Podia ser pior
Hilário Silva
O médium
Filgueiras era
espírita de
grande
serenidade.
Certa feita, um
amigo, que ele
não via desde
muito,
visita-lhe a
casa e, depois
das saudações
habituais, dá
notícias do
próprio
pessimismo.
Declara-se
ausente de toda
atividade
doutrinária.
Continua
espírita de
convicção, mas
afastou-se do
trabalho
mediúnico, da
leitura, das
sessões, das
preces...
Inquirido por
Filgueiras,
começou a
explicar-se:
–
Imagine você que
minha
infelicidade
começou quando o
meu sócio
conseguiu
furtar-me quase
tudo o que eu
possuía. Foi
terrível
desastre...
–
Mas podia ser
pior! – falou
Filgueiras,
preenchendo a
pausa da
conversação.
–
Em seguida,
estabeleci-me
com pequena
loja; no
entanto, meu
único empregado
ateou fogo a
tudo, após
roubar-me...
–
Podia ser
pior... –
atalhou
Filgueiras.
–
O azar não ficou
aí, pois, quando
me viu sem
qualquer
recurso, a
companheira me
abandonou,
buscando
aventuras
inconfessáveis...
–
Podia ser
pior...
–
Depois disso,
minha única
filha, aquela
que ainda se
mantinha ao meu
lado, ouviu as
insinuações de
um homem que a
seduziu,
desprezando-me
com amargas
palavras...
–
Podia ser
pior...
–
Por fim, meu
irmão, a única
pessoa que ainda
me dispensava
proteção e
carinho, foi
assassinado por
um salteador que
escapou à
cadeia.
–
Mas podia ser
pior... –
acentuou
Filgueiras,
calmo.
O
outro sorriu,
mal-humorado, e
objetou:
–
Ora essa! Que
podia ser pior?
Dois ladrões me
acabam com os
negócios, dois
malandros me
acabam com a
família e um
assassino me
acaba com o
único irmão...
Que podia ser
pior, Filgueiras?
O
prestimoso
médium abanou a
cabeça e
respondeu
calmamente:
–
Podia ser pior,
sim, meu amigo!
Podia ser você o
autor de tantos
crimes;
entretanto, cá
está conversando
comigo, de
consciência
purificada e
mãos limpas.
Sofrer dos
outros é, de
algum modo,
trilhar o
caminho em que
Jesus transitou,
mas fazer sofrer
os outros é
outra coisa...
O
amigo silenciou
e, ao
despedir-se,
rogou a
Filgueiras o
benefício de um
passe.
Do cap. 3 da
segunda parte do
livro Almas
em desfile,
de Hilário
Silva, obra
psicografada
pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco
Cândido Xavier.