com o fim a atingir. Eis aí o sonambulismo natural, que se distingue do sonho por dois caracteres: 1 - o andar durante o sono; 2 - a perda da lembrança do que se passou, ao acordar.

196. Durante o sonambulismo, os membros obedecem à vontade e esta atua sobre o corpo, sem ser solicitada por qualquer estimulante exterior. Isso se produz com frequência nos indivíduos jovens. As crianças, sobretudo as irritáveis, levantam-se, muitas vezes, de noite, ou executam na cama movimentos variados, sem que, aliás, lhes seja o sono interrompido. Se os órgãos da voz despertam, traduzirão os pensamentos do sonho; assim é que milhares de seres têm o hábito de sonhar alto. Podem suceder-lhes sustentar conversa, durante certo tempo, com pessoas acordadas; mas é preciso que se lhes adivinhe o objeto de suas preocupações, porque a resposta que eles dão se dirigem, não ao interlocutor real, mas à personagem ideal do sonho.

197. Os ensinos dados pela fisiologia, para explicar o sonambulismo, são, no entanto, insuficientes, na grande maioria dos casos. Temos, na primeira linha, a Enciclopédia, que não pode ser acusada de ternura para com as teorias espiritualistas. Relata, no artigo “sonambulismo”, a história de um jovem padre que se levantava todas as noites, ia à escrivaninha, compunha sermões e tornava a deitar. Alguns de seus amigos, desejosos de saber se ele, de fato, dormia, espiaram-no, e uma noite em que ele escrevia, como de costume, interpuseram um grosso cartão entre seus olhos e o papel. Ele não se interrompeu, continuou a redação e, terminada esta, deitou-se, como de hábito, sem suspeitar da prova a que fora submetido.

198. O autor do artigo acrescenta: “Quando ele terminava uma página, lia-a alto, do princípio a fim (se se pode chamar leitura a esta ação sem o concurso dos olhos). Se lhe desagradava alguma coisa, ele a retocava e fazia as correções, em cima, com muita exatidão. Eu vi o começo de um desses sermões que ele escrevia dormindo; pareceu-me bem feito e corretamente escrito. Mas havia uma emenda surpreendente: tendo posto num lugar – ce divin enfant, achou, relendo, dever substituir a palavra divin por adorable; viu, porém, que o ce, que ficava bem antes de divin, não o era antes de adorable, e colocou muito acertadamente um t ao lado das letras precedentes, de sorte que se lia cet adorable enfant.”

199. Aqui não é possível limitarmo-nos às explicações acima enunciadas, para explicar os fatos, porque há uma fase do fenômeno em que não seria demais insistir: é a visão sem os olhos. É este um detalhe muito importante, porque se nos é demonstrado que um sonâmbulo pode caminhar em um quarto, escrever com os olhos fechados, fazer correções, que indicam uma vista bem nítida, isso nos provará que há nele uma força que seguramente o dirige, que age fora dos sentidos, numa palavra, que a alma vela quando o corpo dorme.

200. Na história referida pela Enciclopédia, pode-se pretender que uma forte contensão do espírito, durante a vigília, predispusesse o cérebro do jovem sacerdote à redação de suas homilias. Mas se é fácil admitir que ele tinha o hábito de trabalhar em sua secretária e que, maquinalmente, para ela vinha durante o sono, é impossível explicar como via através de um cartão, de forma a escrever corretamente, voltar às páginas, quando chegava ao fim delas, adicionar letras no lugar preciso onde isso fosse útil, praticar, finalmente, todos os atos que exigem o auxílio da vista.  (Continua no próximo número.)

 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita