Há muitos anos, procurou-me
uma senhora que eu não
conhecia, e que,
apresentando-se bastante
ansiosa, assim se
manifestou: “Eu tenho
mediunidade, porque eu vejo
espíritos de pessoas que já
morreram e que falam comigo.
Que devo eu fazer? Terei eu
uma missão?” .
Procurando me orientar pelas
obras basilares do
Espiritismo, cujos
ensinamentos são bastante
claros sobre o assunto,
assim lhe respondi: “Minha
irmã, missão todos nós a
temos, a de nos
transformarmos moralmente
para melhor e a de
colaborarmos na
transformação do mundo onde
vivemos (lembrava-me da
questão 132, de “O Livro dos
Espíritos”). Lembrei-me,
também, do próprio
testemunho do Codificador,
registrado no livro “Obras
Póstumas”, quando alguns
Espíritos, comunicando-se em
reuniões distintas,
aventaram a ideia de ele,
professor Rivail, estar se
desincumbindo de uma missão.
Então, assim que o professor
pôde estar em conversação
com seu guia maior, o
Espírito Verdade, ele fez
essa pergunta: “Bom
Espírito, desejaria saber o
que pensais da missão que me
foi assinada por alguns
Espíritos”.
E, entre outras informações,
o Espírito Verdade assim se
manifestou sobre sua missão:
“Ela não pode ser
justificada senão pela obra
realizada, e ainda nada
fizeste”.
Recordando essa passagem,
disse a tal senhora que,
para nós, os espíritas, um
missionário seria alguém que
já tivesse concluído uma
missão... E, também,
acrescentamos: “É importante
ressaltar que a mediunidade,
conforme orientação do
mestre lionês, não tem
caráter, podendo ser usada
por alguém para saciar um
prazer, de forma vulgar, ou
podendo ser usada, por essa
mesma pessoa, quando imbuída
de compaixão por outrem,
para aliviar um sofrimento”.
A narrativa de Arnaldo
Rocha, registrada no livro
“Chico Xavier – Mandato de
Amor”, editado pela União
Espírita Mineira, relata um
fato da vida de Chico que
exemplifica muito bem como a
mediunidade fica à
disposição do livre-arbítrio
de cada criatura.
Ouçamos a história:
“Nosso querido amigo há
muito claudicava. Doía-lhe
um pé. Dr. José Rocha,
médico vizinho e amigo, já
lhe ministrara medicamentos
sem, contudo, minorar seu
sofrimento. Dr. Rômulo, um
admirável gerador magnético,
já lhe havia aplicado
assistência fluidoterápica.
Eu, de minha parte, também
colaborara, dentro de minhas
limitações. Tudo de pouca
valia! As dores persistiam,
fazendo Chico manquitolar
horrivelmente. Os
funcionários da Fazenda
Modelo retornavam às suas
casas servindo-se de uma
charrete – ‘O Charretão’ –
puxada por dois belos
cavalos da raça Pocherrão. O
veículo adentrava a cidade
por uma rua onde se
localizava, então, o
meretrício.
Uma tarde, Chico e seus
companheiros, ao passarem
pelo ‘Biriba’ – designação
vulgar dada ao logradouro –
foram abordados por uma das
moças que habitavam o lugar.
E dirigindo-se a Chico,
disse:
- Venha até minha casa.
Preciso lhe falar.
Gracejos, motejos, risadas e
comentários infelizes
fizeram-se ouvir. Chico
desceu do carro, com
dificuldade, acompanhando a
moça até sua residência.
Todas as meretrizes que lá
viviam receberam-no com
profundo respeito,
oferecendo-lhe uma cadeira,
na qual Chico assentou-se.
A moça que o abordara trouxe
uma pequena bacia, com água
limpa. Humildemente,
pediu-lhe permissão para
descalçá-lo dos sapatos,
colocando seu pé doente
dentro da bacia. Segurando
raminhos de flores do campo,
a moça rezou e todas as
outras a acompanharam,
contritas. Ela molhava os
raminhos e os batia,
delicadamente, no pé de
Chico, repetidamente, por
várias vezes. Em seguida,
enxugou-o, beijou-o e o
calçou novamente.
Dois dias depois, chorando
de emoção, Chico contou-nos
o que presenciara na casa de
encontros. Através de sua
vidência, registrou que o
líquido da bacia foi ficando
escuro e lodoso, à medida
que a mulher banhava-lhe o
pé, fazendo com que a dor se
esvaísse lentamente. Para
todos os presentes, a água
manteve-se inalterada,
límpida, nada mudara.
Chico nunca mais sentiu tal
dor. A pobre meretriz, no
ato humilde, no gesto
simples, na bacia
insignificante e os raminhos
de mato, mais que nós
outros, colocara em sua
oração algo sublime e
operador de milagres: o
amor!”