RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
Como entrar no Reino
dos
Céus
O que será que devemos
fazer para entrar no
reino dos céus?
Disse-nos Jesus que o
reino dos céus está
dentro de nós, logo, ele
é um estado interior e
não algum lugar para
onde iremos ao
desencarnar. Disse ainda
que ele é para os que
são brandos, humildes e
caridosos. O estado
interior dos brandos
está sempre em paz, o
dos humildes sempre
desejoso de aprender e
dos caridosos sempre
tomado pelo amor ao
próximo. Quem segue
Jesus tem que imitar o
Mestre ou, pelo menos,
empreender seus melhores
esforços para tal. Será
bem-sucedido nesse
intento se esforçar-se
para ser um pouco melhor
a cada dia, aprimorando
em si as virtudes da
brandura, da humildade e
da caridade. À medida
que essas virtudes forem
crescendo em seu
coração, mais e mais ele
estará no reino dos céus
e nada que venha a lhe
ocorrer poderá tirá-lo
de lá. Falemos, pois,
dessas virtudes.
A brandura
Brandura é a falta da
violência em nossos
corações. Aqueles ainda
atrasados no
entendimento das leis de
Deus pensam que a
brandura é
característica dos
fracos e que ela é
incapaz de triunfar
sobre os fortes e
violentos. Ledo engano!
Gandhi, atendo-se
somente à verdade (satya)
e à não-violência (ahimsa),
dois princípios básicos
do Hinduísmo, logrou
levar seu país a
livrar-se do jugo do
mais poderoso império da
época. O exemplo de
Gandhi mais tarde
inspiraria Martin Luther
King, o grande líder que
tanto fez para reduzir o
racismo nos Estados
Unidos, fiel ao
princípio da
não-violência.
E que brandura mostrou
Jesus em todo seu
apostolado! Perseguido,
ofendido, agredido,
jamais se alterou a sua
paz interior. Há uma
passagem nos evangelhos,
no entanto, que nos soa
dissonante, a passagem
da expulsão dos
vendilhões do templo.
Será que ela é prova de
que Jesus perdeu sua
brandura em algum
momento? Vejamos.
O relato de Mateus diz:
“Então Jesus entrou
no templo, expulsou
todos os que ali vendiam
e compravam, e derribou
as mesas dos cambistas e
as cadeiras dos que
vendiam pombas; e
disse-lhes: Está
escrito: A minha casa
será chamada casa de
oração; vós, porém, a
fazeis covil de
salteadores” (Mt 21,
12 e 13).
Mateus não diz que o
Mestre fez isso com
violência. Raciocinemos,
portanto. Era Jesus um
homem violento? Diante
do desprezo, das ofensas
e agressões há algum
relato de ele ter
revidado de forma
agressiva? Não, não há.
Quando Pedro cortou a
orelha do soldado que
tinha vindo prender seu
Mestre, Jesus apoiou sua
atitude ou o reprovou?
Era Jesus um homem de
porte hercúleo ou
equipado com pesado
armamento para sozinho
pôr a correr diversos
homens que ali estavam
por interesse comercial?
Ou terá sido o caso, bem
mais provável, de ter
Jesus feito os homens se
retirarem dali com a
força moral com que
expôs a eles o tremendo
crime contra as Leis de
Deus que eles estavam
praticando? Não foi com
a sua sabedoria e força
moral que ele fez se
retirarem um a um
aqueles que queriam
apedrejar a mulher
adúltera? É evidente que
os vendilhões se
retiraram de vergonha
diante da autoridade
moral de quem os
criticava e não por um
hipotético ato de
violência que não
encontra respaldo
naquilo que se sabe do
comportamento de Jesus
segundo os demais
relatos das escrituras.
Da mesma forma, não tem
cabimento achar que
Jesus tenha derrubado as
mesas com violência,
apesar de ter sido
possível que o tenha
feito com firmeza, mas
sem ódio ou qualquer
perturbação emocional.
Dissipada, com bom
senso, qualquer dúvida
sobre ser Jesus um
exemplo maior de
brandura, resta tirarmos
outra dúvida. Brandura
não é frouxidão. Jesus
foi sempre brando, mas
jamais deixou de
denunciar com severidade
e sua imensa autoridade
moral os erros dos
poderosos de sua época.
Quem é brando não se
omite diante dos erros e
das injustiças. Apenas
se coloca nessas
situações com firmeza,
mas mantendo-se sereno e
sem perturbação
emocional. Ser brando é
a primeira condição para
se entrar no reino dos
céus.
A humildade
Quando Francisco de
Assis ouviu
mediunicamente Jesus
pedir a ele que
reformasse a sua Igreja,
ele não se envaideceu e
foi ter com o Papa
dizendo-se um enviado de
Jesus para reformar a
estrutura hierárquica da
Igreja. Pelo contrário,
a humildade do irmão da
pobreza foi tamanha que
ele pensou que o Mestre
queria apenas que ele
consertasse a sua
igrejinha, a
Porciúncula, e lá se foi
ele a procurar material
para cumprir o que
julgava ser sua missão.
No entanto, apesar de
tamanha humildade,
quanto fez Francisco
pela Igreja, fazendo-a
voltar sua atenção para
os pobres e enfermos, a
se despojar do luxo e
das riquezas!
Muitas pessoas, ainda
com pouco entendimento
sobre as leis de Deus,
pensam que pessoas
evoluídas podem ser
orgulhosas de sua
condição. O que a
história nos mostra,
entretanto, é exatamente
o oposto. Se alguns
cientistas famosos
demonstraram vaidade,
eles também demonstraram
com isso que apenas
tinham avançado em
conhecimento e não em
virtudes morais. Eram
grandes sabedores de
algum assunto, mas não
eram sábios. Os
verdadeiros sábios de
todos os tempos sempre
demonstraram ter suas
mentes totalmente
voltadas para a busca do
saber, humildemente
conscientes de quanto
ainda ignoravam. Ninguém
descreveu tal realidade
com mais clareza do que
Sócrates, quando disse
que o verdadeiro sábio é
aquele que sabe que nada
sabe.
No sermão das
bem-aventuranças,
segundo a tradução
revisada de João
Ferreira de Almeida,
Jesus disse:
“Bem-aventurados os
humildes de espírito
porque deles é o reino
dos céus”. Tradução
feliz, essa que melhor
reflete os ensinamentos
do Mestre.
A caridade
A terceira condição para
entrarmos no reino dos
céus é a caridade, a
mais excelsa das
virtudes, segundo Paulo
ensinou em sua Primeira
Epístola aos Coríntios.
O lema do Espiritismo é
“Fora da Caridade não há
Salvação”. A Caridade é
o amor incondicional
posto em ação. E o que é
o amor incondicional?
Recorramos a Paulo para
saber. No original em
grego da epístola acima
mencionada, o apóstolo
dos gentios teria se
referido à ágape como a
virtude maior. No grego
antigo havia três
palavras que podem ser
traduzidas em português
como amor. São elas:
eros,
fília e
ágape. Elas, na
verdade, como veremos,
são estágios evolutivos
do amor. Ao galgarmos
para o estágio seguinte,
não abandonamos o
anterior, guardando
dele, no entanto, apenas
o que tem de melhor.
Eros
é o amor apaixonado, o
desejo intenso por
alguma coisa ou alguém.
Ele é, comumente,
associado ao amor
sexual, mas, na
realidade, é mais que
isso. Eros é o estágio
primitivo, irracional do
amor, correspondendo às
paixões que sentimos,
seja por pessoas, coisas
ou ideias. Eros está
relacionado à satisfação
pessoal, ao sentimento
de realização, como,
também, ao orgulho e à
vaidade. Se
estacionarmos nesse
estágio, nosso amor
se tornará apenas
egoísmo, tudo
querendo para nosso
próprio prazer, nossa
própria satisfação. No
entanto, se o possuirmos
de forma controlada e o
utilizarmos como um
motor para as nobres
realizações em benefício
do próximo, ele será
instrumento importante à
nossa disposição, pois
nos manterá vibrantes e
empolgados, não nos
permitindo desanimar
jamais. É Eros, também,
que nos faz amar a nós
mesmos de forma
equilibrada quando já
estamos evoluídos,
sabendo cuidar de nossa
saúde física e mental,
de nossa aparência, de
nossa apresentação no
meio em que vivemos. Ser
evoluído não é andar em
andrajos, desdentado e
sujo. Para quem tem
condições de se cuidar,
isso é indício apenas de
relaxamento.
Estritamente,
Fília se refere
ao amor existente entre
pais e filhos, entre
familiares e entre entes
próximos. Por extensão,
porém, pode ser
entendido como amizade.
Ao contrário de Eros,
Fília ocorre como
resultado da apreciação
que temos por aqueles
que nos são próximos. É
amor emocional, mas,
também, racional. Como
Fília se entendem,
também, as lealdades que
temos na família, no
trabalho e na sociedade
em geral. Se nos
satisfazemos com Fília e
restringimos nossas
ações do bem àqueles que
nos são queridos,
permaneceremos no
amor possessivo,
pois, ao
limitarmos nossa ajuda
aos entes que nos são
mais próximos,
forçosamente esperaremos
deles fidelidade a nós,
julgando-os nossos
devedores. Estacionados
nesse estágio, somente
amaremos nossos
familiares, nossos
colegas, nossa raça,
nossa cor de pele, nossa
religião, formando, com
quem se encontra no
mesmo estágio que nós,
as diversas comunidades
exclusivistas e
sectárias que se
espalham pelo mundo
afora. Entretanto, Fília
pode ser usado, também,
com equilíbrio e
sabedoria, da mesma
forma que Eros. Basta
que saibamos que todos
são filhos de Deus e,
portanto, nossos irmãos
e irmãs, constituindo
toda a humanidade uma
imensa família. Para os
Espíritos evoluídos é
filia que os faz
lembrarem-se da
responsabilidade que têm
para com seus
familiares. Ser evoluído
não é dedicar todo o
tempo ao Centro Espírita
e deixar os filhos aos
cuidados de terceiros.
Quando Joana de Cusa
quis seguir a Jesus em
suas caminhadas, o
Mestre lhe disse que
fosse, primeiro, cuidar
de seu marido e de seu
filho, que haviam sido
confiados aos seus
cuidados por Deus.
Ágape
se refere estritamente
ao amor de Deus pelos
homens e dos homens por
Deus, mas pode ser
entendido como o amor
incondicional, o
estágio final da
evolução do amor. Quem
tem ágape no coração faz
o bem sem ostentação,
serve a todos com igual
dedicação, percebe os
infortúnios ocultos e
age para minorá-los,
assim como se empenha
nas grandes desgraças
com bravura e
determinação. Ensina a
todos à sua volta, não
tanto por palavras, mas,
mormente, pelo exemplo
constante. É alegre e
sereno, estando sempre
pronto para o serviço do
bem e a cada um se
dirigindo conforme suas
necessidades.
O amor ágape é paciente,
bondoso. Não tem inveja,
não é orgulhoso. Não é
arrogante, nem
escandaloso. Não busca
os seus próprios
interesses, não se
irrita, não guarda
rancor. Não se alegra
com a injustiça, mas se
rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo
suporta.
O amor Ágape possui,
portanto, todas as
características da
Caridade conforme a
define o apóstolo Paulo.
Como só alcança o amor
Ágape alguém que já
superou todos os seus
defeitos, podemos dizer
que alcançá-lo é a
característica
necessária e suficiente
para entrarmos no reino
dos céus ou, no dizer
espírita, nos tornarmos
Espíritos Puros.
A boa notícia que a
Doutrina nos traz
Disse Jesus “Nem
todos os que me dizem
“Senhor! Senhor!”
entrarão no reino dos
céus”. Para aqueles que
creem termos uma única
existência, milhões de
seres humanos, homens e
mulheres, foram
impedidos de entrar no
reino dos céus no
passado e milhões mais
ainda ficarão. A boa
notícia que a Doutrina
nos traz é que, quando
Jesus disse que o Bom
Pastor não perde nenhuma
de suas ovelhas, ele
estava nos assegurando
aquilo que já deveríamos
saber, isto é, que todos
estamos fadados à
perfeição. Ora, a única
possibilidade de isso
ocorrer é se tivermos
múltiplas existências,
pois, se não
desenvolvermos em nós a
brandura, a humildade ou
a caridade na presente
existência, outras mais
nos serão oferecidas até
que sejamos
bem-sucedidos.