MARIA ENY
ROSSETINI PAIVA
menylins@terra.com.br
Lins, SP
(Brasil)
O reino de Deus,
na visão do
filósofo
Herculano
A
proclamação do
reino
“O que pensa que
o Reino está
longe terá que
andar muito para
encontrá-lo, mas
o que sabe que o
Reino já está
aqui mesmo, ao
nosso lado, já o
traz dentro de
si. Ai, porém,
do que pensar
que o Reino já
está nele e
deixar de
buscá-lo!" -
Herculano Pires,
(Ir. Saulo) no
Aviso ao Leitor,
que inicia o
livro O REINO.
Sempre que
releio alguma
obra de
Herculano Pires,
fico pensando
como faz falta o
seu pensamento
lúcido, poético,
racional,
filosófico, nos
estudos das
Casas Espíritas.
Como seu estilo,
embasado em sua
veia literária,
de uma beleza às
vezes comovente
e sempre
elegante e
profunda, ainda
não foi superado
por nenhum autor
espírita!
Deteve-se, um
grupo de estudos
em que faço
parte, na
análise de seu
livro O Reino em
que ele assina
Irmão Saulo,
pseudônimo que
utilizava em
suas obras
inspiradas. É um
poema.
No entanto,
quanta
profundidade!
Os teólogos
católicos, que
criaram a
Teologia da
Libertação,
lembram-nos de
que a principal
mensagem do
Evangelho é a do
REINO DE DEUS.
Há no Evangelho
mais de uma
centena de
passagens onde
Jesus fala sobre
o Reino. E
apenas três ou
quatro em que
fala da Igreja,
que para eles é
a herdeira única
do Cristo. O
Livro dos
Espíritos, mais
de uma centena
de anos antes
dessa Teologia
muito
esclarecida, já
nos dizia que
esse é o
objetivo do
homem: Instaurar
na Terra uma
sociedade que
seja a sonhada
por Jesus em seu
Evangelho, ou
seja, O Reino de
Deus. (Ver
questão 1018 de
O Livro dos
Espíritos.)
No capítulo A
Proclamação do
Reino, Pires
cita Isaías, de
cujas palavras
Jesus se serve
para anunciar,
na modesta
Sinagoga de
Nazaré, que, na
sua pessoa,
aquelas palavras
se cumpriam.
“O espírito
do Senhor está
sobre mim, pelo
que me ungiu
para anunciar
a Boa Nova aos
pobres.
Enviou-me para
proclamar a
libertação dos
cativos e a
restauração da
vista aos cegos,
para pôr em
liberdade os
oprimidos e
apregoar o Ano
Aceitável ao
Senhor." -
Isaías,
6:1; 2 e Lc,
4:18.
É comum
ouvirmos e
lermos sobre o
Reino de Deus em
nós, e poucos se
detêm, como
Herculano, na
análise dessa
Proclamação.
Ninguém sabe o
que era para o
judeu o Ano
Aceitável ao
Senhor.
Herculano
explica isso no
capítulo A
PROCLAMAÇÃO.
Depois de nos
dizer que Jesus
se apresentou
como pregoeiro
(o que vem fazer
o pregão de uma
notícia ao
povo), portanto,
aquele que
anunciava a
Boa Nova.
Ele vinha
estabelecer o
Ano Aceitável ao
Senhor,
especialmente
aos pobres,
explicando que
viera libertar
os cativos e
restaurar a
vista aos cegos,
libertar os
oprimidos.
Herculano nos
explica o que
vem a ser o Ano
Aceitável ao
Senhor que Jesus
anuncia ter
vindo
estabelecer.
O povo judeu, a
cada 50 anos,
proclamava esse
quinquagésimo
ano como o Ano
Aceitável ao
Senhor. Nesse
ano, eram
redistribuídas
as terras, todos
os trabalhadores
do campo
recebiam um
pedaço de terra
para ganhar seu
sustento, as
dívidas eram
perdoadas, os
cativos
libertos. Essa
proclamação não
tem nada de
comparativa,
como querem
alguns “homens
de Deus”. Ela é
real, porque, se
conseguirmos a
sua proposição,
se for
estabelecido na
Terra, e esse
ano aceitável ao
Senhor, não a
cada cinqüenta
anos, mas, como
maneira de se
viver no mundo,
teremos o que
prevê a questão
1018 de O Livro
dos Espíritos -
o Reinado do Bem
sobre a Terra.
Quando Jesus se
anuncia como
aquele que vem
proclamar o
estabelecimento
do Reino de
Deus, na Terra,
ele não diz
que vem reinar,
ou que haveria
um Rei que seria
ele.
Coloca-se
tão-somente como
o pregoeiro,
aquele que
anuncia que
um Reinado se
estabelece. É o
Reino de Deus,
ou dos Céus.
Não é um
reinado sobre os
Espíritos,
embora também o
seja, mas ao
dizer que esse
Reino
estabelecia para
sempre o Ano
Aceitável ao
Senhor, sua fala
denota os
objetivos de
mudança e
renovação social
que esse Reino
dos Céus trará.
O Ano Aceitável
ao Senhor era
uma invenção do
sacerdócio de
Israel, com
nítida ação
social, evitando
muitas revoltas
contra a
hipocrisia, a
dominação cruel
que era feita
contra os povos
hebreus. A cada
cinquenta anos
eram perdoadas
as dívidas,
redistribuídas
as terras,
libertados os
cativos. O povo
aprendia a
esperar esse
tempo e,
paciente, não se
revoltava. Ainda
que a boca dos
profetas
denunciasse a
injustiça e
defendesse o
povo de Israel
contra seus
próprios
dirigentes, o
povo tinha na
existência do
Ano Santo (ou
aceitável) do
Senhor, um
motivo de
esperança, para
não se revoltar.
Logo após a
redistribuição e
o perdão das
dívidas, a
pretensa
igualdade era
destruída
rapidamente,
pois o povo, sem
tostão, sem quem
os amparasse até
que pudessem
colher e vender,
emprestava
dinheiro dos
mais abastados.
Continuava a
depender do
dinheiro dos
mais ricos para
plantar, colher
e vender. Assim,
logo se
endividavam e
eram obrigados a
entregar
novamente as
terras. Bastava
uma colheita
ruim, um pai de
família que
falecesse, ou
ficasse doente,
para que as
terras mudassem
novamente de
mãos e as
dívidas se
amontoassem
reduzindo o povo
à miséria. A lei
era tão injusta
que diante de um
juiz, a que
fosse arrastado
um devedor, tudo
deveria
entregar, até
mesmo o manto,
ficando reduzido
tão só à túnica
que lhe cobria a
nudez.
No entanto, o
Jovem
Carpinteiro vem
apregoar que
Jeová
estabelecia com
ele, seu
apregoador, o
Reino de Deus,
onde todos
seriam
justiçados e
para sempre.
É de admirar que
depois dessa
proclamação, os
estudiosos da
Lei, os
companheiros de
Nazaré, ouvindo
Joshua de Nazaré
sobre Isaías, se
revoltassem? O
Reino de Deus,
esclarece nosso
autor, não se
fundamentava na
injustiça, na
ganância e no
ódio, sob a
maldição da
violência.
É de se admirar
que os galileus
de Nazaré,
saturados de
rituais
farisaicos,
defendendo suas
poucas ou
maiores posses,
ficassem
revoltados? E
mais ainda
ficaram com as
palavras
seguintes de
Jesus. O
Evangelho nos
conta que,
revoltados,
consideraram
Jesus um
feiticeiro, o
agarraram e o
arrastaram para
fora.
Tencionavam
atirá-lo do lado
esquerdo de
Nazaré, onde
perigosa escarpa
de pedras e
rochas
pontiagudas,
eriçados
espinheiros
levariam à morte
quem de lá fosse
lançado.
Herculano, com a
característica
beleza dos
literatos,
explica:
“Mas, quando
tudo parecia
perdido, os
homens que o
agarravam com
mãos de ferro,
viram que
estavam
enganados. Na
verdade,
haviam-se
agarrado uns aos
outros e, se não
percebessem a
tempo, se teriam
arrojado pelo
precipício
abaixo. Pararam
assustados à
beira do abismo
e suas pernas e
seus braços
tremiam de
horror”.
Enquanto isso, o
Jovem
Carpinteiro,
passando
tranquilamente
entre eles,
descia a encosta
em direção à
cidade.
Assim, Jesus
passou entre os
homens e, até
hoje, ao querer
destruí-lo e ao
Reino de Deus,
apenas nos
destruiremos a
nós mesmos. O
Reino foi
instaurado e, se
não conseguirmos
ao longo dos
séculos fazê-lo
presente na
sociedade dos
homens, nos
lançaremos no
abismo.