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Crônicas e Artigos

Ano 5 - N° 215 - 26 de Junho de 2011

RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)
 

Como entrar no Reino
dos Céus

 
O que será que devemos fazer para entrar no reino dos céus? Disse-nos Jesus que o reino dos céus está dentro de nós, logo, ele é um estado interior e não algum lugar para onde iremos ao desencarnar. Disse ainda que ele é para os que são brandos, humildes e caridosos. O estado interior dos brandos está sempre em paz, o dos humildes sempre desejoso de aprender e dos caridosos sempre tomado pelo amor ao próximo. Quem segue Jesus tem que imitar o Mestre ou, pelo menos, empreender seus melhores esforços para tal. Será bem-sucedido nesse intento se esforçar-se para ser um pouco melhor a cada dia, aprimorando em si as virtudes da brandura, da humildade e da caridade. À medida que essas virtudes forem crescendo em seu coração, mais e mais ele estará no reino dos céus e nada que venha a lhe ocorrer poderá tirá-lo de lá. Falemos, pois, dessas virtudes. 

A brandura

Brandura é a falta da violência em nossos corações. Aqueles ainda atrasados no entendimento das leis de Deus pensam que a brandura é característica dos fracos e que ela é incapaz de triunfar sobre os fortes e violentos. Ledo engano! Gandhi, atendo-se somente à verdade (satya) e à não-violência (ahimsa), dois princípios básicos do Hinduísmo, logrou levar seu país a livrar-se do jugo do mais poderoso império da época. O exemplo de Gandhi mais tarde inspiraria Martin Luther King, o grande líder que tanto fez para reduzir o racismo nos Estados Unidos, fiel ao princípio da não-violência.  

E que brandura mostrou Jesus em todo seu apostolado! Perseguido, ofendido, agredido, jamais se alterou a sua paz interior. Há uma passagem nos evangelhos, no entanto, que nos soa dissonante, a passagem da expulsão dos vendilhões do templo. Será que ela é prova de que Jesus perdeu sua brandura em algum momento? Vejamos. 

O relato de Mateus diz: “Então Jesus entrou no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; e disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a fazeis covil de salteadores” (Mt 21, 12 e 13).  

Mateus não diz que o Mestre fez isso com violência. Raciocinemos, portanto. Era Jesus um homem violento? Diante do desprezo, das ofensas e agressões há algum relato de ele ter revidado de forma agressiva? Não, não há. Quando Pedro cortou a orelha do soldado que tinha vindo prender seu Mestre, Jesus apoiou sua atitude ou o reprovou? Era Jesus um homem de porte hercúleo ou equipado com pesado armamento para sozinho pôr a correr diversos homens que ali estavam por interesse comercial? Ou terá sido o caso, bem mais provável, de ter Jesus feito os homens se retirarem dali com a força moral com que expôs a eles o tremendo crime contra as Leis de Deus que eles estavam praticando? Não foi com a sua sabedoria e força moral que ele fez se retirarem um a um aqueles que queriam apedrejar a mulher adúltera? É evidente que os vendilhões se retiraram de vergonha diante da autoridade moral de quem os criticava e não por um hipotético ato de violência que não encontra respaldo naquilo que se sabe do comportamento de Jesus segundo os demais relatos das escrituras. Da mesma forma, não tem cabimento achar que Jesus tenha derrubado as mesas com violência, apesar de ter sido possível que o tenha feito com firmeza, mas sem ódio ou qualquer perturbação emocional. 

Dissipada, com bom senso, qualquer dúvida sobre ser Jesus um exemplo maior de brandura, resta tirarmos outra dúvida. Brandura não é frouxidão. Jesus foi sempre brando, mas jamais deixou de denunciar com severidade e sua imensa autoridade moral os erros dos poderosos de sua época. Quem é brando não se omite diante dos erros e das injustiças. Apenas se coloca nessas situações com firmeza, mas mantendo-se sereno e sem perturbação emocional. Ser brando é a primeira condição para se entrar no reino dos céus. 

A humildade 

Quando Francisco de Assis ouviu mediunicamente Jesus pedir a ele que reformasse a sua Igreja, ele não se envaideceu e foi ter com o Papa dizendo-se um enviado de Jesus para reformar a estrutura hierárquica da Igreja. Pelo contrário, a humildade do irmão da pobreza foi tamanha que ele pensou que o Mestre queria apenas que ele consertasse a sua igrejinha, a Porciúncula, e lá se foi ele a procurar material para cumprir o que julgava ser sua missão. No entanto, apesar de tamanha humildade, quanto fez Francisco pela Igreja, fazendo-a voltar sua atenção para os pobres e enfermos, a se despojar do luxo e das riquezas! 

Muitas pessoas, ainda com pouco entendimento sobre as leis de Deus, pensam que pessoas evoluídas podem ser orgulhosas de sua condição. O que a história nos mostra, entretanto, é exatamente o oposto. Se alguns cientistas famosos demonstraram vaidade, eles também demonstraram com isso que apenas tinham avançado em conhecimento e não em virtudes morais. Eram grandes sabedores de algum assunto, mas não eram sábios. Os verdadeiros sábios de todos os tempos sempre demonstraram ter suas mentes totalmente voltadas para a busca do saber, humildemente conscientes de quanto ainda ignoravam. Ninguém descreveu tal realidade com mais clareza do que Sócrates, quando disse que o verdadeiro sábio é aquele que sabe que nada sabe. 

No sermão das bem-aventuranças, segundo a tradução revisada de João Ferreira de Almeida, Jesus disse: “Bem-aventurados os humildes de espírito porque deles é o reino dos céus”. Tradução feliz, essa que melhor reflete os ensinamentos do Mestre.

A caridade 

A terceira condição para entrarmos no reino dos céus é a caridade, a mais excelsa das virtudes, segundo Paulo ensinou em sua Primeira Epístola aos Coríntios. O lema do Espiritismo é “Fora da Caridade não há Salvação”. A Caridade é o amor incondicional posto em ação. E o que é o amor incondicional? Recorramos a Paulo para saber. No original em grego da epístola acima mencionada, o apóstolo dos gentios teria se referido à ágape como a virtude maior. No grego antigo havia três palavras que podem ser traduzidas em português como amor. São elas: eros, fília e ágape. Elas, na verdade, como veremos, são estágios evolutivos do amor. Ao galgarmos para o estágio seguinte, não abandonamos o anterior, guardando dele, no entanto, apenas o que tem de melhor. 

Eros é o amor apaixonado, o desejo intenso por alguma coisa ou alguém. Ele é, comumente, associado ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros é o estágio primitivo, irracional do amor, correspondendo às paixões que sentimos, seja por pessoas, coisas ou ideias. Eros está relacionado à satisfação pessoal, ao sentimento de realização, como, também, ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse estágio, nosso amor se tornará apenas egoísmo, tudo querendo para nosso próprio prazer, nossa própria satisfação. No entanto, se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor para as nobres realizações em benefício do próximo, ele será instrumento importante à nossa disposição, pois nos manterá vibrantes e empolgados, não nos permitindo desanimar jamais. É Eros, também, que nos faz amar a nós mesmos de forma equilibrada quando já estamos evoluídos, sabendo cuidar de nossa saúde física e mental, de nossa aparência, de nossa apresentação no meio em que vivemos. Ser evoluído não é andar em andrajos, desdentado e sujo. Para quem tem condições de se cuidar, isso é indício apenas de relaxamento. 

Estritamente, Fília se refere ao amor existente entre pais e filhos, entre familiares e entre entes próximos. Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade. Ao contrário de Eros, Fília ocorre como resultado da apreciação que temos por aqueles que nos são próximos. É amor emocional, mas, também, racional. Como Fília se entendem, também, as lealdades que temos na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos satisfazemos com Fília e restringimos nossas ações do bem àqueles que nos são queridos, permaneceremos no amor possessivo, pois, ao limitarmos nossa ajuda aos entes que nos são mais próximos, forçosamente esperaremos deles fidelidade a nós, julgando-os nossos devedores. Estacionados nesse estágio, somente amaremos nossos familiares, nossos colegas, nossa raça, nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se encontra no mesmo estágio que nós, as diversas comunidades exclusivistas e sectárias que se espalham pelo mundo afora. Entretanto, Fília pode ser usado, também, com equilíbrio e sabedoria, da mesma forma que Eros. Basta que saibamos que todos são filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs, constituindo toda a humanidade uma imensa família. Para os Espíritos evoluídos é filia que os faz lembrarem-se da responsabilidade que têm para com seus familiares. Ser evoluído não é dedicar todo o tempo ao Centro Espírita e deixar os filhos aos cuidados de terceiros. Quando Joana de Cusa quis seguir a Jesus em suas caminhadas, o Mestre lhe disse que fosse, primeiro, cuidar de seu marido e de seu filho, que haviam sido confiados aos seus cuidados por Deus.  

Ágape se refere estritamente ao amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus, mas pode ser entendido como o amor incondicional, o estágio final da evolução do amor. Quem tem ágape no coração faz o bem sem ostentação, serve a todos com igual dedicação, percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los, assim como se empenha nas grandes desgraças com bravura e determinação. Ensina a todos à sua volta, não tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo constante. É alegre e sereno, estando sempre pronto para o serviço do bem e a cada um se dirigindo conforme suas necessidades. 

O amor ágape é paciente, bondoso. Não tem inveja, não é orgulhoso. Não é arrogante, nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.  

O amor Ágape possui, portanto, todas as características da Caridade conforme a define o apóstolo Paulo. Como só alcança o amor Ágape alguém que já superou todos os seus defeitos, podemos dizer que alcançá-lo é a característica necessária e suficiente para entrarmos no reino dos céus ou, no dizer espírita, nos tornarmos Espíritos Puros. 

A boa notícia que a Doutrina nos traz 

Disse Jesus “Nem todos os que me dizem “Senhor! Senhor!” entrarão no reino dos céus”. Para aqueles que creem termos uma única existência, milhões de seres humanos, homens e mulheres, foram impedidos de entrar no reino dos céus no passado e milhões mais ainda ficarão. A boa notícia que a Doutrina nos traz é que, quando Jesus disse que o Bom Pastor não perde nenhuma de suas ovelhas, ele estava nos assegurando aquilo que já deveríamos saber, isto é, que todos estamos fadados à perfeição. Ora, a única possibilidade de isso ocorrer é se tivermos múltiplas existências, pois, se não desenvolvermos em nós a brandura, a humildade ou a caridade na presente existência, outras mais nos serão oferecidas até que sejamos bem-sucedidos.




 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita