O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel
Delanne
(Parte
7)
Damos continuidade nesta edição
ao
estudo do livro O
Espiritismo perante a
Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science,
publicada originalmente
em Paris em 1885.
Questões preliminares
A. Que prodígios a
história atribui a
Apolônio de Tiana graças
ao magnetismo?
Apolônio de Tiana curava
a epilepsia com objetos
magnetizados, predizia o
futuro e anunciava os
acontecimentos que se
passavam ao longe.
Conta-se que, em sua
velhice, o filósofo se
refugiara em Éfeso.
Ensinava um dia em praça
pública, quando seus
discípulos o viram
deter-se, de repente, e
exclamar, com voz
vibrante: “Coragem, fere
o tirano!”
Interrompeu-se alguns
instantes, na atitude de
quem espera com
ansiedade, e continuou:
“Perdei o temor,
Efésios, o tirano já não
existe, acaba de ser
assassinado”. Alguns
dias depois, soube-se
que no momento em que
Apolônio falava
Domiciano tombava sob o
punhal de um liberto.
(O Espiritismo perante
a Ciência, Segunda
Parte, Cap. I –
O magnetismo e sua
história.)
B. Em que o sonambulismo
natural se distingue dos
sonhos?
O sonambulismo natural
distingue-se do sonho
por dois caracteres: 1 -
o andar durante o sono;
2 - a perda da lembrança
do que se passou, ao
acordar.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. II –
O sonambulismo natural.)
C. O sonâmbulo pode ver
um objeto através de um
cartão que normalmente o
ocultaria aos seus
olhos?
Sim. Os fatos mostram
que ele pode ver um
objeto mesmo que se lhe
interponha um obstáculo
qualquer, como um
cartão, o que implica
concluir que ele não vê
por meio dos olhos
físicos, mas sim graças
à sua visão espiritual.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. II –
O sonambulismo natural.)
Texto
para leitura
170. Os gregos receberam
dos povos do Egito
grande número de
conhecimentos e não
tardaram a igualar,
senão a ultrapassar os
mestres. Os hierofantes
do altar de Trofônius
tinham adquirido grande
celebridade nesses
misteres. O que prova
que o magnetismo estava
muito espalhado nessa
época é que, no dizer de
Heródoto, alguns padres
mataram por ciúme certa
mágica que fazia curas
por meio de fricções
magnéticas.
171. O ilustre
taumaturgo Apolônio de
Tiana não ignorava essas
práticas; ele curava a
epilepsia com objetos
magnetizados, predizia o
futuro e anunciava os
acontecimentos que se
passavam ao longe.
Conta-se que, em sua
velhice, o filósofo se
refugiara em Éfeso.
Ensinava um dia em praça
pública, quando seus
discípulos o viram
deter-se, de repente, e
exclamar, com voz
vibrante: “Coragem, fere
o tirano!”
Interrompeu-se alguns
instantes, na atitude de
quem espera com
ansiedade, e continuou:
“Perdei o temor,
Efésios, o tirano já não
existe, acaba de ser
assassinado”. Alguns
dias depois, soube-se
que no momento em que
Apolônio falava
Domiciano tombava sob o
punhal de um liberto.
172. Os romanos também
tiveram templos onde se
reconstituía a saúde por
operações magnéticas.
Conta Celso que
Asclepíades de Pruse
adormecia,
magneticamente, as
pessoas atacadas de
frenesi. Galeno, um dos
pais da medicina
moderna, suprimia certas
doenças com a aplicação
dos mesmos remédios que
o fizeram passar por
feiticeiro e o obrigaram
a deixar Roma.
173. Declarou este
notável sábio que devia
grande parte de sua
experiência às luzes que
recebia em sonho. Também
dizia Hipócrates que as
melhores mezinhas –
remédios caseiros – lhe
eram indicadas durante o
sono. Quem obteve,
porém, maior fama nessa
matéria, foi Simão, o
mágico, que soprando
nos epilépticos,
destruía o mal de que
estavam atacados.
174. Na Gália os druidas
e as druidesas possuíam
em alto grau a faculdade
de curar, como o atestam
muitos historiadores;
sua medicina magnética
tornou-se tão célebre
que os vinham consultar
de todas as partes do
Mundo. É fácil verificar
quanto sua fama era
universal, consultando
Tácito, Plínio e Celso.
175. Na Idade Média, o
magnetismo foi
praticado,
principalmente, pelos
sábios. O clero,
ignorante e
supersticioso, temia a
intervenção do diabo
nessas operações um
tanto estranhas, de
sorte que esta ciência
ficou sendo o apanágio
dos homens instruídos.
176. Avicena, doutor
famoso, que viveu de 980
a 1036, escreveu que a
alma age não só sobre o
seu próprio corpo, mas
também sobre corpos
estranhos que pode
influenciar, a
distância. Ficin, em
1460, Cornélio Agripa,
Pomponáceo em 1500 e
sobretudo Paracelso,
contemporâneo deles,
estabeleceram as bases
do magnetismo moderno,
como devia ser ensinado
mais tarde por Mesmer.
177. Arnaud de
Villeneuve foi buscar
nos autores árabes o
conhecimento dos efeitos
magnéticos e seu êxito
foi tão grande que ele
atraiu o ódio de seus
confrades e foi
condenado pela Sorbonne.
Em 1608, Glocênius,
professor de medicina em
Marbourg, editou uma
obra que tratava das
curas magnéticas. Desde
essa época ele procurou
dar uma explicação
racional desses
fenômenos.
178. Van Helmont dizia,
reabilitando a memória
de Paracelso, de quem
ele foi o continuador: O
magnetismo só tem de
novo o nome, só é um
paradoxo para os que
riem de tudo e que
atribuem a Satã o que
não podem explicar. Há
no homem uma tal
energia, que ele pode
atuar fora de si e
influenciar de maneira
durável um ser ou um
objeto de que está
afastado. Tal força é
infinita no Criador, mas
limitada na criatura,
pelos obstáculos
naturais.
179. Tais concepções
novas, estas vistas
ousadas foram atacadas
pela Igreja, que se
encontra sempre na rota
dos inovadores,
empenhada em lhes
impedir a passagem, e o
célebre médico foi
obrigado a refugiar-se
na Holanda, onde já
estava o grande
Descartes.
180. Socorreu Van
Helmont, em sua luta, o
escocês Robert Fludd;
mais tarde, Maxwell, em
1679, sustentou as
mesmas ideias. O padre
Kircher, falando de
Fludd, dizia que seus
escritos foram
inspirados pelo diabo;
cita, entretanto,
numerosos exemplos de
simpatias e antipatias e
dá, mesmo, indicações
para bem magnetizar.
181. Em 1682,
assinalaremos Greatrakes,
na Inglaterra, que fez
milagres, simplesmente
com as mãos, sem
procurar, aliás, saber a
maneira pela qual a ação
se dava. Em França,
Borel e Vallée, no
começo do século XVII,
empregaram o magnetismo
por insuflações para
combater as moléstias
nervosas rebeldes a
qualquer outro
tratamento.
182. Gassner encheu a
Alemanha com o ruído dos
resultados obtidos pelo
magnetismo, como é ele
praticado em nossos
dias. Fixava
energicamente o olhar
nos olhos do doente e o
friccionava de alto a
baixo, sacudindo os
dedos, quando chegava à
extremidade, para
expulsar os princípios
maus.
183. Não narraremos a
odisseia de Mesmer; ela
é bastante conhecida e
por isso cremos
desnecessário
reproduzi-la; basta
assinalar que a
vulgarização da ciência
magnética lhe é devida.
O magnetismo é hoje
estudado metodicamente,
e uma notável
propriedade descoberta
pelo marquês de Puységur
lhe fez dar passos de
gigante: queremos falar
do sonambulismo
provocado.
184. Após fatigante
jornada, quando
repousamos os membros
lassos, sentimos pouco a
pouco que um bem-estar
nos invade; produz-se
uma tranquilidade geral,
uma calma no cérebro;
nossos olhos se fecham,
dormimos. Que atos se
realizam durante essa
suspensão da vida ativa?
185. O sono tem por
caráter essencial romper
a solidariedade que
existe, habitualmente,
entre as diferentes
partes do corpo, entre
as diversas funções do
organismo, entre as
múltiplas faculdades do
homem. Durante esse
tempo, cada uma das
unidades que compõem o
todo concentra em si
mesma a força que lhe é
própria, isola-se das
outras, e assim o corpo
se separa do mundo
exterior pelo repouso
dos sentidos.
186. O sono não é, pois,
como alguns o
pretenderam, a imagem da
morte. Estudando com
Longet os sintomas que
se manifestam nos seres
que vão dormir,
verificamos que o sono
não se apodera
bruscamente de nós:
nossos órgãos amortecem,
sucessivamente, em graus
variáveis; alguns velam
ainda, enquanto outros
já estão mergulhados em
completo entorpecimento.
Em geral, são os
músculos dos membros os
que primeiro se relaxam
e enfraquecem. Os braços
e as pernas,
imobilizados, ficam na
posição escolhida e que
está em relação com a
forma das articulações e
das principais massas
musculares.
187. Depois dos membros,
são os músculos
voluntários do tronco
que se afrouxam; na
calma da noite, nossos
sentidos inativos não
recebem qualquer
impressão de fora, e
esta inação, que
favorece a sonolência, é
logo seguida de uma
atonia completa. Quase
sempre, a vista é o
sentido que primeiro
enfraquece; o olhar
fatigado se embacia,
perde o brilho e se fixa
em objetos que não vê
mais, ao mesmo tempo em
que a pálpebra se fecha;
depois, é o ouvido que
adormece e termina a
sucessão dos fenômenos
que assinalaram a
invasão do sono.
188. É de notar que o
ouvido, tão rebelde à
fadiga, resiste também
por último aos ataques
da morte; ouve-se,
ainda, quando os demais
sentidos já cessaram de
viver, assim como se
percebem sons, quando os
diferentes órgãos já se
acham adormecidos. Outra
circunstância singular é
a seguinte: é pelo
ouvido que penetram, as
mais das vezes, as
influências soporíficas,
e o ouvido vigia, ainda,
quando o corpo, por sua
ação, não é mais do que
uma massa inerte.
189. O gosto, o olfato,
o tato cessam,
geralmente de manifestar
propriedades ativas
desde os primeiros
sinais do sono, que
podemos encarar como o
repouso do corpo. É
durante esse estado que
os órgãos e os sentidos
recuperam a força
nervosa que despenderam
durante a vigília, e
quando a máquina humana
se torna novamente apta
às funções da vida de
relação, o homem
desperta.
190. A série de atos que
acabamos de descrever é
a que se exerce
normalmente. Não
indicamos os casos
particulares que podem
apresentar-se e que
variam conforme os
indivíduos, mas existe
um ponto em que é bom
insistir, porque nos
porá na via das
explicações relativas
aos sonhos: é a marcha
decrescente das
faculdades, no momento
do sono.
191. Pode muito bem
acontecer que a
percepção ou o poder de
conhecer se extinga em
nós, antes que os
sentidos adormeçam. Com
efeito, quantas vezes,
após laboriosas
vigílias, sucede-nos
deixar cair um livro no
qual já não
distinguíamos senão
pontinhos pretos. Um
pouco antes, víamos
estas letras, nós as
reuníamos, líamos, mas
já não concebíamos; mais
tarde, víamos, mas não
líamos, perdíamos a
consciência de nosso
estado. Nesse último
caso, é incontestável
que a percepção
enfraquece antes do
sentido que transmite a
impressão.
192. O sono, no momento
mesmo em que sobrevém,
destrói a solidariedade
que existe entre as
diversas faculdades do
espírito, de maneira que
elas adormecem
sucessivamente; quando
uma delas fica em
atividade, adquire uma
força tão grande que
nenhuma sensação externa
lhe neutraliza a ação.
Existem provas notáveis
do fato. Se nos
preocupamos com a
solução de um problema
ou se nos domina uma
ideia, todas as nossas
forças se concentram
nesse ponto único, e se
a lembrança
permanecesse, veríamos
de que obras-primas
seria capaz o espírito
humano.
193. Isto nos conduz ao
caso particular do sono,
que se chamou
sonambulismo. Neste
estado, o indivíduo
caminha dormindo e
procede como se
estivesse acordado. Os
tratados de fisiologia
estão cheios de
observações sobre esta
curiosa anomalia.
Podemos citar exemplos
históricos de
sonambulismo.
194. Foi durante o sono
que Cardan compôs uma de
suas obras, que
Condillac, o famoso
filósofo sensualista,
terminou seu curso de
estudos. Voltaire refez
em sonho, completamente,
e melhor do que o fizera
acordado, um dos cantos
da Henriade.
Massillon, dormindo,
escrevia muitos dos seus
elegantes sermões.
195. É preciso, porém,
considerar que para
compor uma obra ou
escrever sermões, quando
o corpo está adormecido,
é necessário que o autor
se desloque, que seus
membros façam certos
movimentos em relação
com o fim a atingir. Eis
aí o sonambulismo
natural, que se
distingue do sonho por
dois caracteres: 1 - o
andar durante o sono; 2
- a perda da lembrança
do que se passou, ao
acordar.
196. Durante o
sonambulismo, os membros
obedecem à vontade e
esta atua sobre o corpo,
sem ser solicitada por
qualquer estimulante
exterior. Isso se produz
com frequência nos
indivíduos jovens. As
crianças, sobretudo as
irritáveis, levantam-se,
muitas vezes, de noite,
ou executam na cama
movimentos variados, sem
que, aliás, lhes seja o
sono interrompido. Se os
órgãos da voz despertam,
traduzirão os
pensamentos do sonho;
assim é que milhares de
seres têm o hábito de
sonhar alto. Podem
suceder-lhes sustentar
conversa, durante certo
tempo, com pessoas
acordadas; mas é preciso
que se lhes adivinhe o
objeto de suas
preocupações, porque a
resposta que eles dão se
dirigem, não ao
interlocutor real, mas à
personagem ideal do
sonho.
197. Os ensinos dados
pela fisiologia, para
explicar o sonambulismo,
são, no entanto,
insuficientes, na grande
maioria dos casos.
Temos, na primeira
linha, a Enciclopédia,
que não pode ser acusada
de ternura para com as
teorias espiritualistas.
Relata, no artigo
“sonambulismo”, a
história de um jovem
padre que se levantava
todas as noites, ia à
escrivaninha, compunha
sermões e tornava a
deitar. Alguns de seus
amigos, desejosos de
saber se ele, de fato,
dormia, espiaram-no, e
uma noite em que ele
escrevia, como de
costume, interpuseram um
grosso cartão entre seus
olhos e o papel. Ele não
se interrompeu,
continuou a redação e,
terminada esta,
deitou-se, como de
hábito, sem suspeitar da
prova a que fora
submetido.
198. O autor do artigo
acrescenta: “Quando ele
terminava uma página,
lia-a alto, do princípio
a fim (se se pode chamar
leitura a esta ação sem
o concurso dos olhos).
Se lhe desagradava
alguma coisa, ele a
retocava e fazia as
correções, em cima, com
muita exatidão. Eu vi o
começo de um desses
sermões que ele escrevia
dormindo; pareceu-me bem
feito e corretamente
escrito. Mas havia uma
emenda surpreendente:
tendo posto num lugar –
ce divin enfant,
achou, relendo, dever
substituir a palavra
divin por
adorable; viu,
porém, que o ce,
que ficava bem antes de
divin, não o era
antes de adorable,
e colocou muito
acertadamente um t
ao lado das letras
precedentes, de sorte
que se lia cet
adorable enfant.”
199. Aqui não é possível
limitarmo-nos às
explicações acima
enunciadas, para
explicar os fatos,
porque há uma fase do
fenômeno em que não
seria demais insistir: é
a visão sem os olhos. É
este um detalhe muito
importante, porque se
nos é demonstrado que um
sonâmbulo pode caminhar
em um quarto, escrever
com os olhos fechados,
fazer correções, que
indicam uma vista bem
nítida, isso nos provará
que há nele uma força
que seguramente o
dirige, que age fora dos
sentidos, numa palavra,
que a alma vela quando o
corpo dorme.
200. Na história
referida pela
Enciclopédia,
pode-se pretender que
uma forte contensão do
espírito, durante a
vigília, predispusesse o
cérebro do jovem
sacerdote à redação de
suas homilias. Mas se é
fácil admitir que ele
tinha o hábito de
trabalhar em sua
secretária e que,
maquinalmente, para ela
vinha durante o sono, é
impossível explicar como
via através de um
cartão, de forma a
escrever corretamente,
voltar às páginas,
quando chegava ao fim
delas, adicionar letras
no lugar preciso onde
isso fosse útil,
praticar, finalmente,
todos os atos que exigem
o auxílio da vista.
(Continua no próximo
número.)