GERSON SIMÕES
MONTEIRO
gerson@radioriodejaneiro.am.br
Rio de Janeiro, RJ
(Brasil)
Chorei diante da
decisão iluminada do
Juiz
Ao ler a decisão
proferida em 1978
pelo Juiz João
Baptista Herkenhoff,
da 1ª Vara Criminal
de Vila Velha – ES,
libertando Edna, que
ia ser mãe, não
tenho palavras para
comentar um gesto de
tanta sensibilidade
desse magistrado. É
como se Jesus
descesse das alturas
para defender uma
pobre mulher
servindo-se das mãos
abençoadas desse
Juiz.
Eis a sentença:
“A acusada é
multiplicadamente
marginalizada: por
ser mulher, numa
sociedade machista;
por ser pobre, cujo
latifúndio são os
sete palmos de terra
dos versos imortais
do poeta; por ser
prostituta,
desconsiderada pelos
homens, mas amada
por um Nazareno que
certa vez passou por
este mundo; por não
ter saúde; por estar
grávida, santificada
pelo feto que tem
dentro de si, mulher
diante da qual este
Juiz deveria se
ajoelhar, numa
homenagem à
maternidade, porém
que, na nossa
estrutura social, em
vez de estar
recebendo cuidados
pré-natais, espera
pelo filho na
cadeia.
É uma dupla
liberdade a que
concedo neste
despacho: liberdade
para Edna e
liberdade para o
filho de Edna, que,
se do ventre da mãe
puder ouvir o som da
palavra humana,
sinta o calor e o
amor da palavra que
lhe dirijo, para que
venha a este mundo
tão injusto com
forças para lutar,
sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente
foge da maternidade;
quando milhares de
brasileiras, mesmo
jovens e sem
discernimento, são
esterilizadas;
quando se deve
afirmar ao mundo que
os seres têm direito
à vida, que é
preciso distribuir
melhor os bens da
Terra e não reduzir
os comensais;
quando, por motivo
de conforto ou até
mesmo por motivos
fúteis, mulheres se
privam de gerar,
Edna engrandece hoje
este Fórum, com o
feto que traz dentro
de si.
Este Juiz renegaria
todo o seu credo,
rasgaria todos os
seus princípios,
trairia a memória de
sua Mãe, se
permitisse sair Edna
deste Fórum sob
prisão. Saia livre,
saia abençoada por
Deus, saia com seu
filho, traga seu
filho à luz, que
cada choro de uma
criança que nasce é
a esperança de um
mundo novo, mais
fraterno, mais puro,
algum dia cristão.
Expeça-se o alvará
de soltura.”
Concluindo: não há
palavras diante de
tanta lucidez e
bondade!