Carta paterna
Neio Lúcio
Meu filho, não
tinhas razão em
favor da cólera.
Vi,
perfeitamente,
quando o
velhinho se
aproximou para
servir-te.
Trazia um
coração amoroso
e atento que não
soubeste
compreender.
Deste uma ordem
que o pobrezinho
não ouviu tão
bem, quanto
desejavas.
Repetiste-a e,
porque novamente
te perguntasse
qualquer coisa,
proferiste
palavras feias,
que lhe feriram
as fibras mais
íntimas.
Como foste
injusto!...
Quando nasceste,
o antigo
servidor já
vencera muitos
invernos e
servira a muita
gente.
Enfraqueceram-se-lhe
os ouvidos, ante
as imperiosas
determinações
alheias.
Nunca refletiste
na neblina que
lhe enevoa o
olhar?
Adquiriu-a
trabalhando à
noite, enquanto
dormias,
despreocupado.
Sabes por que
traz ele as
pernas trêmulas?
Devorou muitas
léguas a pé,
solucionando
problemas dos
outros.
Irritas-te,
quando se demora
a movimentar-se
a teu mando.
Contudo, exiges
o automóvel para
a viagem de dois
quilômetros.
Em muitas
ocasiões,
queixas-te
contra ele. É
relaxado aos
teus olhos, tem
as mãos
malcuidadas e a
roupa não muito
limpa.
Entretanto,
nunca imaginaste
que o apagado
servidor jamais
encontrou
oportunidades
iguais às que
recebeste. Além
disto, não lhe
ofereces o
ensinamento
amigo e nem
tempo para
cogitar das
próprias
necessidades
espirituais.
Reclamas longos
dias para
examinar
pequenina
questão,
referente ao teu
bem-estar;
todavia, não lhe
consagras nem
mesmo uma hora
por semana,
ajudando-o a
refletir...
Respondes,
enfadado, quando
o velho
companheiro te
pede alguns
níqueis, mas não
vacilas em
despender
pequenas
fortunas com
amigos ociosos,
em noitadas
alegres, nas
quais te
mergulhas em
fantasioso
contentamento.
Interrogas,
ingrato: que
fizeste do
dinheiro que te
dei?
Esqueces que o
servo de fronte
enrugada não
dispôs de tempo
e recurso para
calcular, com
exatidão, os
processos de
ganhar além do
necessário e não
conseguiu ensejo
de ilustrar o
raciocínio com o
refinamento que
caracteriza o
teu.
Ah! meu filho,
quando a
impaciência te
visita o
espírito,
recorda que o
monstro da ira
indesejável te
bate à porta do
coração. E
quando a ele te
entregas,
imprevidente,
tuas conquistas
mais elevadas
tremem nos
alicerces. Chego
a desconhecer-te
porque a fúria
dos elementos
interiores te
alteram a
individualidade
aos meus olhos e
eu não sei se
passas à
condição de
criança ou de
demônio!...
Se não podes
conter, ainda,
os movimentos
impulsivos de
sentimentos
perturbadores,
chegado o
instante do
testemunho
cala-te e
espera.
A
cólera nada
edifica e nada
restaura...
Apenas semeia
desconfiança e
temor, ao redor
de teus passos.
Não ameaces com
a voz, nem te
insurjas contra
ninguém.
É
provável que
guardes alguma
reclamação
contra mim, teu
pai, porque eu
também sou ainda
humano. No
entanto, filho,
acima de nós
ambos permanece
o Pai Supremo, e
que seria de ti
e de mim, se
Deus, um dia, se
encolerizasse
contra nós?
Do cap. 27 do
livro
Alvorada Cristã,
de Neio Lúcio,
obra
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.