O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel
Delanne
(Parte
9)
Damos continuidade nesta edição
ao
estudo do livro O
Espiritismo perante a
Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science,
publicada originalmente
em Paris em 1885.
Questões preliminares
A. Além do esquecimento
de tudo que se passou,
que outra faculdade
revelam os sonâmbulos? |
A faculdade que alguns
sonâmbulos revelam é o
que se chama
transposição dos
sentidos, ou seja,
podem ver sem a
intervenção dos olhos,
cheirar sem o órgão da
olfação e ouvir sem o
auxílio do ouvido.
(O Espiritismo perante
a Ciência, Segunda
Parte, Cap. III –
O sonambulismo
magnético.)
B. A clarividência dos
sonâmbulos, quando
próximos do objeto, foi
devidamente comprovada
pelos fatos?
Sim. Nesta obra o autor
relata inúmeros casos
devidamente autenticados
por pesquisadores de
renome, como Deleuze,
professor de história
natural no Jardim das
Plantas.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. III –
O sonambulismo
magnético.)
C. Quanto à
clarividência a
distância, os fatos são
também abundantes?
Sim. Em um deles,
relatado pelo Doutor
Charpignon, a sonâmbula
desejou visitar uma irmã
que estava em Blois. Ela
conhecia o caminho e o
seguiu mentalmente. O
que ela descreveu no
estado sonambúlico foi
depois comprovado,
mostrando que é a alma
que se desloca e vê ali
o que está ocorrendo.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. III –
O sonambulismo
magnético.)
Texto
para leitura
226. O caso seguinte
comprova igualmente a
insensibilidade dos
sonâmbulos. Alguns
cirurgiões do “Hôtel
Dieu” mudaram de
hospital, e um deles, o
Dr. Margue, ficou no
vasto hospício da
Salpêtrière. Em sua nova
residência, ocupou-se
com o magnetismo e em
breve o sonambulismo se
manifestou em muitos
doentes. Esquirol, de
quem já falamos, não se
opôs a esses estudos;
tolerou, mesmo, que se
tornassem públicos: a
multidão dos curiosos
era grande e os
incrédulos numerosos.
227. Renovaram nas
pobres mulheres as
experiências do “Hôtel
Dieu”. Depois, como
acreditassem que a dor
podia ser suportada, até
certo ponto, sem ser
manifestada, que se
podia sofrer a mais
forte queimadura sem
mostrar sinal externo,
supôs-se que o melhor
seria dar-lhes a
respirar amoníaco
concentrado. Para isso,
procurou-se no hospital
um vaso que contivesse
quatro onças de amoníaco
e o colocaram muitos
minutos seguidos no
nariz de cada sonâmbula.
(1)
228. Repetiram a
operação várias vezes e
nunca puderam os
observadores surpreender
a sombra de qualquer
manifestação de incômodo
ou mal-estar. Detalhe
pungente: um doutor, sem
dúvida mais incrédulo
que os outros, quis
certificar-se por si
mesmo, de que o vaso
continha amoníaco, e,
tendo-se aproximado para
cheirá-lo, quase pagou
com a vida a imprudente
curiosidade.
229. Esses fenômenos
provam, pois, que o
sonambulismo é um estado
particular do sistema
nervoso, que apresenta
grandes analogias com a
paralisia sensitiva
produzida pelos
anestésicos, como o
clorofórmio e o éter. Os
fatos que acabamos de
descrever foram
examinados com
escrupulosa atenção e
afirmados por
testemunhas honoráveis
como Husson, Bricheteau,
Delens e uma multidão de
outros médicos. As atas,
redigidas no lugar,
foram depositadas com o
Sr. Dubois, tabelião em
Paris, sendo uma cópia
daquelas publicada numa
brochura, que teve
grande repercussão, e
ninguém jamais desmentiu
a veracidade dos fatos.
230. Determinemos agora
outros caracteres do
sonambulismo magnético.
O sonâmbulo sente com
mais precisão que no
estado normal qual a
parte do seu corpo que é
afetada; ele a vê, e
muitas vezes indica o
remédio conveniente. Em
grau mais elevado,
abarca de relance toda a
sua anatomia e seu poder
se estende até ler o
pensamento das pessoas
que entram em relação
com ele.
231. Um dos sinais
característicos do sono
sonambúlico é o
esquecimento, ao
despertar, de tudo que
se passou. Outra
faculdade que alguns
sonâmbulos revelam é o
que se chama
transposição dos
sentidos, ou seja,
ver sem a intervenção
dos olhos, cheirar sem o
órgão da olfação e ouvir
sem o auxílio do ouvido.
232. Se insistimos
nessas estranhas
faculdades, é que não
pode apresentar para
elas uma explicação
racional quem se obstina
em não reconhecer a
existência da alma, a de
um poder que se
manifesta fora das
condições da vida
habitual, como por
exemplo nos fenômenos da
dupla vista.
233. Deleuze, professor
de história natural no
Jardim das Plantas, em
uma memória sobre a
clarividência dos
sonâmbulos, narra este
episódio: “A jovem
doente me havia lido
corretamente sete ou
oito linhas, posto
que seus olhos
estivessem cobertos de
modo a não poder
servir-se deles. Foi
ela depois obrigada a
parar, dizendo-se muito
fatigada.”
234. Alguns dias depois,
querendo convencer
incrédulos, Deleuze
apresentou à jovem uma
caixa de papelão,
fechada, na qual estavam
escritas as palavras:
amizade, saúde,
felicidade. Ela
segurou a caixa por
algum tempo, manifestou
muita fadiga, e disse
que a primeira palavra
era amizade, mas que não
podia ler as outras.
Instada para que fizesse
novos esforços,
consentiu e disse,
restituindo a caixa: não
vejo bem, mas creio que
as duas palavras são:
bondade, doçura.
Enganara-se nos dois
últimos termos, mas,
como se vê, tinham muita
semelhança com os que
estavam escritos, e essa
coincidência não pode
ser atribuída ao acaso.
(2)
235. Escolhemos este
fato entre muitos
outros, para mostrar que
a faculdade sonambúlica
pode, na mesma pessoa,
apresentar graus
diversos, que vão da
vista incompleta à vista
perfeita. Demos a
palavra ao Senhor Rostan,
que escreveu o artigo
Magnetismo, no
dicionário de ciências
médicas: “Mas se a vista
é abolida no seu sentido
natural, está para mim
inteiramente demonstrado
que ela existe em muitas
partes do corpo. Eis uma
experiência que repeti
frequentemente; esta
experiência foi feita em
presença de Ferrus.
Apanhei o meu relógio,
coloquei-o a três ou
quatro polegadas atrás
do occipúcio e perguntei
à sonâmbula se via
alguma coisa.
(3)
– Certamente, vejo
alguma coisa que brilha
e que me faz mal. Sua
fisionomia exprimia dor
e a nossa devia exprimir
espanto. Entreolhamo-nos
e Ferrus, quebrando o
silêncio, me disse que
desde que ela via alguma
coisa brilhar, diria sem
dúvida o que era. – Que
vê? – Ah, não sei,
não posso dizer. –
Olhe bem. – Espere,
isso me fatiga...
espere: é um relógio.
Novo motivo de surpresa.
Mas, se ela sabe que é
um relógio – disse
Ferrus –, poderá sem
duvida ver que horas
são. – Oh! não, é
muito difícil.
– Preste atenção,
procure bem. – Espere...
vou esforçar-me, direi
talvez a hora, mas não
passo ver os minutos.
São 8 horas menos dez.
Era exato. Ferrus quis
repetir a experiência
ele mesmo, e ela se
reproduziu com o mesmo
êxito. Fez-me ele virar,
muitas vezes, os
ponteiros do seu
relógio, que lhe
apresentamos, e ela, sem
o ver, nenhuma vez se
enganou.”
236. Temos aqui uma
prova concludente e que
apresenta uma
circunstância
particular, que deve ser
estudada.
237. Como se vê, o
fenômeno da visão sem os
olhos está bem
estabelecido.
Demonstramos também que
a teoria do Doutor Debay,
isto é, aquela das
ramificações nervosas,
aceita por todos os
incrédulos, é
inadmissível. Só resta,
para compreender o que
se passa, reconhecer que
é a alma que
momentaneamente se
desprende e percebe de
maneira diversa da vida
corrente.
238. Eis mais um caso,
descrito desta vez pelo
Doutor Despine, chefe de
clínica do
estabelecimento de Aix:
“Não só a nossa enferma
ouvia pela palma da mão,
como a vimos ler sem o
auxílio dos olhos, pela
extremidade dos dedos,
que agitava com rapidez
acima da página que
queria ler, sem a tocar,
como para multiplicar as
superfícies sensíveis;
vimo-la ler assim uma
página inteira de um
romance da moda. De
outras vezes ela
escolheu, num maço de
trintas cartas, uma que
lhe tinha sido indicada;
leu no mostrador, e do
outro lado do vidro, a
hora num relógio;
escrevia cartas e
corrigia, relendo-as, os
erros que lhe tinham
escapado; recopiava uma
carta, palavra por
palavra. Durante todas
as operações um anteparo
de papelão espesso
interceptava-lhe
completamente a vista.
Os mesmos fenômenos se
realizavam pela planta
dos pés e pelo
epigástrio.”
239. O Doutor Charpignon,
de Orleans, relatou-nos
o seguinte: “Uma noite,
tínhamos em nossa casa
duas sonâmbulas, e em
uma casa vizinha dava-se
um baile. Apenas
preludiou a orquestra,
uma delas se agitou,
pois ouviu o som dos
instrumentos. Já
dissemos que certos
sonâmbulos, isolados,
são sensíveis à música.
Em breve, a segunda
sonâmbula ouviu também e
elas compreenderam que
se tratava de um baile.
– Querem vê-lo? –
perguntei-lhes. –
Certamente.
Imediatamente as duas
jovens começaram a rir e
a conversar sobre a
atitude dos dançantes e
as vestes das
dançarinas. – Veja
aquelas moças de vestido
azul, como dançam
jocosamente, e o pai
delas que gira com a
noiva... Ah! como esta
senhora é desembaraçada;
ela se queixa de que não
está doce seu copo
d'água e quer mais
açúcar. E este
homenzinho! Que roupa
vermelha esquisita!
Nunca vimos espetáculo
mais engaçado e curioso!
Duas pessoas presentes,
duvidando que houvesse
visão real, foram à sala
do baile e ficaram
admirados vendo as moças
de roupa azul, os
homenzinhos de traje
vermelho, e o par da
noiva que as duas moças
tinham designado”.
240. Outra vez –
continua Charpignon –
uma das nossas
pacientes, Celina,
desejou, num dos seus
sonambulismos, ir ver a
irmã que estava em Blois.
Ela conhecia o caminho e
o seguiu mentalmente.
– Olá! – exclamou ela –
aonde vai Senhor
Jouanneau? (Ela disse
que estava em Meung, nas
Malvas, e que encontrou
o Senhor Jouanneau, em
trajes domingueiros, o
qual ia, sem dúvida,
jantar em algum
castelo.) Ele era um
habitante de Meung,
conhecido das pessoas
presentes;
escreveram-lhe para
saber o que havia de
verdade sobre seu
passeio no lugar e hora
indicados. A resposta
confirmou minuciosamente
o que dissera a
senhorita Celina.
241. Quantas reflexões!
Quantos estudos
psicológicos nesse fato
fortuitamente produzido!
A visão dessa sonâmbula
não fora lançada, como
geralmente acontece, no
lugar desejado; ela
percorrera toda a
estrada de Orleans a
Blois e notara, nessa
rápida viagem, tudo o
que podia chamar sua
atenção. Já não era só a
clarividência a curta
distância, mas a vista
real com os olhos
fechados, ao longo de
uma viagem. É preciso
dizer adeus a todas as
ramificações possíveis,
porque, desde que o
corpo da jovem estava em
Orleans, necessariamente
uma parte dela mesma
deve ter-se destacado
para ver o que se
passava na estrada de
Malva. Desgoste, embora,
aos materialistas, isto
só pode ser a alma.
242. Para os
espiritualistas, os
fatos referidos podem
parecer anormais, porém
não inexplicáveis, uma
vez que a alma, essa
parte imaterial do
homem, pode, em certas
circunstâncias,
destacar-se do corpo e
transportar-se a
distância. Mas, para os
materialistas, que não
se contentam com um
levantar de ombros em
face desses relatórios,
é indispensável achar
uma explicação boa ou
má, a fim de não ficarem
omissos.
243. Conhecemos já a
teoria dos plexos
nervosos e de suas
ramificações; vejamos
outra, que se acha
comumente em livros que
tratam do mesmerismo,
sob o ponto de vista
material.
244. Os magnetizadores
pretendem que o fluido
nervoso que percorre os
nervos não se detém
sempre na superfície da
pele, lança-se algumas
vezes para fora, sob o
império da vontade,
formando assim uma
verdadeira atmosfera
nervosa em torno do
paciente, esfera de
atividade semelhante à
dos corpos eletrizados.
245. Até que tudo é
então bem racional, e
essa doutrina foi
admitida pelo célebre
fisiologista Humboldt.
Ela pode explicar os
fatos do magnetismo
puro, tal como a ação do
magnetizador sobre o seu
paciente e o efeito
curativo do agente
magnético. Pode-se
supor, com efeito, que o
operador emita bastante
fluido nervoso para
saturar o magnetizado,
de maneira a fazê-lo
recuperar as forças que
perdeu. Mas, para o
sonambulismo, e
particularmente para a
dupla vista, a
explicação é
insuficiente.
246. Eis o que, então,
eles imaginaram:
“Sabe-se que o mundo não
acaba onde para o nosso
olhar; uma imensidade de
coisas escapa a nossos
sentidos, porque eles
não são bastante
desenvolvidos, bastante
sutis para captá-los.
Resulta da nossa
imperfeição sensorial e
intelectual que a
impossibilidade não está
onde a julgamos ver,
mas, ao contrário, muito
além do ponto em que a
colocamos. Tomemos, por
exemplo, um casco de
tartaruga;
interponhamo-lo entre os
olhos e um livro aberto;
logo cessaremos de ler,
porque os raios
luminosos partindo do
livro para se irem
refletir na retina, são
interceptados por um
obstáculo. Admitamos,
agora, de um lado, que a
luz penetra todos os
corpos, em graus
diversos, e, de outro
lado, que o espesso
casco seja dividido em
cem lâminas extremamente
delgadas; cada lâmina
isolada será
necessariamente diáfana,
podendo-lhe ver através.
É precisamente o que se
passa com o sonâmbulo;
os nervos ópticos
adquirem tão alto grau
de força visual, que os
corpos mais espessos,
mais opacos, passam ao
estado de transparência,
de diafaneidade
completa. É fácil,
então, aos raios
objetivos, atravessar
esses corpos e,
penetrando nas pálpebras
fechadas da sonâmbula,
ir desenharem-se sobre a
retina que eles
representam.”
247. Observemos, em
primeiro lugar, que a
luz não atravessa todos
os corpos. É falsa,
pois, a hipótese. Em
seguida, supondo-se que
o casco de tartaruga
seja dividido em cem
lâminas e que,
separadamente, cada uma
delas possa ser
atravessada pela luz,
não é menos certo que,
reunidas, ofereçam
intransponível barreira
ao olhar ordinário e,
com mais forte razão, ao
de uma sonâmbula
adormecida. Adquiram os
nervos ópticos a força
que se lhes queira
emprestar e a energia
visual só se exercerá
quando os raios
refletidos pelos objetos
se puderem desenhar na
retina; ora, a
sonâmbula, de olhos
fechados, nada pode ver
com o auxílio deles.
248. Narra Herschell que
conheceu um homem que
distinguia a olho nu os
satélites de Júpiter;
certo, esse indivíduo
tinha uma faculdade
visual pouco ordinária,
mas estamos convencidos
de que, quando fechava
os olhos, não via mais
nada. Ora, por mais
ativos que se possam
tornar, os nervos
ópticos não servem de
explicação ao fenômeno,
quando as pálpebras
estão fechadas.
249. De tudo se deve
concluir que, quanto
mais se estudam os
estados particulares do
corpo humano, mais a
existência da alma se
impõe como uma verdade
brilhante; os que querem
negá-la ficam reduzidos
às mais ridículas
concepções ao explicar
os fenômenos do
pensamento e do
magnetismo, tanto o
natural como o
provocado.
250. Não podemos
esconder que fatos tão
caracterizados, como os
que acabamos de narrar,
sejam pouco comuns na
vida ordinária; mas
todos os que se
ocuparam, mais ou menos
seguidamente, de
magnetismo, puderam
verificá-los. Os livros,
jornais e revistas que
tratam do assunto estão
cheios de observações
semelhantes, e só por
ignorância ou má-fé será
possível recusá-las
hoje.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Onça [do latim uncia] é
o nome de uma medida de
peso inglesa equivalente
a 28,349 gramas.
(2)
A semelhança afirmada
não existe entre as
palavras portuguesas
saúde e bondade e entre
felicidade e doçura, mas
existe realmente entre
as palavras
correspondentes
francesas: santé
e bonté,
bonheur e douceur.
(3)
Occipúcio ou occipício é
a parte ínfero-posterior
da cabeça, também
chamada occipital.