ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
Capital espiritual:
algumas considerações
Os tempos atuais são
cruciais para fazermos
algumas indispensáveis
reflexões. Registra a
história que a criatura
humana viveu – salvo
raros períodos de
normalidade – assolada
por graves eventos e
acontecimentos. De modo
geral, a experiência
humana nesse orbe tem
sido marcada pela dor e
sofrimentos lancinantes.
Apesar dessa triste
constatação, não há
evidências de que
tenhamos já aprendido o
suficiente para banir
certos fenômenos
dolorosos da nossa
jornada. Embora já
tenhamos alcançado um
novo milênio, antigos e
persistentes
padecimentos – típicos
de almas profundamente
desajustadas e, por
extensão, devedoras
perante as leis divinas
– ainda brotam de nós.
Assim sendo, a grande
maioria continua
seguindo uma trajetória
errante resultante da
sua própria inanição
espiritual. É verdade
que já se vislumbra o
poder da luz, afinal, o
plano espiritual tem
sido extremamente
generoso no envio de
advertências
consentâneas,
recomendações salutares
e recursos benéficos. No
entanto, ainda falta à
maioria a firme
disposição para
abraçá-la com todas as
forças do ser. Como
avançar na senda do
progresso e da perfeição
do Espírito sem
apresentar o firme
propósito? Simplesmente
impossível.
O certo é que ao
transpor os umbrais da
morte levaremos – todos
absolutamente – o
patrimônio da alma
amealhada ao longo da
encarnação. Tudo mais
continuará – afetos,
valores e bens materiais
– por aqui. Dito de
outra forma, nós
levaremos daqui apenas e
tão somente os
sentimentos que nos
envolvem, os pensamentos
que nos inspiram e a
lista de feitos ou
omissões que ficarão,
por assim dizer,
imantadas ao nosso ser
na sede da consciência
de cada um como seu
capital espiritual.
Entretanto, publicações
internacionalmente
reconhecidas continuam
atribuindo exagerada
importância aos rankings
da riqueza material e do
poder. Aliás, há pouco
tempo, consagrada
revista nacional
abordava a ascendente
trajetória de conhecido
empresário brasileiro,
bem como a sua ânsia de
ser o mais rico do mundo
e de não temer mostrar
as suas idiossincrasias.
Mais ainda: a mesma
publicação informava
sobre o crescente número
de pessoas – cerca de
145.000 se enquadram
presentemente nessa
categoria – que estão
entrando no clube dos
milionários no Brasil
(algo como 19 cidadãos
por dia ou quase um por
hora).
Quanto a tal fenômeno,
um respeitável
jornalista escreveu:
“Ouvimos que isso é um
bom sinal para o Brasil,
e provavelmente é.
Sociedades não ficam
mais ricas sem que
aumente o número de
ricos; também é verdade
que, se todos os 145.000
milionários brasileiros
(ou seja lá quantos
forem) sumirem de
repente, por uma
portaria do Ministério
da Fazenda, nem um
pobre, um único que
seja, deixará de ser
pobre”. Nesse sentido,
vale aqui lembrar o
pertinente comentário
proferido por Jesus
Cristo: “É mais fácil
passar um camelo pelo
fundo de uma agulha, do
que entrar um rico no
reino de Deus” (Marcos,
10: 25). Ao assim se
pronunciar Jesus de
maneira tão contundente,
sabia perfeitamente que
os ricos têm grande
dificuldade de
compartilhar. E é
exatamente na riqueza –
que eles têm
considerável facilidade
em ajuntar – em que
reside a maior prova
para eles mesmos.
Enquanto isso, pouco ou
quase nada se fala a
respeito do capital
espiritual ou temas
correlatos. Será que é
por que se trata de algo
de difícil mensuração?
Talvez. No entanto,
todos percebem quando
alguém é rico nessa
dimensão. Será que se
trata de algo tão
complexo que se torna
difícil de ajuntá-lo no
dia-a-dia? Francamente,
não há razões
consistentes para se
pensar assim. É sempre
admirável ver uma pessoa
que se notabiliza pela
sua sensibilidade, senso
de solidariedade,
empatia, honestidade e
genuína preocupação com
o bem-estar do seu
semelhante e não somente
pelo tamanho da sua
riqueza material.
Um exemplo ilustrativo
do que tentamos retratar
foi dado recentemente
por um empresário
australiano. Segundo o
noticiário, 1.800
funcionários de uma
empresa de ônibus na
Austrália foram
surpreendidos com um
dinheiro extra nas suas
respectivas contas
bancárias. O autor dessa
inusitada façanha foi o
empresário do setor de
transportes, Ken Grenda,
que vendeu a empresa de
ônibus por mais de R$
700 milhões.
Numa autêntica e
elogiável demonstração
de generosidade, Ken
Grenda resolveu
distribuir boa parte
desse dinheiro para os
funcionários. Desse
modo, cada motorista e
cobrador recebeu, em
média, R$ 16 mil. Os
mais antigos chegaram a
ganhar R$ 200 mil.
Surpreendidos, muitos
dos funcionários
chegaram a ligar para o
banco para saber se
havia ocorrido algum
erro. Segundo o filho do
empresário, o gesto foi
um reconhecimento pelo
trabalho duro e pela
dedicação de todos. Além
disso, com a venda da
empresa, ninguém perdeu
o emprego. Os
funcionários vão ser
mantidos na firma, mas
agora sob nova direção.
Ouvir ou ler notícias
como a acima descrita é
algo raro. Mas quando
são divulgadas causam
uma sensação gostosa de
alívio, júbilo e
alegria. Afinal, a
mensagem implícita é
simplesmente: nem tudo
está perdido, apesar das
misérias humanas. Tal
conclusão nem poderia
ser diferente, se é que
se acredita em Deus.
Felizmente, há pessoas
encarnadas em várias
partes do planeta –
suspeitamos que elas
constituam uma minoria
ainda – realmente
interessadas em ir além
dos interesses puramente
materiais. Ou melhor:
gente que usa os
benefícios da posição
que ocupa na sociedade
para espalhar o bem,
distribuir consolo e
reconhecimento aos mais
infortunados.
Fundamentalmente, tais
pessoas nos dão a
esperança de que o que
fazem com o coração se
torne algo comum, com
efeito multiplicador,
pelo exemplo
extraordinário que
representam.
Indubitavelmente, são
agentes de Deus e da
transformação para
melhor que o planeta
agora veementemente
reclama. Já nos
recomendava Jesus, com
muito acerto, aliás:
“Não ajunteis tesouros
na Terra, onde a traça e
a ferrugem tudo
consomem, e onde os
ladrões minam e roubam;
Mas ajuntai tesouros no
céu, onde nem a traça
nem a ferrugem consomem,
e onde os ladrões não
minam nem roubam”
(Mateus, 6: 19-20).
Em outras palavras,
enfatizava Jesus sobre a
necessidade de
desenvolvermos o nosso
capital espiritual. E o
momento presente requer
– de todos nós – extrema
atenção para essa
tarefa. O mestre deixou
entrever que o capital
espiritual é a nossa
própria luz. É um
patrimônio intangível e,
por isso mesmo,
dificilmente observável
pelo indivíduo menos
atento. De modo geral, a
importância do capital
espiritual não é
divulgada pela imprensa
e a sua relevância é
tampouco tema dos
programas de TV. Mas há
sólida evidência de que
a humanidade precisa
muito desenvolvê-lo.
Seria um equívoco
imaginar, por outro
lado, que se trata de um
“ativo” circunscrito
apenas e tão-somente aos
mais endinheirados. Ledo
engano. Diferentemente
do capital material este
é acessível a todas as
criaturas humanas. Não
importa a religião que
professem – se é que a
têm; não importa a
aparência que ostentem;
não importa o que tenham
em suas contas bancárias
ou que possuam em termos
de haveres monetários;
não importa, enfim, qual
o gênero a que pertençam
e nem a idade que
apresentem. Na verdade,
todos podem e devem
arregimentá-lo ao longo
da vida, basta apenas
firme vontade e desejo.
É definitivamente a
única coisa de valor que
levaremos dessa dimensão
em que nos encontramos.
É com esse capital que
um dia nos
apresentaremos perante a
espiritualidade. Na
condição de volumoso,
certamente será fruto de
lutas renhidas
empreendidas ao longo de
sucessivas existências
nas quais ecoou o
sincero propósito de
sermos perfeitos como o
Pai celestial. Na
possibilidade de
diminuto, é porque não
conseguimos nos despojar
das imperfeições e
debilidades espirituais
que nos acompanhavam.
Mas se ele for, por fim,
inexistente, é porque
não tivemos forças e
disposição para tentar
dar alguns passos.
Seja como for, será com
apenas esse capital que
retornaremos à pátria
espiritual.