Alcoólatra
Joaquim Dias
Alcoólatra!
Que outra
palavra existirá
na Terra,
encerrando
consigo tantas
potencialidades
para o crime?
O alcoólatra não
é somente o
destruidor de si
mesmo. É o
perigoso
instrumento das
trevas, ponte
viva para as
forças
arrasadoras da
lama abismal.
O incêndio que
provoca
desolação
aparece numa
chispa. O
alcoolismo que
carreia a
miséria nasce
num copinho.
De chispa em
chispa,
transforma-se o
incêndio em
chamas
devoradoras. De
copinho a
copinho, o vício
alcança a
delinquência.
Hoje, farrapo de
alma que foi
homem, reconheço
que, ontem, a
minha tragédia
começou assim...
Um aperitivo
inocente...
Uma hora de
recreio...
Uma noite
festiva...
Era eu um homem
feliz e
trabalhador,
vivendo em
companhia de
meus pais, de
minha esposa e
um filhinho. Uma
ocasião, porém,
surgiu em que
tive a
infelicidade de
sorver alguns
goles do veneno
terrível;
disfarçado em
bebida elegante,
tentando
afugentar
pequeninos
problemas da
vida e, desde
então,
converti-me em
zona
pestilencial
para os abutres
da crueldade.
Velhos inimigos
desencarnados de
nossa equipe
familiar fizeram
de mim seu
intérprete. A
breve tempo,
abandonei o
trabalho, fugi à
higiene e
apodreci meu
caráter,
trocando o lar
venturoso pela
taverna infeliz.
Bebendo por mim
e por todas as
entidades
viciosas que nos
hostilizavam a
casa,
falsifiquei
documentos,
matando meu pai
com medicação
indevida, depois
de arrojá-lo à
extrema ruína.
Mais tarde,
tornando-me
bestial e
inconsciente,
espanquei minha
mãe, impondo-lhe
a enfermidade
que a
transportou para
a sepultura.
Depois de algum
tempo,
constrangi minha
esposa ao
meretrício, para
extorquir-lhe
dinheiro,
assassinando-a
numa noite de
horror e fazendo
crer que a
infeliz se
envenenara
usando as
próprias mãos e,
de meu filho,
fiz um jovem
salteador e
beberrão, muito
cedo eliminado
pela polícia...
Réprobo social,
colhia
tão-somente as
aversões que eu
plantava.
Muitas vezes, em
relâmpagos de
lucidez,
admoestava-me a
consciência:
– Ainda é tempo!
Recomeça!
Recomeça!
Entretanto,
fizera-me um
homem vencido e
cercado pelas
sombras daqueles
que, quanto eu,
se haviam
consagrado no
corpo físico à
criminalidade e
à viciação, e
essas sombras
rodeavam-me
apressadas,
gritando-me,
irresistíveis:
– Bebe e
esquece! Bebe,
Joaquim!
E eu me
embriagava,
sequioso de
olvidar a mim
mesmo, até que o
delírio agudo me
sitiou num catre
de amargura e
indigência.
A febre, a
enfermidade e a
loucura
consumiram-me a
carne, mas não
percebi a
visitação da
morte, porque
fui atraído, de
roldão, para a
turba de
delinquentes a
que antes me
afeiçoara.
Sofri-lhes a
pressão,
assimilei-lhes
os desvarios e,
com eles,
procurei
novamente
embebedar-me.
A taverna era o
meu mundo, com a
demência
irresponsável
por meu modo de
ser...
Ai de mim,
contudo! Chegou
o instante em
que não mais
pude engodar
minha sede!...
A insatisfação
arrasava-me por
dentro, sem que
meus lábios
conseguissem
tocar, de leve,
numa gota do
liquido
tentador.
Deplorando a
inexplicável
inibição que me
agravava os
padecimentos,
afastei-me dos
companheiros
para ocultar a
desdita de que
me via objeto.
Caminhei sem
destino,
angustiado e
semilouco, até
que me vi
prostrado num
leito espinhoso
de terra seca...
Sede implacável
dominava-me
totalmente...
Clamei por
socorro em vão,
invejando os
vermes do
subsolo. Palavra
alguma
conseguiria
relatar a
aflição com que
implorei do Céu
uma gota d’água
que sustasse a
alucinação de
minhas células
gustativas...
Meu suplício
ultrapassava
toda humana
expressão...
Não passava de
uma fogueira
circunscrita a
mim mesmo.
Começaram,
então, para mim,
as miragens
expiatórias.
Via-me em noite
fresca e
tranquila,
procurando o
orvalho que caía
do céu para
dessedentar-me,
enfim, mas,
buscando as
bagas do celeste
elixir, elas não
eram, aos meus
olhos, senão
lágrimas de
minha mãe, cuja
voz me atingia,
pranteando em
desconsolo:
– Não me batas,
meu filho! Não
me batas, meu
filho!...
Devolvido à
flagelação,
via-me sob a
chuva
renovadora, mas,
tentando
sorver-lhe o
jorro, nele
reconhecia o
pranto de meu
pai, cujas
palavras
derradeiras me
impunham
desalento e
vergonha:
– Filho meu, por
que me
arruinaste
assim?
Arrojava-me ao
chão,
mergulhando meu
ser na corrente
poluída que o
temporal
engrossava
sempre, na
esperança de
aliviar a sede
terrível, mas,
na própria lama
do enxurro,
encontrava
somente as
lágrimas de
minha esposa, de
mistura com
recriminações
dolorosas,
fustigando-me a
consciência:
– Por que me
atiraste ao
lodo? e por que
me mataste,
bandido?
E de novo
regressava ao
deserto que me
acolhia, para
logo após me
entregar à visão
de fontes
cristalinas...
Enlouquecido de
sede, colava a
boca ao
manancial, que
se convertia em
taça de fel
candente, da
qual
transbordavam as
lágrimas de meu
filho, a
bradar-me, em
desespero:
– Meu pai, meu
pai, que fizeste
de mim?
Em toda parte,
não surpreendia
senão
lágrimas...
Arrastei-me
pelos medonhos
caminhos de
minha
peregrinação
dolorosa, como
um Espírito
amaldiçoado que
o vício
metamorfoseara
em peçonhento
réptil...
Suspirava por
água que me
aliviasse o
tormento, mas só
encontrava
pranto... Pranto
de meu pai, de
minha mãe, de
minha esposa e
de meu filho a
perseguir-me
implacável...
Alma acicatada
por remorsos
intraduzíveis,
amarguei
provações
espantosas, até
que mãos
fraternas me
trouxeram a
bênção da
oração...
Piedosos
enfermeiros da
Vida Espiritual
e mensageiros da
Bondade Divina,
pelos talentos
da prece,
aplacaram-me a
sede,
ofertando-me
água pura...
Atenuou-se-me o
estranho
martírio, embora
a consciência me
acuse...
Ainda assim,
amparado por
aqueles que vos
inspiram,
ofereço-vos o
triste exemplo
de meu caso
particular par
escarmento
daqueles que
começam de
copinho a
copinho, no
aperitivo
inocente, na
hora de recreio
ou na noite
festiva,
descendo
desprevenidos
para o
desequilíbrio e
para a morte...
E, em vos
falando, com o
meu sofrimento
transformado em
palavras,
rogo-vos a
esmola dos
pensamentos
amigos para que
eu regresse a
mim mesmo, na
escabrosa
jornada da
própria
restauração.
Mensagem
psicofônica
transmitida na
noite de 12 de
janeiro de 1956
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier,
inserida no
livro Vozes
do Grande Além,
de autoria de
Espíritos
Diversos, por
intermédio do
saudoso médium.