DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Homem tumultua e
atrapalha negócios no
templo
Quem sabe se o título
deste texto não seria o
mesmo de alguma manchete
de jornal, se a imprensa
tivesse sido inventada
antes de certa passagem
evangélica? Já ouvi de
alguns: “Paciência tem
limite, e até Deus não
teve paciência,
expulsando os camelôs do
Templo”. Imaginemos
Jesus, considerado Deus
segundo o “mistério” da
“Santíssima Trindade”,
furioso...
Jesus expulsou
comerciantes do Templo
de Jerusalém, derrubando
mesas de cambistas e
cadeiras de vendedores
de pombos, contam
autores do Evangelho.
Consoante eles, Jesus
teria dito que a Sua
casa, ou seja, o
principal templo de
Jerusalém, era “casa de
oração”, e não
“covil de salteadores”.
(1)
Expulsar significa a bem
dizer: “fazer sair por
castigo ou violência do
lugar onde estava”, de
acordo com o Novo
Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa.
Quem já viu na TV ou
presenciou fiscais da
prefeitura de São Paulo,
do Rio de Janeiro e de
outras cidades
brasileiras expulsar
camelôs das ruas, com o
apoio da tropa de choque
da polícia, sabe do que
falamos. Ora, quem
expulsa, e ainda por
cima derruba tudo pela
frente, não o faz com
ternura. Expulsar,
verbo transitivo direto
e circunstancial, não dá
ideia de um ato sereno.
A narrativa de Mateus e
de Marcos relata um
Jesus colérico contra um
bando de comerciantes
gananciosos que teriam
desrespeitado um lugar
sacro. (Lucas, conciso,
não descreve Jesus
derrubando sequer uma
mesa, uma cadeira.)
Um indivíduo
encolerizado é o que
reage feito bicho
furioso, voltando-se
contra tudo, descontando
na natureza bruta, em
objetos que despedaça, e
contra todos, aqueles
que o aborreceram. De
acordo com certo
Espírito Protetor,
trata-se de um “acesso
de demência passageira”
de quem assim reage.
(2)
Pessoas ponderadas,
calmas jamais terão
ataques momentâneos de
cólera por perder a
paciência em face de uma
contrariedade. O
colérico propende sempre
para esse desregramento
mental, que se movimenta
no limo oculto do ódio,
um dos mais abjetos
defeitos da natureza
humana.
Jesus assinou a própria
sentença
Mas por que Jesus teria
ficado tão indignado,
conforme narrativa dos
dois evangelistas? Bem.
Dizem historiadores,
pesquisadores dos
evangelhos, que o Templo
de Jerusalém era o
centro econômico,
político e religioso da
Palestina. Alegam que
Jesus teria provocado a
ira do clero e,
portanto, assinado a
própria sentença no
instante em que se
pronunciou contrário à
prática do ágio de 8%.
Esse ágio era cobrado
por cambistas, sob
anuência dos seus mais
ferrenhos inimigos,
durante o comércio de
datas especiais nas
dependências do Templo,
quando ali realizavam
diversas oferendas e
sacrifícios conhecidas
como o korbanot.
Sendo a procura maior
que a oferta,
tetradracmas
tírias eram
convertidas em moedas
correntes, moedas pagãs
cunhadas em Tiro,
Fenícia (hoje Líbano). E
não era só Jesus que
discordava: alguns
judeus, frequentadores
daquele mesmo espaço
religioso, também
reprovavam a compra e
venda da moeda, no
entender deles, “impura
e inflacionária”.
Alguns judeus achavam um
escândalo o fato de os
sacerdotes fazerem
vistas grossas à
referida transação.
Conforme historiadores,
os líderes religiosos do
Templo viam e fingiam
que não viam fazerem do
dinheiro oficializado a
moeda que numa face
mostrava a imagem de
Melkart, deus protetor
dos tirenses, e na
outra, a águia de
Júpiter, principal deus
dos romanos.
No tempo de Jesus, nas
comemorações de datas
religiosas, sobretudo na
Páscoa, chegavam a
imolar mais de 250 mil
cordeiros. Os fiéis eram
constrangidos a submeter
objetos de oferenda ao
“controle de qualidade
do Templo”, de acordo
com as regras de pureza
descritas no Livro de
Levítico. As oferendas,
tais como bois,
cordeiros, pombos, etc.,
eram sempre rejeitadas;
em verdade, o “controle”
era mais um procedimento
acintoso para forçar os
fiéis do Templo a
comprá-los de familiares
de sacerdotes ou de
comerciantes ligados a
eles. Por exemplo: um
pombo, o mais barato
artigo de oferenda,
tinha valor cem vezes
mais que o preço normal,
isto é, um denário
equivalente ao salário
pago por um dia de
trabalho.
Minha casa será chamada
casa de oração
Quanto a minha casa
será chamada casa de
oração, por que um
recinto tão luxuoso, de
tanta politicagem, de
tanta ganância como o do
Templo de Jerusalém,
situado no Monte Moriá,
também chamado Monte do
Templo, ao Norte do
Monte Sião, seria
necessariamente “casa de
oração” de Jesus? Além
do mais, Seus
adversários, os
vigários, os escribas e
os maiorais do povo dali
não desejavam matá-Lo?
(3)
A casa de oração de
Jesus representava o
Monte das Oliveiras ou a
residência de um amigo,
ou a de um simpatizante,
a margem de um lago ou
um cenário da natureza.
Com todo o respeito a
templos de quaisquer
religiões, de quaisquer
seitas e a sacerdotes,
Jesus nunca exigiu,
sequer insinuou louvores
a Ele em templo algum de
quem quer que seja. Os
homens é que inventaram
essas coisas, fazendo as
pessoas acreditarem que
templos majestosos,
altares e nichos
floridos seriam
imprescindíveis e
sacerdotes, homens
especiais, com ou sem
vestes talares
enfeitadas de ouro e
pedras preciosas, de
crucifixo pendurado no
pescoço.
Concluindo
Teria mesmo Jesus
hostilizado os
comerciantes do Templo
de Jerusalém? O bom
senso diz que não.
Atribuíram-No um
comportamento no mínimo
incoerente com a Sua
inteligência,
fraternidade,
afabilidade e doçura. O
Meigo Nazareno não
faria nada daquilo
contra os mercadores do
Templo, tampouco tomou
de um chicote como
mostra uma tela de El
Greco, do século 17;
Jesus também jamais
faria oposição de
interesses mundanos ao
clero da Sua época.
O Jesus até aqui
referido é exatamente
Aquele que proclamou:
“Bem-aventurados os
mansos, porque eles
possuirão a Terra”.
(4)
Para nós, Ele significa
a maior luz descida a
este mundo
(5),
o mesmo que estabeleceu
como lei a doçura, a
prudência, a mansuetude,
a benevolência e a
paciência. Não! O nosso
Jesus, não. Jamais o
Jesus dos espíritas
teria agido daquele
jeito, ainda que achemos
tremendo absurdo um
desrespeito fazer de
quaisquer espaços
religiosos um âmbito de
intolerância, de
hostilidades a pessoas,
a instituições, além de
lugar de interesses
políticos, de
falcatruas, de culto à
vaidade, de comércio em
benefício próprio ou de
um grupo.
Notas:
1)
Mateus, 21: 12 e 13;
Marcos, 11: 15-17;
Lucas, 19: 45 e 46.
2)
KARDEC, Allan. O
evangelho segundo o
Espiritismo.
Tradução José Herculano
Pires. 62. ed. São
Paulo, Lake
— Livraria Allan
Kardec Editora, 2001.
Capítulo 9.o , item 9,
p. 130.
3)
Marcos, 11:18.
4)
KARDEC. O evangelho
segundo o espiritismo.
Trad. J. H. Pires. 62.
ed. São Paulo: Lake
2001. Cap. 9, it. 1 a 5,
p. 127.
5)
KARDEC. O livro dos
espíritos. Trad. J.
H. Pires. 62. Ed. São
Paulo: Lake, 2001.
Questão 625, p. 223.
Visite o blog:
Pensamento &
Espiritualidade:
http://pensesp.blogspot.com/.