A mercantilização das
relações humanas na
seara espírita
Dia após dia, convivo
com isso e percebo o
crescimento do fenômeno
da mercantilização
das relações do ser
humano consigo mesmo e
com as demais pessoas,
de tal maneira que os
trejeitos, os
condicionamentos
instaurados no mercado
de trabalho, na
contemporaneidade,
adentram não só o solo
frio das empresas
privadas, mas também das
organizações públicas e
das instituições sociais
– a família, a escola,
os ambientes religiosos.
Não tenho a pretensão de
esgotar todos os temas
acima assinalados, uma
vez que este texto tem a
finalidade de expor
minhas reflexões sobre
aspectos da convivência
no movimento espírita
que mais têm me gerado
preocupação, no bojo da
mercantilização das
relações humanas.
No que toca ao ideal
cristão, a casa espírita
se reveste da finalidade
de proporcionar ambiente
de convivência fraterna,
com o objetivo de
fomentar o
desenvolvimento do
potencial humano para o
bem, para o amor e a
solidariedade,
características da
formação humana, tão
importantes para a
aquisição de virtudes,
tais como o respeito ao
próximo, a amizade
autêntica, a afeição
sincera, a empatia e a
assistência real diante
das necessidades.
A despeito desse nobre
propósito de que estão
imbuídas as
fraternidades espíritas,
noto, nos dias atuais, a
infiltração, na seara do
movimento espírita, da
competição desenfreada,
da pouca consideração
fraterna e
incondicional, da
patrulha ideológica, da
disputa evolutiva, de
variadas condutas que
desembocam no mesmo
resultado: exclusão e
opressão.
O que chamo de
competição desenfreada?
A casa espírita, ao
longo do tempo, como
reflexo de seus
integrantes, é uma caixa
de ressonância das
mudanças e
transformações por que
passa a humanidade,
absorvendo padrões de
comportamento tanto
benfazejos quanto
deletérios. Nessa
segunda categoria,
enquadra-se a
concorrência velada
entre parcela de
confrades espíritas pelo
título social do “mais
virtuoso”, do “mais
evoluído”, do “mais
produtivo” em esvaziar o
umbral, a vaidade
inconfessa de se exibir
na condição de humilde
obreiro a quem foram
repassadas as
informações mais
recentes ou bombásticas
sobre os bastidores do
plano espiritual e a
disputa entre os seus
pares pela posição de
trabalhador espírita
mais operoso em zelar
pela pureza doutrinária
e pela deferência aos
dirigentes espíritas de
maior influência
política no centro ou na
federação a que se
filiam.
Os fenômenos de grande
expressão no ambiente
espírita, a exemplo da
hierarquização por
competências (dando-se
primazia, em uma espécie
de pirâmide hierárquica,
aos médiuns considerados
mais valorosos e aos
dirigentes ditos mais
preparados), somada ao
grande volume de
orientações espirituais
e de outras formas de
assistência extrafísica,
conferem a algumas
pessoas, no âmbito da
militância espírita, o
poder de mando e de
persuasão que, embora
pudesse ser meio de
agregar valores e
aprendizados coletivos,
é desviado para a
manutenção da exclusão
de muitos confrades que
não se enquadram no
estereótipo de obreiros
produtivos, alegres e
dóceis.
Por vezes, no afã de
serem notáveis artífices
da libertação em massa
de Espíritos
aprisionados em
masmorras das trevas
onde colaboraram, de
forma exemplar, com os
preparativos para a
transmigração planetária
de obsessores que atuam
em nível planetário,
esquecem-se muitos
trabalhadores espíritas
de também voltarem seus
olhos para companheiros
de seara kardequiana,
que, encarnados neste
mundo de provas e
expiações, estão à
espera somente de um
rastro de luz, isto é,
de uma palavra fraterna,
de pequenos gestos de
empatia e compaixão,
para que possam
enfrentar, com coragem,
os desafios da vida
terrena.
Nesse processo de
deslumbramento com
missões de salvamento de
Espíritos desencarnados
e com o enfrentamento
das trevas na
erraticidade, valorosos
membros da comunidade
espírita ignoram o
sofrimento e a dor
daqueles que estão em
seu entorno, na esfera
dos encarnados:
infelizmente, ao invés
de não deixarem a
candeia embaixo do
alqueire, muitos dos
militantes espíritas se
evadem de seus deveres
morais em relação a seus
irmãos encarnados e
contribuem para o
esvaecimento (verdadeiro
“apagão”) da luz
interior em muitos
irmãos.
Em uma comunidade,
dentro da sociedade
atual, todos, homens e
mulheres, estão sujeitos
a variadas vicissitudes,
visto que fazem parte de
um ecossistema ainda
inserido em contexto de
mundo de provas e
expiações, extensivas a
todos os seus
componentes, tanto
encarnados quanto
desencarnados.
Em outras palavras, é
importante conciliar o
socorro aos irmãos e às
irmãs no plano
espiritual em condições
enfermiças com o amparo
a encarnados e a
encarnadas partícipes do
meio espírita que,
igualmente, necessitam
de cuidadosa assistência
e, muitas vezes, são
deixados em segundo
plano.
Quantos, entre nós, não
são encarnados enfermos
a pedir socorro, no
cotidiano, e, como vozes
não visíveis, são
negligenciados pela
vaidade humana, que se
ufana em priorizar o
atendimento a irmãos que
se encontram no outro
plano existencial da
vida?
Nas experiências
cotidianas, embora
atravessadas por
inúmeras tarefas, que
nos colocam como
servidores de uma rotina
humana na Terra, ainda
assim somos convidados a
refazer nosso modo de
ser, inclusive a nossa
postura em relação a
nossos companheiros e
companheiras (encarnados
e desencarnados) de lida
espírita e de outros
segmentos da vida em
sociedade.
Não acredito que todos
os esforços estejam
condenados à perdição da
pessoa em si mesma.
Acredito e tenho
esperança na capacidade
humana, porque sei que
ainda somos aprendizes
para o saber que nos
contemplará como
portadores de uma real
humanidade.
A formação de nossas
capacidades, por meio do
afeto e do desenrolar
dessa afetividade, muito
contribuirá para que o
medo e a desconfiança
cedam lugar às relações
transformadoras e
educativas.
Que a formação de grupos
afins sirva de ânimo
para a continuidade do
espírito cristão com que
um dia fomos contagiados
e que, como semente,
pede luz, pede o
alimento, para ter força
e romper a terra dura de
nossos corações.
A casa espírita,
respeitando a sua
condição humana, tem
grandes chances de não
se tornar mais uma ruína
arquitetônica da
experiência religiosa em
nossa plurissecular
caminhada evolutiva.
Basta que os seus
arquitetos, os seus
responsáveis, os seus
frequentadores instalem
em seu seio os
fragmentos do cuidado
entre si e com todos.
Não fiquemos só
preocupados com o
resgate de irmãos que já
se encontram em
condições de
desencarnados.
Não deixemos à margem
aqueles que lutaram para
adentrar as portas da
comunidade espírita e
que precisam construir
ou reconstruir a sua fé
sólida, o seu afeto por
si mesmos e pelo demais
e que não encontram
amparo em outras
instituições humanas
atuais.
Que o poder seja o poder
de direcionar a vaidade
e o orgulho para a
construção do
acolhimento e da
compreensão de que todos
precisamos, sob a
premissa de que todos
estamos a trilhar o
caminho da evolução em
condições árduas,
próprias do mundo de
provas e expiações no
qual habitamos.
Não existe mediunidade
melhor ou pior: existe
mediunidade com Cristo e
sem o Cristo.
Não me recordo, na
história do Mestre, de
nenhum comportamento
excludente por esse ou
aquele motivo. Todos que
o procuravam tinham a
mesma atenção e
respeito, recebiam
aquilo de que
necessitavam e Jesus
sabia ouvir e
compreender cada pedido.
Que possamos desenvolver
a capacidade de ouvir
sem julgamentos, de
exercitar a suspensão de
juízos e valores na
condução e assistência
de todos os homens e
mulheres.
Ouvir é acolher! Ouvir é
se colocar à disposição
do outro sem
subserviência nem
dominação. Permita a si
mesmo caminhar com os
seus irmãos e crescer
sempre. Não se esqueça
de que a única
verdadeira ameaça que
pode surgir em seu
percurso de vida é a
ameaça que nasce dentro
de você. Aprenda a se
conhecer, saindo da
própria concha
existencial, abrindo-se
à coexistência fraterna
com todos, homens e
mulheres, encarnados e
desencarnados, quer
tenham afinidade com
seus ideais e visão de
mundo, quer comunguem de
ideologia e valores
diversos, com os quais,
inclusive, em razão da
diversidade, podemos nos
enriquecer como pessoa e
nos desenvolver como
Espíritos imortais.