DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Não pediu o Céu, quis
apenas ser lembrado
No Evangelho de Lucas,
capítulo 23, do
versículo 39 ao 42,
temos o seguinte trecho:
39 Um dos malfeitores
crucificados blasfemava
contra ele, dizendo:
– Não és tu o Cristo?
Salva-te a ti mesmo e a
nós também.
40 Respondendo-lhe,
porém, o outro o
repreendeu, dizendo:
– Nem ao menos temes a
Deus, estando sob igual
sentença?
41 Nós, na verdade, com
justiça, porque
recebemos o castigo que
os nossos atos merecem;
mas este nenhum mal fez.
42 E acrescentou: –
Jesus, lembra-te de mim
quando entrares no teu
reino.
Jesus lhe respondeu: –
Em verdade te digo que
hoje estarás comigo no
paraíso.
Levada a efeito a
crucificação de Jesus,
cumpriu-se também a de
dois homens: um à
direita e outro à Sua
esquerda. Lucas, ao
referir-se a eles,
denominou-os “os dois
malfeitores”; Mateus
chamou-os de “dois
ladrões” (Mt., 27:38);
Marcos narra o mesmo
episódio e cita-os: “os
que com ele foram
crucificados” e “o
insultavam” (Mc.,
16:32); João, por sua
vez, referiu-se a
“outros dois, um de cada
lado e Jesus no meio” (Jo.,
19:18), nada mais
referindo ao assunto.
Veja só: Marcos disse
que ambos “dirigiam
insultos a Jesus”. Na
versão de Mateus, no já
citado capítulo,
versículo 39, lê-se: “os
que iam passando,
blasfemavam dele [de
Jesus], meneando a
cabeça, dizendo: – ‘Ó tu
que destróis o santuário
e em três dias o
reedificas! Salva-te a
ti mesmo...’”.
A título de pinçamento,
a respeito desses dois
personagens, os ladrões,
em nenhum outro capítulo
da Bíblia há qualquer
outra referência. Pelo
menos, em nossa “edição
revisada e atualizada”
de exemplar de Bíblia,
não existe, e tudo
permanece consoante
citações acima entre
aspas. Vale dizer que um
deles foi canonizado por
“bom ladrão”, de nome
São Dimas, tendo o outro
o nome de Gestas que, é
claro, ficou com fama de
“mau ladrão”.
A Santa Cruz
E a pretexto de ilustrar
ainda mais, abordemos o
cumprimento de pena de
morte na cruz.
Pesquisadores de línguas
semíticas, especialistas
em grego e hebraico e em
tradução bíblica dizem
que esse objeto terrível
de tortura e morte
“santificado”, portanto,
reverenciado e ostentado
por muitos, em verdade,
era feito de uma árvore
de pequeno porte, a
“oliveira palestinense”.
A pessoa não ficava
suspensa em um madeiro
alto como apresentam
Cristo crucificado em
filmes, em crucifixos
pequenos e grandes nos
altares ou exibidos no
pescoço de uns, de
outros, ou em telas e
gravuras de renomados
artistas, haja vista uma
obra do século 17, de El
Grecco, A Crucificação.
Dá pra confiar?!
Em vista de tantos
diferentes registros, dá
pra confiar em todas as
narrativas evangélicas?
Não, não dá! Por
exemplo: não dá para
conciliar o malfeitor
que blasfemava e o outro
que o repreendia em
defesa de Jesus, da
narrativa de Lucas, com
os que com ele foram
crucificados e o
insultavam, da narrativa
de Marcos; com onde
crucificaram ele e mais
outros dois, um de cada
lado e Jesus no meio, da
narrativa d e João;
tampouco, com os que
passavam, diziam
blasfêmias, segundo a
narrativa de Mateus,
tradução de A Bíblia
Sagrada, de 1960,
“revista e revisada” por
João Ferreira de
Almeida.
Perguntemos também:
Jesus teria dito o que
disse? O relato de
Lucas, no cap. 23, nos
incita a gerar também
mais esta questão...
Ora, Lucas não era judeu
nem viveu no mesmo tempo
que Jesus. Tudo bem!
Qualquer escritor pode
perfeitamente escrever
sobre a vida de uma
pessoa sem conhecê-la,
tal como no caso de
Lucas em sua “acurada
investigação de tudo
desde sua origem” (Lc.,
1:1-3). Considerado
seguidor da segunda
geração, pelo menos o
evangelista teve a
boa-fé, a lisura de
declarar ter “ouvido dos
que lhe transmitiram,
desde o princípio, o
testemunho” (Lc.,1:3),
no prefácio do seu
evangelho escrito no ano
80.
Por outro lado...
Contradições à parte, o
registro do evangelista
em foco não deixa de ser
uma das mais lindas e
comoventes matérias do
Evangelho. Trata-se essa
passagem do perdão
irrestrito, a mais
sublime das virtudes e a
mais agradável a Deus,
segundo o que os
Espíritos ditaram a
Allan Kardec. Perdão,
segundo a Doutrina
Espírita, é caridade
moral, ápice e síntese
de toda a doutrina do
Mestre Nazareno, um dos
principais motivos de
sua vinda a este mundo.
Ao sentir a pureza e a
resignação de Jesus,
admitamos, quem sabe, se
o malfeitor não tenha
mesmo entendido a
tamanha injustiça dos
que condenaram o
Nazareno? No entanto, se
Jesus prometera algo,
não foi a entrada do
malfeitor no “reino dEle”;
por sinal, ele nem pediu
isso; recordemos o “bom
ladrão” pedindo apenas
para ser lembrado...
Deus, segundo o
Espiritismo, sempre
perdoa. O Deus dos
espíritas não condena o
descrente nem o mau, o
ingrato, o injusto; mas
deseja a sua
regeneração, ou salvação
moral de sua vida, e
isto não se consegue
falando da boca pra
fora. A primeira
providência do remorso é
o arrependimento sincero
comprovado na mudança de
conduta.
Não acredite em
arrependidos que não
confirmem a dor do
remorso pela ação
regenerante do reparo,
meu prezado leitor ou
minha prezada leitora! O
perdão divino não
transige com homenagens
idólatras, com inércia
irresponsável, enfim,
com as trevas, daí, os
sofrimentos expiatórios
pelos danos causados à
sociedade, ao próximo,
aos mais próximos,
tomados por “castigos
divinos”. Deus não
castiga, e o que há são
corrigendas que
aperfeiçoam, e só
através delas é que
conquistaremos os planos
mais altos da
espiritualidade.
Ovelha perdida
Quem poderá ignorar
aquela bendita parábola
do cap. 18, vers. 12 a
14, segundo Mateus, e em
Lucas, 15, vers. 3 a 7,
a da “ovelha perdida”?
Nela, aí sim, está claro
e de acordo com o
pensamento inteligente e
legítimo de Jesus, ao
referir-se ao amor de
Deus pelos filhos
descaminhados:
Qual, dentre vós, é o
homem que, possuindo cem
ovelhas e perdendo uma
delas, não deixa no
deserto as noventa e
nove e vai em busca da
que se perdeu, até
encontrá-la? Achando-a,
põe-na sobre os ombros,
cheio de júbilo (...).
Digo-vos que assim
haverá maior júbilo no
céu por um pecador que
se arrepende, do que por
noventa e nove justos
que não necessitam de
arrependimento.
Ainda assim, à
mencionada “promessa” de
Jesus, em verdade te
digo que hoje estarás
comigo no paraíso,
muitos se apegam. A fim
de sustentarem a ideia
da “salvação pela fé”,
mantêm o dogma dos
sofrimentos eternos,
negam a lógica da
preexistência da Alma, a
lei de causa e efeito e,
por conseguinte, a de
reencarnação, o que
deturpa e anula os
verdadeiros atributos do
Altíssimo.
Conclusão
Se Jesus prometeu mesmo
o paraíso, segundo
relato de Lucas, sequer
Ele daria a entender que
os antecedentes
criminais e todos os
defeitos do malfeitor
estariam zerados, apesar
daquelas comoventes
palavras. Sim! Não foi o
próprio Jesus que disse
ter vindo ao mundo para
cumprir a Lei e os
profetas, e não para
descumpri-las?
Que existem
interpolações dos que
traduzem, revisam e
atualizam a Bíblia
Sagrada, ah!, isso
existe! Uma coisa é
certa: o Jesus que os
espíritas sinceros
conhecem, mais que isto,
compreendem, por isso O
amam, jamais diria ou
faria algo contrário à
Lei de Causa e Efeito,
lei de Deus. Se nessa
passagem do capítulo 23,
versículo 43, aconteceu
tal como conta Lucas, o
bom senso nos indica
que, certamente, Jesus
teria respondido de
outro jeito ao
malfeitor: Em verdade te
digo hoje: estarás
comigo no paraíso.
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