A Morte e os seus
Mistérios
Ernesto
Bozzano
(Parte
14)
Damos sequência nesta edição
ao
estudo do livro A
Morte e os seus
Mistérios,
de Ernesto Bozzano,
conforme
tradução de Francisco
Klörs Werneck.
Questões preliminares
A. Onde e quando foi
publicado o artigo
intitulado “A alma de
uma morta que não tem
repouso”?
O artigo foi publicado
em 25 de agosto de 1891
no jornal tcheco
Chrudimski Kvaj, diário
político-econômico da
região de Chrudim,
situada na antiga
Tcheco-Eslováquia.
(A Morte e os seus
Mistérios, 2ª Monografia
– Marcas e impressões
supranormais de mãos de
fogo, Caso VIII.)
B. Quantas vezes o
Espírito de Ana Mracek
apareceu para o rendeiro
José Kreil?
Quatro vezes, e em todas
elas Ana insistia em
dizer o nome da pessoa
que a havia matado. Seu
objetivo era fazer com
que o sr. Kreil
comunicasse o fato às
autoridades da região.
(Obra citada, 2ª
Monografia – Caso VIII.)
C. O Espírito de Ana
deixou alguma prova
material de sua
aparição?
Sim. Além de sua
informação ter levado à
confissão da pessoa que
a matou, Ana deixou a
marca de sua mão,
impressa a fogo, no
ombro do percipiente
protagonista.
(Obra citada, 2ª
Monografia – Caso VIII.)
Texto para leitura
203. Caso VIII - O Prof.
Vicente Collis, de
Chrudim,
Tcheco-Eslováquia,
escreveu nos seguintes
termos à redação da
Revue Spirite, de Paris,
pág. 320, da coleção de
1926: "Recentemente um
velho número (25 de
agosto de 1891) do
jornal tcheco Chrudimski
Kvaj, diário
político-econômico da
região de Chrudim,
caiu-me sob os olhos e,
na rubrica ‘Tribunais’,
li o artigo ‘A alma de
uma morta que não tem
repouso’. Em vista da
importância que os fatos
citados têm para a
ciência psíquica, sua
indiscutível
autenticidade e,
portanto, seu valor
documentário e
probatório tal que
poderia, talvez, decidir
a eterna controvérsia
sobre a realidade da
sobrevivência da alma
humana, resolvi
enviar-vos a tradução do
artigo sobre o caso em
questão, visto não ter
ele ainda encontrado eco
nas revistas espíritas.”
204. Eis o texto
intitulado A alma de
uma morta que não tem
repouso: “Nossos
leitores se lembram
ainda do misterioso
assassinato da chamada
Ana Mracek, mulher de
João Mracek,
proprietário de uma
pequena barraca e
negociante da linha
Noroeste, da estrada de
ferro de Vojtechov,
subprefeitura de
Illinako. Na tarde do
dia 11 de setembro de
1890, a Sra. Mracek
partiu de sua barraca, a
fim de catar um pouco de
palha para suas vacas, e
não voltou mais à sua
casa. No dia seguinte,
pela manhã, seu cadáver
foi achado nas moitas
que bordejam um ribeiro
que corre pelos
arredores. Um tiro nas
costas a matara. Quem
teria atirado? E por
quê? eram perguntas que
pareciam ficar sem
respostas. As suspeitas
do crime recaíram sobre
o marido da vítima que,
após uma detenção de
vários meses, foi posto
em liberdade por falta
de provas. Depois dele,
achou-se dever
incriminar os
concessionários da caça
comunal, os
proprietários José
Zavrel e Miguel Vesely.
Esses, por sua vez,
foram também postos em
liberdade, pois suas
famílias e criados
testemunharam que,
durante toda a noite
fatal, os cultivadores
não haviam saído de
casa. Como não havia
outras suspeitas, o
processo foi encerrado
e, pouco a pouco, o
esquecimento se fez
sobre o caso, quando,
repentinamente, no mês
de fevereiro de 1891, um
fato novo e
completamente inesperado
se produziu. A 21 de
fevereiro de 1891, o
rendeiro José Kreil
compareceu ante o
procurador-geral de
Chrudim e lhe fez,
tremendo de medo, esta
imprevista narração: ‘Há
vários dias, por volta
da meia-noite, fui
despertado por uma força
insólita e irresistível
e, abrindo os olhos,
percebi a defunta Ana
Mracek perto do meu
leito, toda vestida de
branco. Não tive
trabalho em
reconhecê-la. Cheio de
espanto, meu primeiro
pensamento foi o de
fugir, mas o fantasma me
disse: Não tenha medo!
Foi Lastuvka (apelido do
cultivador José Zavrel)
quem me matou com um
tiro de espingarda e
Vesely me arrastou para
o estábulo da granja de
Lastuvka. Vá à casa do
senhor cura e lhe narre
o que acabo de lhe
contar. Ele se
encarregará do resto.
Três vezes o fantasma
repetiu estas palavras,
depois desapareceu. Eu
estava inteiramente
acordado e senhor
absoluto de meus
sentidos, portanto não
podia tratar-se de um
sonho. Olhando o
relógio, verifiquei que
era meia-noite e meia.
No dia anterior, não fui
a nenhum botequim e não
bebi nem cerveja nem
aguardente. Do mesmo
modo não me falaram mais
do caso, se bem pudesse
crer que minha visão
fosse a consequência de
qualquer recordação do
fato passado. Sou
inteiramente estranho na
aldeia de Vojtechov e
nada tenho a ver com o
assassínio de Ana Mracek,
no qual não estou
interessado’.”
205. Segundo o relato,
foi nestes termos
simples e persuasivos
que Kreil contou o
estranho episódio
noturno. Isto, porém,
não devia ser tudo. A
aparição se produziu
pela segunda, terceira e
quarta vez, sempre
depois da meia-noite e
nas mesmas
circunstâncias que na
primeira noite. Na
última vez, a morta
ameaçou Kreil com sua
cólera, dizendo que não
cessaria de persegui-lo
enquanto não cedesse a
suas injunções. O pobre
homem não sabia o que
fazer. Os cépticos
zombavam dele, ninguém
acreditava em suas
declarações e ele, noite
após noite, não podia
dormir tranquilo. Ainda
uma outra aparição se
verificou na casinha de
Kreil. Como
anteriormente, o
fantasma se achava junto
do leito, dizendo como
sempre: "Lastuvka me
matou com um tiro de
espingarda e o outro,
Vesely, me arrastou."
206. O bom homem, cujos
dentes batiam e cuja
testa estava coberta de
suor frio, pôde apenas
balbuciar: "Bem,
deixa-me uma prova da
tua presença; ao menos
um sinal visível, a fim
de que acreditem em
minhas palavras." Ao que
o fantasma respondeu:
"Para dar uma prova de
minha presença não
possuo os meios; mas
aproxima-te de mim, se
desejas um sinal." Kreil,
dócil e sem vontade
própria, saltou da cama
e acendeu uma vela.
Mesmo na claridade, o
fantasma continuou
visível, de pé, firme,
no mesmo lugar, junto da
cama. "Ei-la, disse ele,
e, levantando o braço,
pousou a mão direita
sobre o ombro esquerdo
do homem. Kreil atônito,
desfalecido, olhos fixo
em Ana Mracek, a
contemplava em todos os
detalhes, fisionomia e
vestes. Enfim a viu
desaparecer pouco a
pouco, como que se
dissolvendo.”
207. Kreil, no meio do
quarto, com a vela acesa
na mão, assim pensou:
"Não foi alucinação." E,
desta vez, tomou
resolução. No dia
seguinte, foi à casa do
cura e, de acordo com o
conselho que dele
recebera, saiu para
contar o fato ao
procurador-geral de
Chrudim, que dele fez
logo uma ata. Em
seguida, lido e assinado
o depoimento, com grande
espanto do magistrado,
Kreil entreabriu a
camisa e sobre o ombro
esquerdo apareceu a
marca escura de uma mão
com os dedos abertos. Os
cinco dedos e mais
particularmente o
polegar eram visíveis.
208. Logo após o
depoimento do granjeiro
Kreil, o marido da morta
fez conhecer algumas
circunstâncias suspeitas
que lançaram novos
indícios sobre José
Zavrel e Miguel Vesely.
O processo contra os
dois cultivadores
retomou seu curso e,
dessa vez, o resultado
foi verdadeiramente
surpreendente. Com os
dois incriminados, as
famílias Zavrel e Vesely,
assim como seus criados,
foram incluídos no
inquérito judicial como
cúmplices dos culpados e
por falsos testemunhos,
por ocasião do primeiro
inquérito.
209. Segundo as peças do
novo processo, os fatos
relativos à morte de
Etna Mracek foram os
seguintes: Na tarde do
dia 11 de setembro de
1890 os dois
concessionários da casa
comunal, Zavrel e Vesely,
foram à floresta, em
busca de caça. A sorte
não lhes foi favorável e
voltavam de mãos
abanando. O tempo estava
tão escuro que nada
distinguia a dois
passos, pois chovia
muito. Chegando perto de
sua plantação de
beterraba e couve,
Zavrel divisou uma forma
que se levantava e se
abaixava no meio do
campo. Não reconheceu se
se tratava de uma pessoa
ou de um animal.
Avançando, viu a forma
desaparecer para parecer
de novo e, logo a
seguir, fugir. Zavrel,
armado como se achava,
partiu em sua
perseguição. "Para ou
atiro", gritou ele. De
repente tropeçou e,
pareceu, caiu, e, na
queda, a arma detonou. O
ser misterioso continuou
a fugir. O caçador a
alcançou em algumas
pernadas no momento em
que ela se embrenhava
nas moitas que bordejam
o arroio. Então,
estupefato, Zavrel
reconheceu Ana Mracek
que, durante 16 anos,
fora empregada em sua
casa, e que, depois do
seu casamento com João
Mracek, aí vinha, de
momento, para ajudar em
trabalhos urgentes.
210. O incidente foi
tanto mais penoso para
Zavrel porquanto manchas
de sangue no pescoço da
vítima mostravam que ela
fora morta. Todavia, sem
se ocupar da morta,
correu ao encontro de
Vesely e lhe confessou
sua intenção de ir no
dia seguinte
apresentar-se ao juiz de
Chrudim. Vesely, porém,
o dissuadiu disto,
dizendo que não o
denunciaria, que o fato
não tinha testemunhas e
que, assim, ele não
podia ser preso. Depois,
sem saberem por quê, tal
eram o seu espanto e
terror, arrastaram o
cadáver para o estábulo
de Lastuvka, onde ficou
até a manhã do dia
seguinte. De madrugada,
tendo refletido um pouco
e já mais calmo,
Lastuvka o tornou a
colocar entre as moitas,
no lugar em que foi
encontrado no dia antes
anterior.
211. Pelas 11 horas da
noite, João Mracek,
tendo terminado o
serviço e voltado à sua
casa, não encontrou a
mulher e interrogou a
filha, que lhe
respondeu: "Mamãe saiu
de casa à tarde e não
voltou mais. Papai, não
há muito ouvi um tiro em
qualquer lugar... lá
embaixo."
212. Nada pressentindo
de bom, Mracek muniu-se
de sua lanterna de
chaminé e foi à procura
da esposa. Errou por
toda parte onde esperava
encontrar a sua
companheira. Na margem
da plantação de Zavrel,
encontrou cabeças de
beterrabas sobre a erva,
e chorou sem encontrar,
contudo, o cadáver de
Ana, sobre o que foi
informar-se na granja de
Zavrel.
213. Por muito tempo ele
bateu à porta que,
finalmente, se abriu,
mas não o deixaram
entrar. Zavrel afirmou
nada saber acerca da
desaparecida. "Então ela
foi mesmo morta", gemeu
Mracek que se pôs de
novo à procura do corpo.
Durante toda a noite,
debaixo de uma chuva
torrencial, explorou os
arredores, molhado até a
medula dos ossos e em
estado de desespero. De
repente, já no despontar
de um dia tristonho, à
margem do campo de
Zavrel, tantas vezes
explorado, percebeu,
perto da água e meio
coberto pelas moitas, o
cadáver de Ana. Hirta,
Ana estava estendida de
costas, mas o que o
espantou enormemente foi
que, a despeito da chuva
noturna, tinha ela as
vestes secas. No mesmo
dia João Mracek foi
preso sob a acusação de
assassinato da própria
mulher. Depois, Zavrel e
Vesely foram acusados;
tendo porém, obtido
testemunhos unânimes a
seu favor, foram
beneficiados com um
impronunciamento. A
seguir, com a aparição
da morta e o depoimento
de Kreil, o processo
retomou seu curso e
Zavrel e Vesely acabaram
por confessar. O jornal
assim concluiu o relato:
"Eis o que deve fazer
refletir as pessoas que
não acreditam na
sobrevivência da alma
humana e na realidade
das comunicações entre
mortos e vivos."
214. Parece-me que o
jornalista tem bastante
razão em concluir deste
modo. Com efeito,
nenhuma hipótese
naturalista: nem
alucinação, nem
telepatia, nem
criptestesia, nem
criptomnésia, nem
clarividência no passado
e no presente, nem a
hipótese do
"reservatório cósmico de
memórias individuais"
poderiam explicar os
fatos em seu conjunto,
considerando-se que o
incidente da impressão
de uma mão de fogo
bastaria para eliminar
todas elas.
215. Como se pôde ver, o
Prof. Vicente Collis
concluiu no mesmo
sentido. E, no que
concerne à documentação
dos fatos ora relatados,
acho que o Prof. Collis
tem bastante razão em
notar: "Em vista da
autenticidade
indiscutível dos fatos
em questão e, portanto,
de um valor documentário
e probativo tal que ela
poderia, talvez, decidir
a eterna controvérsia
sobre a realidade da
sobrevivência da alma
humana, resolvi
enviar-vos a tradução do
caso em questão, visto o
mesmo não ter ainda
encontrado eco nas
revistas espíritas."
216. Acrescento que,
assim agindo, prestou
ele notável serviço à
nova "Ciência da Alma",
visto que o caso
apresentado é,
teoricamente, de grande
eloquência em favor da
hipótese da
sobrevivência. De outra
parte, o caso está
documentado e
demonstrado por um
inquérito judicial, pelo
depoimento dos acusados,
por todos os
testemunhos, inclusive
do procurador-geral da
província de Chrudim que
viu, com os próprios
olhos, a impressão da
mão de fogo no ombro do
percipiente
protagonista. Todas
estas circunstâncias
constituem um conjunto
de provas importantes e
decisivas em favor dos
fatos.
217. Outro ponto
importante a ser
destacado: o percipiente
conversou varias vezes
com o fantasma da morta,
o que confirma,
eficazmente, o caso de
Lady Beresford, no qual
se encontra o mesmo e
raro detalhe. Raro,
dizemos, mas que sempre
se produz.
218. Resta-nos encarar o
incidente da impressão
de mão de fogo do ponto
de vista da hipótese dos
estigmas por
autossugestão emotiva.
No caso em questão,
trata-se de uma
impressão em fogo que
ficou gravada no corpo
do percipiente em
condições de crise
emotiva. E como a
hipótese autossugestiva
não pode ser
teoricamente afastada,
notarei que o fato de
admiti-la equivaleria a
pretender analisar
isoladamente cada um dos
casos de que nos
ocupamos, sem considerar
os outros, o que seria
absolutamente contrário
aos métodos de pesquisas
científicas. Além disto,
seria pretender
dividi-los
arbitrariamente em duas
categorias, pondo os
casos que se produziram
no corpo humano na
categoria dos fenômenos
subjetivos e
autossugestivos e as que
sucederam em tecidos e
objetos na classe dos
fenômenos que tiveram
origem supranormal ou
mediúnica, o que
constitui outra
afirmação contrária aos
métodos de pesquisas
científicas, segundo os
quais deve admitir-se
como legítima a hipótese
que consiga explicar os
fatos em seu conjunto e
afastar, como falhas,
todas as hipóteses que
só em parte os
expliquem.
219. Seria preciso
admitir apenas algumas
exceções à regra geral
quando o estado emotivo
de um perceptivo
sugestionável pudesse
determinar um fenômeno
rudimentar de estigma.
Em suma, esta última
possibilidade pode ser
considerada como
teoricamente admissível
em circunstâncias
excepcionais, tão
excepcionais, na
realidade, que não se
conhece nenhum caso
desse gênero que possa
autorizar, com algum
fundamento, esta
explicação.
(Continua na próxima
edição.)