ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
Oportunidade perdida
A recente desencarnação
do temido terrorista Bin
Laden trouxe – aparentemente
– imediato alívio para
um considerável
contingente de pessoas
ao redor do mundo, bem
como para o atual
governo dos Estados
Unidos da América (EUA).
Como sói acontecer em
tais ocasiões, o
presidente do país
aproveitou a
oportunidade para fazer
um pronunciamento
nacional a respeito da exitosa operação
militar. Buscando
reduzir e/ou mesmo
eliminar possíveis
atritos com a comunidade
mulçumana mundial,
apressou-se em
esclarecer que todos os
rigores da religião
foram respeitados nas
exéquias do corpo
inerme. Ipso facto,
as comemorações foram
estrepitosas naquela
grande nação com o povo
saindo às ruas em
delírio infrene. Os
canais de TV exibiram à
exaustão -
compreensivelmente - as
manifestações de alegria
dos cidadãos americanos.
Ademais, com o
desaparecimento do
inimigo público nº 1 da
América, uma
importantíssima promessa
de campanha do
presidente Barack Obama
foi cumprida.
Demonstrando convincente
aprovação pela maneira
como o assunto foi
conduzido, assim como
pelo seu desfecho, o
eleitor americano catapultou os índices de
popularidade do seu
presidente – pelo menos
num primeiro momento –
numa fase extremamente
delicada da sua
administração dando-lhe
esperanças de um segundo
mandato.
Concomitantemente,
países aliados elogiaram
com veemência, como se
viu, a ação militar e,
num discurso uníssono
tanto quanto monocórdico,
admitiram que o mundo
ficaria melhor sem a
presença daquele ser que
conseguiu, um dia, a
triste façanha de ter
sido o homem mais
procurado do planeta.
Até mesmo o Secretário
das Organizações das
Nações Unidas (ONU), o
coreano Ban Ki-moon,
demonstrou - hélas -
apoio ao resultado final
da lúgubre iniciativa.
Previsivelmente, algumas
vozes discordantes
partiram do governo
paquistanês, que não foi
consultado sobre a
realização da operação,
assim como da rede
terrorista Al Qaeda, que
jurou vingança pela
morte de seu líder
fielmente acompanhada
por outro grupo
extremista, isto é, o
Talibã.
É de lamentar, portanto,
que a tenebrosa promessa
já foi parcialmente
cumprida dado que um -
previsível - ataque
terrorista foi colocado
em prática, poucos dias
depois, às portas de um
quartel militar
paquistanês, redundando
na morte de cerca de 80
cadetes. Outros tantos
têm-se seguido deixando
sempre um rastro de
morte e destruição. É
óbvio que as forças do
terror devotadas a
implantar - à força - um
regime fundamentalista
no mundo não deverão
parar tão cedo e, em
consequência, outras
ações dessa natureza
deverão acontecer
ocasionalmente.
É também notório que
essa guerra não será
interrompida tão
brevemente, pois
ressentimentos e desejos
de retaliação abastecem,
de modo geral, os dois
lados. Por outro lado,
não há como negar que
Bin Laden colheu,
conforme prescrito pelo
dito popular, o que ele
próprio semeou, isto é:
ódio, intransigência e
desprezo à vida humana
que culminaram com a sua
própria desencarnação de
maneira violenta.
Querendo impor a sua
visão de vida, mundo e
valores, de maneira
tirânica, acabou, em
dado momento,
perdendo-se
completamente. Mais
grave ainda: inspirou ou
mesmo guiou os seus
asseclas a cometer ações
absolutamente bárbaras e
injustificáveis.
Contaminou com o seu
discurso radical e
belicoso mentes fracas e
corações empedernidos.
Ou seja, pessoas ainda
completamente
despreparadas para
aceitar a mais elementar
noção do bem ou de
respeito aos seus
semelhantes. Por isso,
as mortes de 3.000
pessoas ocorridas nas
ações terroristas de 11
de setembro de 2001 não
foram apenas um crime
brutal e isolado contra
um país, mas contra a
humanidade, contra a
ideia de diversidade de
crenças, opiniões e
estilos de vida. Enfim,
um crime contra a
liberdade de pensar e de
ser diferente. Afinal de
contas, indivíduos
pertencentes a 54
nacionalidades
sucumbiram
dramaticamente naquele
dia de triste memória
para a história deste
mundo. Em suma, o
Espírito de Bin Laden
haverá de lamentar
amargamente, consoante
as leis de Deus – se é
que já não começou –,
todo o mal que insuflou.
Em contrapartida, a
maioria de nós que
vivemos no Ocidente
recebeu – em algum
momento de nossas vidas
- algum tipo de
orientação religiosa
cristã. Com base nessa
premissa, desejamos
fazer algumas
considerações. A
primeira diz respeito ao
fato de que Bin Laden
foi, segundo os relatos
jornalísticos,
simplesmente
executado. Tirar a
vida de um ser humano de
maneira deliberada –
mesmo sendo o famoso e
cruel terrorista – não
se coaduna, em hipótese
alguma, com o ideal
cristão que grande parte
dos ocidentais receberam
nas suas primeiras e
básicas noções
religiosas. Em segundo
lugar, a equipe militar
do Seals - que
foi exaustivamente
treinada para a execução
da missão - poderia,
em tese, dominar o
líder da Al Qaeda sem
baleá-lo mortalmente.
Pelos relatos
divulgados, em meio às
escaramuças – se é que
elas, de fato,
aconteceram – Bin Laden
poderia ter sido ferido,
mas a sua execução
sumária foi, – assim
depreendemos, – uma
decisão tomada
antecipadamente. Dito de
outra forma, a equipe
militar americana –
chamada justamente de
a elite da elite
– penetrou na mansão
onde se escondia o líder
terrorista visando
apenas e tão-somente
eliminar a sua vida. Em
assim procedendo, as
forças militares dos EUA
não permitiram que o
responsável pelo ataque
que ceifou a vida de
centenas de pessoas de
tantas nações diferentes
– e que nada tinham a
ver com as incursões
político-militares
americanas ao redor do
mundo – pudesse ser
submetido a um
julgamento compatível
com os seus crimes na
isenta Corte
Internacional de Haia.
Desse modo, portanto, os
EUA – em que pesem toda
a dor, sofrimento e
angústia gerada pelas
suas perdas humanas e
materiais –
desperdiçaram uma chance
singular de mostrar ao
mundo que são uma nação
que se guia por
princípios
verdadeiramente
cristãos. Analisando
esse episódio do ponto
de vista Espírita, Allan
Kardec nos oferece um
interessante e
desafiador contraponto
ao explorar, na questão
nº 887 do Livro dos
Espíritos, a
recomendação do Cristo
para que amemos os
nossos inimigos. Com
efeito, a resposta dada
pelos Espíritos é digna
de reflexão – ou seja:
“Certo ninguém pode
votar aos seus inimigos
um amor terno e
apaixonado. Não foi isso
o que Jesus entendeu de
dizer. Amar os inimigos
é perdoar-lhes e lhes
retribuir o mal com o
bem. O que assim
procede se torna
superior aos seus
inimigos, ao passo que
abaixo deles se coloca,
se procura tomar
vingança” (ênfase
nossa).
E é exatamente esse o
ponto que queremos
destacar, pois, ao
aplicar a Lei do Talião,
a admirável nação da
América do Norte
perdeu uma ótima
oportunidade de
mostrar ao mundo –
inclusive aos seus
inimigos e desafetos –
que é capaz de atos
piedosos, compassivos e,
sobretudo, civilizados.
Tivesse deixado que uma
corte de juízes isentos
e sem nenhum viés
ideológico julgasse Bin
Laden – aliás, como já
se fez em outras tantas
oportunidades com
notórios criminosos de
guerra – exibiria uma
grandeza e dignidade
incontestes, exemplar e
paradigmática. Mais
ainda, provaria que não
compactua ou emprega a
barbárie em suas ações
militares. Teria, enfim,
contribuído
decisivamente para pôr
em cheque o mal que
advém da fé cega e
irracional. Não teria
estimulado ainda mais a
violência que varre
certas áreas do planeta
e que leva as pessoas
inocentes ao sentimento
de pavor e medo
incomensuráveis. Por
fim, não mitificaria a
figura do infeliz
malfeitor enquanto
disseminador do terror.
Por sua vez, Bin Laden
teria oportunidade de
pensar, no mínimo, nos
seus erros e excessos e
rever os seus ideais
religiosos. Como afirma
Allan Kardec na obra
Céu e Inferno: “A
punição é antes uma
advertência do mal já
praticado, devendo ter
por fim reconduzi-la ao
bom caminho [...].
Se uma alma se
arrepende, pode
regenerar-se, e podendo
regenerar-se pode
aspirar à felicidade”
(ênfase nossa).
Da forma como
desencarnou Bin Laden
contribuiu-se pouco ou
nada para a sua
elucidação espiritual.
Confinado numa cela, ele
certamente teria muito
material para meditar.