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Estudando as obras de Manoel Philomeno de Miranda
Ano 5 - N° 229 - 2 de Outubro de 2011

THIAGO BERNARDES
thiago_imortal@yahoo.com.br
 
Curitiba, Paraná (Brasil)
 

Grilhões Partidos

Manoel Philomeno de Miranda 

(Parte 4)

Continuamos a apresentar o estudo do livro Grilhões Partidos, de Manoel Philomeno de Miranda, obra psicografada por Divaldo P. Franco e publicada inicialmente no ano de 1974.

Questões preliminares

A. Que fato ocasionou a internação hospitalar de Ester? 

Após agredir em plena festa, sem motivo nenhum, o próprio pai, a jovem pôs-se a gritar, alucinada, sendo conduzida à força a seu quarto. Um médico presente prontificou-se a atendê-la. Foi-lhe apli­cado então um sedativo injetável de quase nenhum efeito imediato. Aplicou-se nova dose de calmante e, enquanto a festa se desmanchava de forma dolorosa, a família mergulhou num abissal mundo de aflições sem nome. Ester, ainda muito agitada, blasfemava e esbordoava moralmente o genitor, com expressões lamentáveis. Os verbetes infamantes escorriam-lhe dos lábios, insultuosos, ferintes, desconexos. A presença do pai mais a exaltava, como se fora acometida de loucura total, na qual se evidenciava rancor acentuado, de longo curso, retido a custo por muito tempo e que agora espocava de forma assustadora. Somente de madrugada, em estado de cansaço extenuante, Ester caiu em torpor agitado, sacu­dida de quando em quando por convulsões muito dolorosas, enquanto seus pais não compreendiam o que teria motivado tão tristes fatos. (Grilhões Partidos, cap. 1, pp. 28 e 29.)

B. Qual foi o diagnóstico médico do mal que acometeu a jovem Ester?

O diagnóstico foi esquizofre­nia, que, não obstante as excelentes experiências realizadas pelo psi­quiatra americano Dr. Sakel, em Viena, em 1933, prosseguia sendo dos mais complexos quadros da patologia mental, em suas quatro fases cí­clicas e graves: Autismo, Hebefrenia, Catatonia e Paranoia. (Obra citada, cap. 2, pp. 33 e 34.)

C. Que reação teve o pai de Ester ao receber do psiquiatra o diagnóstico?

Ante a informação prestada pelo psiquiatra, o pai de Ester fez-se taciturno e arredio. Intimamente ele não aceitava a conjuntura que o alcançava, absurda sob qualquer ângulo em que fosse examinada. Por mais reflexionasse, não alcançava as matrizes patológicas que justificassem o tormento que excruciava a filha. Ninguém, em sua família, fora portador de alienação mental de qualquer natureza. Seu lar sustentava-se sobre admiráveis bases de equilíbrio moral, emocional e econômico, e a jovem jamais revelara qualquer traço de desequilíbrio, insegurança ou neurose. (Obra citada, cap. 3, pp. 39 a 42.)

D. Diz o autor da obra que o caso de Ester parecia enquadrar-se na descrição que Kardec fez sobre a possessão espiritual. Que é que o Codificador do Espiritismo escreveu a respeito?

Nos seus estudos sobre a possessão, Kardec ensina (A Gênese, cap. XIV, item 48) que a possessão pode ser produzida por um bom Espírito ou por um Espírito mau: "Quando é mau o Espírito possessor, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe resistir. Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de ten­tar exterminá-lo, já por estrangulação, já atirando-o ao fogo ou a ou­tros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infe­liz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da lou­cura furiosa". (Obra citada, cap. 4, pp. 45 e 46.) 

Texto para leitura 

18. A agressão - Tudo ia bem na festa de Ester, que, convidada por seu pai, tomou posição junto ao piano, executando suave melodia de Brahms, delicada música de câmara, envolvente e enternecedora. O casal anfitrião não cabia em si de felicidade. De repente, porém, tudo mudou. Ester se perturbou momentaneamente, o corpo delicado pareceu vergar sob inesperado choque elétrico e ela se voltou, de inopino, fixando os olhos muito abertos, quase além das órbitas, no genitor. A jovem es­tava desfigurada: palidez marmórea cobria-lhe o semblante e, na testa maquilada, e por todo o rosto, o suor começou a porejar abundante. Es­ter ergueu-se algo cambaleante, fez-se rígida. O fácies era de pessoa tresloucada. Ninguém compreendia o que estava acontecendo. Foi quando a adolescente avançou na direção do pai, aparvalhado, sem ânimo de a acudir, e, sem maior preâmbulo, acercou-se dele, estrugindo-lhe na face ruidosa bofetada. O pai se ergueu, congestionado, e a filha o agrediu segunda vez. Armou-se tremendo escândalo. Algumas senhoras mais sensíveis puseram-se a gritar, e o coronel, atoleimado, revidou o golpe recebido, surpreendendo-se a si mesmo, ante gesto tão infeliz. Ester, alucinada, pôs-se a gritar, sendo conduzida à força a seu quarto. Um médico presente prontificou-se a atendê-la. Foi-lhe apli­cado então um sedativo injetável de quase nenhum efeito imediato. Aplicou-se nova dose de calmante e, enquanto a festa se desmanchava de forma dolorosa, a família mergulhou num abissal mundo de aflições sem nome. (Cap. 1, pp. 28 e 29) 

19. Desequilíbrio total - O desequilíbrio assumira proporções alarman­tes, porque Ester, muito agitada, blasfemava e esbordoava moralmente o genitor, com expressões lamentáveis. Os verbetes infamantes escorriam-lhe dos lábios, insultuosos, ferintes, desconexos. A presença do pai mais a exaltava, como se fora acometida de loucura total, na qual se evidenciava rancor acentuado, de longo curso, retido a custo por muito tempo e que agora espocava de forma assustadora. Somente de madrugada, em estado de cansaço extenuante, Ester caiu em torpor agitado, sacu­dida de quando em quando por convulsões muito dolorosas. A estranha agressão sombreou de pesados crepes a família surpreendida, transfor­mando em quase tragédia os festivos júbilos da noite requintada. Os convidados se foram, uns de forma discreta, outros tumultuados. E acompanhados apenas pelo médico da família, os anfitriões se recolhe­ram ao leito, profundamente aflitos no moral e fisicamente abatidos, em desfalecimento, sem compreenderem o ocorrido. (Cap. 1, pág. 29) 

20. Ester é internada - Examinando a problemática da subjugação obses­sional, ensina Kardec (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII, item 240): "No segundo caso (subjugação corporal), o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários". Ester não recobrou a lucidez e, apesar dos sedativos que lhe foram aplicados, as crises voltaram terrificantes, tornando-se a jovem espécie legítima da dese­quilibrada. Palavras obscenas e gestos vis repetiam-se ininterrupta­mente. Gritos e gargalhadas constantes terminaram por enrouquecê-la. Bastante pálida, com olheiras arroxeadas e manchas nas faces, Ester tinha os lábios escuros e uma expressão de olhar dura, sem luminosi­dade. Quando saía desse estado, parecia recobrar a razão, para desvai­rar outra vez, a mostrar que alguém a lapidava com longo relho de que não se conseguia evadir. Nesse ponto, tornava-se rubra e, observada mais detidamente, poder-se-ia verificar que alguns vergalhões lhe in­tumesciam a pele delicada e marcavam sua face. Logo retornava ao dese­quilíbrio, ao sarcasmo, e as ofensas se sucediam mordazes... O clínico explicou que, se houvesse recidiva, seria preciso convidar um especia­lista em doenças nervosas, pois tudo indicava tratar-se de uma crise histeropata, com agravantes para um longo curso. "Aquele –  dissera –  era o período da transição, em que se fixam os caracteres da persona­lidade e nos quais desbordam as expressões da sexualidade, em maior intensidade." E, como bom discípulo das doutrinas de Freud, teceu considerações sobre a libido e sua ação enérgica nas engrenagens da emo­tividade. O tratamento psiquiátrico teve início no próprio lar, sem que diminuíssem os sintomas do desequilíbrio ou se modificasse o qua­dro patológico. Ester estava cada vez pior, pois que recusava, siste­maticamente, qualquer alimentação. Três dias depois, sem que qualquer resultado fosse atingido, o psiquiatra aconselhou internamento em Casa de Saúde especializada, onde poderia aplicar técnicas próprias, a par do isolamento do grupo doméstico, em que, com certeza, estavam as cau­sas inconscientes dos traumas e distonias. (Cap. 2, pp. 31 e 32) 

21. O diagnóstico psiquiátrico - Um mês depois, a psicopata era fran­galhos. Ester reagia negativamente aos melhores recursos da moderna Psiquiatria. Em alucinação demorada, irreversível, dia a dia registra­vam-se distúrbios novos e, no monólogo da distonia, não cessava de re­ferir-se à vingança, à necessidade imperiosa de lavar a desonra com o sangue, à justiça demorada, ao desforço pessoal... A técnica do ele­trochoque, além de não produzir qualquer resultado, fê-la hebetada, o que poderia indicar um recuo da loucura, quando, em verdade, ante a impossibilidade de reações nervosas, em face das pesadas cargas rece­bidas, frenava temporariamente o desalinho psíquico. Sem formação re­ligiosa segura, os pais entregaram-se a orações formuladas por pala­vras que redundavam em exorbitantes exigências à Divindade, sem com isso conseguir lenir o coração na prece confortadora. Sem terem o há­bito superior da meditação, em que se haurem expressões de vida e paz indispensáveis ao equilíbrio orgânico, retornavam das experiências da prece com o espírito ressequido e o sentimento revoltado. Uma surda mágoa contra tudo e todos aumentava-lhes o aniquilamento íntimo. Feri­dos no orgulho e esmagados na suscetibilidade, passaram a experimentar sentimentos controvertidos em relação à própria filha, motivo da aflição que os compungia. Uma situação de apatia abateu-se sobre o lar de Ester, tal como já ocorria entre os médicos que a assistiam no Sanató­rio, até que veio o diagnóstico alarmante, irreversível: esquizofre­nia, que, não obstante as excelentes experiências realizadas pelo psi­quiatra americano Dr. Sakel, em Viena, em 1933, prosseguia sendo dos mais complexos quadros da patologia mental, em suas quatro fases cí­clicas e graves: Autismo, Hebefrenia, Catatonia e Paranoia. (Cap. 2, pp. 33 e 34) 

22. Porque o tratamento é às vezes inócuo - A loucura, apesar dos avan­ços obtidos, continua desafiador enigma para as mais cultivadas inte­ligências, porque os métodos exitosas nuns pacientes são inócuos  e às vezes perniciosos noutros. A razão, segundo o Espiritismo, é óbvia: a terapia aplicada, apesar de dirigida ao espírito (psique), não é con­duzida, em verdade, às fontes geratrizes da loucura –  o espírito re­encarnado e os que o martirizam, no caso das obsessões. A psicoterapia e os métodos psicanalíticos, como as orientações psicológicas, têm lo­grado, algumas vezes, resultados favoráveis, quando as causas da lou­cura, do desequilíbrio psíquico ou emocional são individuais ou ge­rais, psíquicas e físicas. Merece considerar, porém, os fatos em que se encontram presentes causas cármicas, aquelas que precedem a vida atual e que vêm impressas no psicossoma (ou perispírito) do enfermo, vinculado pelos débitos passados àqueles a quem usurpou ou prejudicou, ainda que mortos, pois eles apenas perderam a forma tangível, mas não se aniquilaram. Atualmente, graças ao Espiritismo, a alma humana, ou Espírito, é um ser perfeitamente identificável, com características e constituição próprias, que se movimenta à vontade e edifica o próprio destino, graças às realizações em que se empenha. Por conseguinte, a vida espiritual deixou de ser imaginária ou uma concepção ingênua, como antigamente se pensava. (Cap. 2, pp. 34 a 36) 

23. A necessidade da terapia espiritual - Ante a terapêutica da Psi­quiatria Moderna, que desdenha a contribuição dos conceitos filosófi­cos e religiosos, diz Manoel Philomeno de Miranda ser preciso evoque­mos o pensamento do Dr. Felipe Pinel, o eminente mestre e diretor de L' Hospice de la Bicêtre, a cuja audácia muito deve a ciência psiquiá­trica: `A higiene remonta exatamente aos tempos dos mais antigos filó­sofos'. "Isto, porque, da observação empírica à racional, –  assevera Philomeno –  nasceram as experiências de laboratório que, a princípio estribada em conceitos ético-filosóficos, resultantes do acúmulo de fatos, passou ao campo científico como estruturação da realidade..." Entretanto, o ceticismo nesse meio ainda impera. Não faz muito, o Dr. Wilde Penfield, do Instituto Neurológico de Montreal, realizando uma cirurgia cerebral com anestesia local, percebeu que, estimulando ele­tricamente determinados centros do encéfalo, fazia que a paciente re­cordasse lembranças mortas, como se as estivesse vivendo outra vez. Penfield concluiu, então, que a memória retém as lembranças por um me­canismo de impulsos elétricos encarregados de registrar todas as ocor­rências. Mais tarde, outros pesquisadores encontraram compostos quími­cos nas células dos nervos encarregados de tal mister, concebendo, as­sim, que tais arquivamentos eram fruto da presença desses compostos, já que os modestos impulsos elétricos, que se descarregam com facili­dade, não poderiam possuir durabilidade para conservar evocações de longa distância. Mas ninguém verificou aí a possibilidade de lembran­ças de outras vidas, igualmente impressas no cérebro, hoje largamente evocadas através da hipnose provocada como da recordação espontânea, testadas em diversos laboratórios. Dia virá, porém, em que a Doutrina Espírita se adentrará pelos Sanatórios, Casas de Saúde e Universida­des, libertando da ignorância os que jazem nos elos estreitos da escravidão de uma ou de outra natureza, sugerindo e aplicando a terapêu­tica espiritual de que todos precisamos para elucidar o próprio ser atribulado nos diversos departamentos da vida. (Cap. 2, pp. 36 e 37) 

24. O diagnóstico verdadeiro - Kardec, aludindo às causas anteriores das aflições humanas, assevera (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, item 6): "Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente". Essa informação, evidente­mente, era desconhecida do Coronel Constâncio Medeiros de Santamaria e sua mulher, para quem o desequilíbrio que vitimara Ester significava inominável tragédia. O fantasma do desespero rondava, portanto, a fa­mília vencida, em prostração moral indescritível e o tempo parecia transcorrer lentamente, traumatizante, desanimador. Ester não reagia a nada: atendida pelo eletrochoque, após a convulsão e o repouso, não retornava à lucidez, como seria de desejar. À prostração sucedia, surpreendentemente, maior tresvario. Ester fora educada com refina­mento e, por isso, jamais proferira expressões obscenas; agora, porém, esbordoava moralmente seu pai, com palavras vis e infelizes, qual se estivesse dominada por poderosa força inteligente que a governava, desgovernando-a. O médico estava surpreso, pois o caso da jovem lhe parecia ímpar, especial, visto que Ester mudava de características a todo instante, como se animasse diversas personalidades estranhas. A jovem reagia à convulsoterapia de forma negativa, e a terapêutica do sono não conseguira o êxito cobiçado. Recusava-se ainda à alimentação, como se estivesse com a boca impedida, sendo necessário obrigá-la a alimentar-se contra sua vontade. Em suma, as terapias aplicadas na­quele primeiro mês foram inócuas, quando não perniciosas. O médico deu ciência disso ao Coronel, informando haver pacientes que só apresenta­vam melhoras após um longo tratamento. A realidade, porém, era outra. O problema psíquico de Ester se enquadrava noutra diagnose, que em nada interessa ao academicismo vigente, porquanto diz respeito a ou­tras questões, como a vida espiritual, a sobrevivência post-mortem e a obsessão. (Cap. 3, pp. 39 e 40) 

25. A dor consumia os pais de Ester - Com a informação prestada pelo psiquiatra, o senhor Coronel fez-se taciturno e arredio. Intimamente ele não aceitava a conjuntura que o alcançava, absurda sob qualquer ângulo em que fosse examinada. Formado na Academia Militar, com exce­lente folha de serviços à Pátria e à Arma a que se dedicara, o genitor de Ester podia, aos 56 anos de idade, considerar-se uma pessoa feliz, até que acontecera aquela tragédia. Era ele consorciado em segundas núpcias com dona Margarida Sepúlveda de Santamaria, de tradicional fa­mília fluminense, após perder a primeira esposa, vítima de breve en­fermidade. D. Margarida, educada em elegante colégio carioca, era por­tadora de invejável cultura. Poetisa sensível, cultuava seus autores prediletos e os poetas românticos no original. Desde que se casara, fizera do lar o agradável tabernáculo dos saraus culturais entre ami­gos e admiradores do Romantismo, da literatura refinada. O transe, por isso, dilacerava-a mortalmente. Por mais reflexionasse, não alcançava as matrizes patológicas que justificassem o tormento que excruciava a filha. Ninguém, em sua família, fora portador de alienação mental de qualquer natureza. Seu lar sustentava-se sobre admiráveis bases de equilíbrio moral, emocional e econômico, e a jovem jamais revelara qualquer traço de desequilíbrio, insegurança ou neurose. Contemplar a filha desfigurada no leito do hospital constituía para sua mãe uma dor inqualificável. O Coronel, por sua vez, refletia revoltado, ante a cruel vicissitude em que se sentia emaranhado... Aquilo parecia um pe­sadelo. A filha adorada não poderia estar encarcerada num hospício! E aquele homem, que raras vezes umedecera os olhos no fragor da guerra de 44, surpreendia-se agora com as lágrimas abundantes, que extravasa­vam da ânfora do coração sob camarteladas contínuas. (Cap. 3, pp. 41 e 42)

26. A importância da fé e da humildade  - O sofrimento de D. Margarida e seu marido era indescritível. Não raramente eles saíam, abraçados, caminhando em frente ao mar, a meditar sobre os estranhos acontecimen­tos que os martirizavam. Quê não dariam, para poupar sua filha a tais padecimentos! Muitas vezes o Coronel, após inúteis peregrinações men­tais através dos meandros da lógica materialista, resmungava: "Deus não existe!". Essa ira mal contida e o desespero revoltado, todavia, mais lhe perturbavam a alma combalida, e o que se lhe afigurava pior, nos desvarios da filha alucinada, é que ele surgia na condição de al­goz impenitente, odiento, aterrador... Uma vez desejou vê-la, para le­nir-se um pouco e amenizar a saudade. Ao formular esse desejo ao mé­dico, que, evidentemente, não aquiesceu ao pedido, veio a saber, mais tarde, que Ester parecia adivinhar-lhe a cogitação, apresentando-se então mais transtornada, mais agressiva. O Coronel, na sua amargura, prometia a si mesmo: "Se ela morrer, suicidar-me-ei". Parecia aliviar-se com esse pensamento pernicioso, mas, na verdade, o infortúnio é mais sombrio quando se faz acompanhar dos sorvos contínuos do ácido da revolta. O homem orgulhoso reage negativamente quando penetrado pela verruma das Leis divinas, e imagina, erroneamente, que o autocídio lhe trará o conforto moral ante os padecimentos da vida, quando, na reali­dade, ele apenas os agravará, sem nada resolver. O homem forte nos em­bates externos somente afere as potencialidades quando luta sem quar­tel nos campos morais em que se consagra vencedor. Para isso, porém, a humildade e a fé constituem valores indispensáveis. Acostumado às altu­ras do prestígio e da bajulação requintada, o casal Santamaria não ti­vera tempo para as reflexões em torno do sofrimento, que não constitui patrimônio exclusivo da ralé e dos miseráveis. A religião deveria ter-lhe dito que ninguém vive na Terra em regime de exceção. As meditações que não foram experimentadas antes faziam-se indispensáveis agora, ao lado da resignação e da paciência. (Cap. 3, pp. 42 a 44) 

27. Ester é declarada incurável - Nos seus estudos sobre a possessão, Kardec esclarece (A Gênese, cap. XIV, item 48): "Quando é mau o Espí­rito possessor, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma mode­radamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bas­tante força moral para lhe resistir. Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de ten­tar exterminá-lo, já por estrangulação, já atirando-o ao fogo ou a ou­tros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infe­liz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da lou­cura furiosa". O caso de Ester parecia enquadrar-se perfeitamente na descrição acima feita pelo Codificador do Espiritismo. Os meses amon­toavam-se e a jovem não recobrara a razão. Seus olhos azulados e bri­lhantes de outrora possuíam agora expressão asselvajada num rosto pá­lido-cinéreo sem vida, despido da auréola dos cabelos, cortados à es­covinha, transmudada num autêntico espectro que sobrevive animado por ignota vitalidade. O desvario era-lhe então condição normal e, por isso, muitas vezes sua agressividade recebia dos servidores do hospi­tal a contrapartida, com bordoadas homéricas, com que supunham acalmá-la, enfraquecendo-a mais ainda. As equimoses e a falta de alguns den­tes, decorrência das repetidas cenas de pugilato, mostravam-na como uma megera. Como a família estava impedida de visitá-la e era impossí­vel qualquer diálogo, exacerbando-se-lhe o delírio especialmente quando alguém se referia a seu pai, Ester foi rotulada incurável e propositadamente esquecida, por dar mais trabalho aos enfermeiros. Philomeno refere-se, nesse sentido, às Casas de Saúde onde a dignidade profissional e a humana há muito desapareceram, arrastando consigo os sentimentos do amor, da piedade e da caridade. Muitas delas mantêm seus pacientes pelo que representam na receita orçamentária. Extor­quem, sem dar quase nada em troca. E ele adverte: "Quem se locupleta, todavia, com tais mercantilismos da saúde, da vida e da alma humana, volverá aos mesmos sítios, a expiar nas suas celas, regougando impro­périos, esgrouvinhado, em aturdimento inominável". (Cap. 4, pp. 45 e 46) (Continua no próximo número.)
 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita