Romance
na vida
Alphonsus de Guimaraens
No campo, em que o luar
engrinalda a escumilha
(1),
O par freme de amor, a
noite dorme e brilha.
Ele, o poeta aldeão, era
humilde pastor;
Ela, a fidalga, expunha
a mocidade em flor.
Ao longe da mansão,
quantos beijos ao
vento!…
Quantas juras de afeto à
luz do firmamento!
Em certa noite, a eleita
envia antigo pajem
Que entrega ao moço
ansioso imprevista
mensagem.
“Perdoe – a carta diz –
se não lhe fui sincera
Desposarei agora o homem
que me espera.
Nunca deslustrarei o
nome de meus pais.
Nosso amor foi um sonho…
Um sonho. Nada mais.”
Chora o moço infeliz,
sem ninguém que o
conforte,
Surdo à razão, anseia
arrojar-se na morte.
Corre à choça de taipa.
A gesto subitâneo,
Arma-se em desespero e
arrasa o próprio crânio.
Foi-se o tempo… E, no
Além, o menestrel
suicida
Era um louco implorando
um novo corpo à vida.
Um dia, a castelã, no
refúgio dourado,
Morre amargando, aflita,
as lições do passado.
Pendem alvos jasmins do
féretro suspenso,
Filhos clamam adeus em
volutas de incenso.
Largando-se, por fim,
dos enfeites de prata,
Sente-se agora a dama
envilecida e ingrata.
Lembra o campo de
outrora e o pobre moço
aldeão,
Pede para revê-lo e
rogar-lhe perdão.
Encontra-o, finalmente,
em vasta enfermaria,
Demente, cego e mudo em
angústia sombria.
Ela suporta em pranto a
culpa que a reprova,
Quer voltar para a Terra
e dar-lhe vida nova.
A eterna Lei de Amor no
amor se lhe revela,
Retorna ao corpo denso
em aldeia singela.
Hoje, mãe a sofrer,
fina-se, pouco a pouco,
Carregando no colo um
filho mudo e louco…
E enquanto o enfermo
espraia o olhar triste e
sem brilho,
Ela vive a rogar: “Não
me deixes, meu filho!…”
O romance prossegue e os
momentos se vão…
Bendita seja a dor que
talha a perfeição.
(1)
Engrinalda significa:
adorna, enfeita, alinda,
atavia. Escumilha quer
dizer: tecido muito fino
e transparente, de lã ou
de seda; gaza, gaze.
Do livro Na Era do
Espírito, obra de
Francisco Cândido
Xavier, J. Herculano
Pires e Espíritos
Diversos.
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