MARIA ENY
ROSSETINI PAIVA
menylins@terra.com.br
Lins, SP
(Brasil)
Pureza e
impureza -
concepções ao
longo
da
história
Comentários
inspirados no
livro
Evolução
Espiritual do
Homem,
de
Herculano Pires
Herculano Pires,
o autor espírita
cuja obra,
infelizmente, é
pouco estudada
nos dias de
hoje, dignifica
a Doutrina, um
espírito de
escol. Seu
interessante
estudo sobre
“Pureza e
Impureza na
concepção
espiritual da
vida” em um
pequeno livreto,
“Evolução
Espiritual do
Homem” (Editora
Paideia), merece
análise
detalhada.
Começa o autor
dizendo que a
pureza “nasce
das relações
sensoriais e
portanto
epidérmicas do
homem com as
coisas e os
seres”. A
sensação
desagradável e
repugnante
determina esse
conceito. Limpo
é o que alivia,
dá prazer,
produz sensação
agradável. O
desagradável
determina a
impureza das
coisas. Essa
sensação é que
desencadeia a
ideia de puro e
impuro.
A razão, como
compreensão
dessa sensação
primária, surge
depois, e tenta
modificar os
conceitos
inicialmente
estabelecidos
pelos sentidos.
Certa vez, um
médico me disse
que se um índio
passar mal com
um alimento,
mesmo que lhe dê
prazer comê-lo,
esse alimento
será considerado
impuro para ele,
que não deverá
comê-lo mais. É
o instinto de
preservação. Sem
conhecer sequer
o termo alergia,
instintivamente,
e mesmo por
experiências
anteriores, os
“pajés” sabem
que o alimento
poderá, se
ingerido,
tornar-se danoso
ou fatal. A
experiência e a
racionalidade
alteram o
conceito
sensorial de
alimento puro e
impuro.
O problema maior
aparece quando o
critério
religioso
tenta alterar
essa base
natural e
segura. As
exigências do
conceito de
sagrado, e os
preceitos de
santificação,
estabelecidos
ainda nas fases
tribais da
evolução humana,
criam o absurdo,
o doentio e o
bizarro.
Nas fases
iniciais da
evolução humana,
muitos conceitos
surgem
simplesmente de
determinações de
“pajés,
feiticeiros,
pitonisas, ou
outros tipos de
liderança
“mediúnica”, ou
baseados em
poderes anímicos
que resolvem
estabelecer, por
instinto,
“revelação” ou
visão doentia de
mentes “não
muito
equilibradas”, o
que é puro e o
que não o é.
Estabelecem
essas lideranças
o puro e o
impuro, rituais
de santificação,
que nem
sempre têm
por objetivo
auxiliar a vida
e disciplinar a
utilização das
faculdades
humanas.
Na fase das
grandes
civilizações
centralizadas no
poder imperial,
real, ou
sacerdotal, como
no Egito, em
Roma e na
Antiguidade, os
conceitos de
puro e impuro
estão ligados a
rituais de
purificação
estabelecidos
por sacerdotes
com objetivos
também de manter
o poder e
aumentar a
riqueza da casta
sacerdotal que
dominava o
estado, como no
Egito e na
Índia. Até hoje,
na Índia, impuro
é o pária. Se um
pária esbarrar
em você, você
tem que
solicitar a
presença de um
sacerdote da
casta bramânica
para limpar toda
a família com
rituais de
purificação. É
claro que eles
custam caro,
como não? Só
esses sacerdotes
podem fazer o
ritual certinho,
com as palavras
milenares e bem
colocadas,
senão, não
valerão...
Na época de
Jesus havia
muitos rituais
de purificação.
Para purificar
imolavam-se
pombos,
carneiros,
garrotes, que
eram queimados
para que as
“narinas de
Jeová se
satisfizessem
com o cheiro de
carne”. Claro,
esse comércio,
feito com
dinheiro do
Templo, rendia
muito, e ainda
parte das carnes
dos sacrifícios
ficava para
quem os faziam,
conforme a Lei,
para
alimentar os
“donos da
religião” e à
sua família.
Afinal, a carne
sempre foi muito
cara e restrita
às classes mais
ricas.
Em Roma, os
Espíritos
malignos tinham
que ser
afastados por
procissões, dos
ancestrais,
cujas efígies
eram carregadas
em andores, como
nas procissões
católicas.
Assim, Herculano
nos explica. É
fácil concluir
que a impureza
nos contaminava
a todos, pelas
crenças
difundidas pelos
que nos
deveriam
esclarecer.
Então eram
exigidos ritos
de purificação,
para nos enganar
e explorar.
É interessante
verificar que
nessa fase, como
na fase tribal,
o desequilíbrio,
o desejo de
poder, o orgulho
dos que “podiam
conversar com os
deuses e
Espíritos”,
estabeleceram
que a relação
sexual era
impura. Mas os
deuses, claro
que obedecendo
os rituais dos
feiticeiros e
depois
sacerdotes,
podiam torná-la
pura.
Certa vez
perguntei a um
amigo meu,
psicólogo
social, com
todos os títulos
universitários,
por que os
religiosos
implicam tanto
com um ato tão
bonito e natural
como o ato
sexual. Ele
sorriu
matreiramente e
falou com
simplicidade: “É
que o sexo é uma
grande fonte de
poder, entre os
seres humanos. O
prazer
compartilhado
gera poder entre
os parceiros.
Quem domina o
seu sexo, domina
você. Os líderes
religiosos
perceberam isso
muito cedo, na
história do
homem. Daí
estabelecerem a
impureza do ato
sexual, a não
ser quando
consagrado por
eles”.
Com certeza,
tinha razão meu
amigo. Os
religiosos ao
longo da
história têm
feito do sexo um
problema. A
virgindade era
pura e sagrada.
Tão-somente
virgens mães
podiam, quando
fecundadas por
um deus, ter um
filho especial,
um semideus ou
uma criatura
superior. Tal
era a lenda que
cercava
Pitágoras. As
virgens podiam
gerar messias e
profetas. As
mulheres
normais, que se
consorciavam com
homens comuns,
não. Em Roma, o
culto ao Deus
Apis, exigia a
castração dos
homens para
serem
sacerdotes. E
pasmem: havia os
que se castravam
publicamente, em
cerimônias de
sangue, onde o
boi Apis,
sacrificado em
um tablado,
recebia a
castração de
seus novos
sacerdotes feita
sob o sangue
dele, em baixo
desse mesmo
tablado. As
vestais do
Templo de Vesta
deveriam
permanecer
virgens até os
30 anos, e se
quebrassem essa
obrigação eram
enterradas
vivas.
Por outro lado,
havia os cultos
fálicos. As
casas romanas
tinham em seus
pórticos uma
representação do
órgão sexual
masculino,
símbolo de
fertilidade e
virilidade que
traria
prosperidade
para a família.
“A prostituição
sagrada existia
oficiada nos
templos de
Vênus,
dignificando as
prostitutas”,
esclarece-nos
Herculano, e nos
fala de Afrodite
cultuada desde
os sumérios, com
atos sexuais
sagrados em seus
altares. Havia
ainda as
bacanais e
saturnais das
quais nos restam
ainda hoje as
festas do
carnaval. As
bacanais eram
festas gloriosas
com as quais os
homens
homenageavam
Baco, e as
orgias nas
festas agradavam
todo o Olimpo.
Conviviam,
assim, as
proibições e
castrações
sexuais, os
mitos da
virgindade, com
as orgias e atos
sexuais
sagrados, mas,
notemos bem,
todos sob o
domínio dos
sacerdotes, que
então utilizavam
os mitos e
rituais sobre as
pulsões
naturais, sempre
com objetivo de
manter e
expandir o seu
poder e riqueza.
Não apenas
no Ocidente, nas
no Oriente há
lendas dos
deuses e mitos
que resumem os
mesmos
preconceitos e
crenças. O
próprio Buda
nasce de uma
flor de Lótus,
certamente
porque nem mesmo
uma virgem
poderia ser
digna de parir o
Iluminado.
Era natural,
assim, que essa
incoerência e
essa confusão se
imiscuíssem no
Cristianismo
nascente, em que
podemos
encontrar todas
essas tendências
de castração do
sexo e de
liberalização
nas diferentes
heresias
perseguidas e às
vezes dizimadas
com violência
pela Igreja nos
primeiros
séculos. As
mesmas crenças e
mitos romanos e
egípcios são
adaptados ao
Evangelho, como
nos explica
Herculano Pires
em seu magnífico
livro “O
Espírito e o
Tempo”. Mas
foram as
tendências de
horror à
matéria,
proibição do
prazer e
exigência de
castração, não
de fato, mas nos
votos de
castidade, que
venceram as
batalhas
travadas ao
longo dos
séculos e se
impuseram no
cristianismo da
Igreja e também
nos diversos
evangelismos.
O
evangelismo
dignifica o
casamento, não
aceita o voto de
castidade, a não
ser antes do
casamento.
Sempre se exige,
porém, as
bênçãos dos
homens de Deus,
e ainda se faz
da religião uma
profissão que
tenta as
“ambições
secundárias” e
faz surgir uma
chusma de “novos
profetas”, como
nos fala o
Codificador ao
nos explicar a
dominação
exercida pelas
religiões. Cap.
I de A Gênese,
item 8.