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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 265 - 17 de Junho de 2012
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


A Morte e os seus Mistérios

 Ernesto Bozzano

(Parte 14)

Damos sequência nesta edição ao estudo do livro A Morte e os seus Mistérios, de Ernesto Bozzano, conforme tradução de Francisco Klörs Werneck.

Questões preliminares

A. Onde e quando foi publicado o artigo intitulado “A alma de uma morta que não tem repouso”? 

O artigo foi publicado em 25 de agosto de 1891 no jornal tcheco Chrudimski Kvaj, diário político-econômico da região de Chrudim, situada na antiga Tcheco-Eslováquia. (A Morte e os seus Mistérios, 2ª Monografia – Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo, Caso VIII.)

B. Quantas vezes o Espírito de Ana Mracek apareceu para o rendeiro José Kreil?

Quatro vezes, e em todas elas Ana insistia em dizer o nome da pessoa que a havia matado. Seu objetivo era fazer com que o sr. Kreil comunicasse o fato às autoridades da região. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso VIII.)

C. O Espírito de Ana deixou alguma prova material de sua aparição?

Sim. Além de sua informação ter levado à confissão da pessoa que a matou, Ana deixou a marca de sua mão, impressa a fogo, no ombro do percipiente protagonista. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso VIII.)

Texto para leitura 

203. Caso VIII - O Prof. Vicente Collis, de Chrudim, Tcheco-Eslováquia, escreveu nos seguintes termos à redação da Revue Spirite, de Paris, pág. 320, da coleção de 1926: "Recentemente um velho número (25 de agosto de 1891) do jornal tcheco Chrudimski Kvaj, diário político-econômico da região de Chrudim, caiu-me sob os olhos e, na rubrica ‘Tribunais’, li o artigo ‘A alma de uma morta que não tem repouso’. Em vista da importância que os fatos citados têm para a ciência psíquica, sua indiscutível autenticidade e, portanto, seu valor documentário e probatório tal que poderia, talvez, decidir a eterna controvérsia sobre a realidade da sobrevivência da alma humana, resolvi enviar-vos a tradução do artigo sobre o caso em questão, visto não ter ele ainda encontrado eco nas revistas espíritas.”

204. Eis o texto intitulado A alma de uma morta que não tem repouso: “Nossos leitores se lembram ainda do misterioso assassinato da chamada Ana Mracek, mulher de João Mracek, proprietário de uma pequena barraca e negociante da linha Noroeste, da estrada de ferro de Vojtechov, subprefeitura de Illinako. Na tarde do dia 11 de setembro de 1890, a Sra. Mracek partiu de sua barraca, a fim de catar um pouco de palha para suas vacas, e não voltou mais à sua casa. No dia seguinte, pela manhã, seu cadáver foi achado nas moitas que bordejam um ribeiro que corre pelos arredores. Um tiro nas costas a matara. Quem teria atirado? E por quê? eram perguntas que pareciam ficar sem respostas. As suspeitas do crime recaíram sobre o marido da vítima que, após uma detenção de vários meses, foi posto em liberdade por falta de provas. Depois dele, achou-se dever incriminar os concessionários da caça comunal, os proprietários José Zavrel e Miguel Vesely. Esses, por sua vez, foram também postos em liberdade, pois suas famílias e criados testemunharam que, durante toda a noite fatal, os cultivadores não haviam saído de casa. Como não havia outras suspeitas, o processo foi encerrado e, pouco a pouco, o esquecimento se fez sobre o caso, quando, repentinamente, no mês de fevereiro de 1891, um fato novo e completamente inesperado se produziu. A 21 de fevereiro de 1891, o rendeiro José Kreil compareceu ante o procurador-geral de Chrudim e lhe fez, tremendo de medo, esta imprevista narração: ‘Há vários dias, por volta da meia-noite, fui despertado por uma força insólita e irresistível e, abrindo os olhos, percebi a defunta Ana Mracek perto do meu leito, toda vestida de branco. Não tive trabalho em reconhecê-la. Cheio de espanto, meu primeiro pensamento foi o de fugir, mas o fantasma me disse: Não tenha medo! Foi Lastuvka (apelido do cultivador José Zavrel) quem me matou com um tiro de espingarda e Vesely me arrastou para o estábulo da granja de Lastuvka. Vá à casa do senhor cura e lhe narre o que acabo de lhe contar. Ele se encarregará do resto. Três vezes o fantasma repetiu estas palavras, depois desapareceu. Eu estava inteiramente acordado e senhor absoluto de meus sentidos, portanto não podia tratar-se de um sonho. Olhando o relógio, verifiquei que era meia-noite e meia. No dia anterior, não fui a nenhum botequim e não bebi nem cerveja nem aguardente. Do mesmo modo não me falaram mais do caso, se bem pudesse crer que minha visão fosse a consequência de qualquer recordação do fato passado. Sou inteiramente estranho na aldeia de Vojtechov e nada tenho a ver com o assassínio de Ana Mracek, no qual não estou interessado’.”

205. Segundo o relato, foi nestes termos simples e persuasivos que Kreil contou o estranho episódio noturno. Isto, porém, não devia ser tudo. A aparição se produziu pela segunda, terceira e quarta vez, sempre depois da meia-noite e nas mesmas circunstâncias que na primeira noite. Na última vez, a morta ameaçou Kreil com sua cólera, dizendo que não cessaria de persegui-lo enquanto não cedesse a suas injunções. O pobre homem não sabia o que fazer. Os cépticos zombavam dele, ninguém acreditava em suas declarações e ele, noite após noite, não podia dormir tranquilo. Ainda uma outra aparição se verificou na casinha de Kreil. Como anteriormente, o fantasma se achava junto do leito, dizendo como sempre: "Lastuvka me matou com um tiro de espingarda e o outro, Vesely, me arrastou."

206. O bom homem, cujos dentes batiam e cuja testa estava coberta de suor frio, pôde apenas balbuciar: "Bem, deixa-me uma prova da tua presença; ao menos um sinal visível, a fim de que acreditem em minhas palavras." Ao que o fantasma respondeu: "Para dar uma prova de minha presença não possuo os meios; mas aproxima-te de mim, se desejas um sinal." Kreil, dócil e sem vontade própria, saltou da cama e acendeu uma vela. Mesmo na claridade, o fantasma continuou visível, de pé, firme, no mesmo lugar, junto da cama. "Ei-la, disse ele, e, levantando o braço, pousou a mão direita sobre o ombro esquerdo do homem. Kreil atônito, desfalecido, olhos fixo em Ana Mracek, a contemplava em todos os detalhes, fisionomia e vestes. Enfim a viu desaparecer pouco a pouco, como que se dissolvendo.”

207. Kreil, no meio do quarto, com a vela acesa na mão, assim pensou: "Não foi alucinação." E, desta vez, tomou resolução. No dia seguinte, foi à casa do cura e, de acordo com o conselho que dele recebera, saiu para contar o fato ao procurador-geral de Chrudim, que dele fez logo uma ata. Em seguida, lido e assinado o depoimento, com grande espanto do magistrado, Kreil entreabriu a camisa e sobre o ombro esquerdo apareceu a marca escura de uma mão com os dedos abertos. Os cinco dedos e mais particularmente o polegar eram visíveis.

208. Logo após o depoimento do granjeiro Kreil, o marido da morta fez conhecer algumas circunstâncias suspeitas que lançaram novos indícios sobre José Zavrel e Miguel Vesely. O processo contra os dois cultivadores retomou seu curso e, dessa vez, o resultado foi verdadeiramente surpreendente. Com os dois incriminados, as famílias Zavrel e Vesely, assim como seus criados, foram incluídos no inquérito judicial como cúmplices dos culpados e por falsos testemunhos, por ocasião do primeiro inquérito.

209. Segundo as peças do novo processo, os fatos relativos à morte de Etna Mracek foram os seguintes: Na tarde do dia 11 de setembro de 1890 os dois concessionários da casa comunal, Zavrel e Vesely, foram à floresta, em busca de caça. A sorte não lhes foi favorável e voltavam de mãos abanando. O tempo estava tão escuro que nada distinguia a dois passos, pois chovia muito. Chegando perto de sua plantação de beterraba e couve, Zavrel divisou uma forma que se levantava e se abaixava no meio do campo. Não reconheceu se se tratava de uma pessoa ou de um animal. Avançando, viu a forma desaparecer para parecer de novo e, logo a seguir, fugir. Zavrel, armado como se achava, partiu em sua perseguição. "Para ou atiro", gritou ele. De repente tropeçou e, pareceu, caiu, e, na queda, a arma detonou. O ser misterioso continuou a fugir. O caçador a alcançou em algumas pernadas no momento em que ela se embrenhava nas moitas que bordejam o arroio. Então, estupefato, Zavrel reconheceu Ana Mracek que, durante 16 anos, fora empregada em sua casa, e que, depois do seu casamento com João Mracek, aí vinha, de momento, para ajudar em trabalhos urgentes.

210. O incidente foi tanto mais penoso para Zavrel porquanto manchas de sangue no pescoço da vítima mostravam que ela fora morta. Todavia, sem se ocupar da morta, correu ao encontro de Vesely e lhe confessou sua intenção de ir no dia seguinte apresentar-se ao juiz de Chrudim. Vesely, porém, o dissuadiu disto, dizendo que não o denunciaria, que o fato não tinha testemunhas e que, assim, ele não podia ser preso. Depois, sem saberem por quê, tal eram o seu espanto e terror, arrastaram o cadáver para o estábulo de Lastuvka, onde ficou até a manhã do dia seguinte. De madrugada, tendo refletido um pouco e já mais calmo, Lastuvka o tornou a colocar entre as moitas, no lugar em que foi encontrado no dia antes anterior.

211. Pelas 11 horas da noite, João Mracek, tendo terminado o serviço e voltado à sua casa, não encontrou a mulher e interrogou a filha, que lhe respondeu: "Mamãe saiu de casa à tarde e não voltou mais. Papai, não há muito ouvi um tiro em qualquer lugar... lá embaixo."

212. Nada pressentindo de bom, Mracek muniu-se de sua lanterna de chaminé e foi à procura da esposa. Errou por toda parte onde esperava encontrar a sua companheira. Na margem da plantação de Zavrel, encontrou cabeças de beterrabas sobre a erva, e chorou sem encontrar, contudo, o cadáver de Ana, sobre o que foi informar-se na granja de Zavrel.

213. Por muito tempo ele bateu à porta que, finalmente, se abriu, mas não o deixaram entrar. Zavrel afirmou nada saber acerca da desaparecida. "Então ela foi mesmo morta", gemeu Mracek que se pôs de novo à procura do corpo. Durante toda a noite, debaixo de uma chuva torrencial, explorou os arredores, molhado até a medula dos ossos e em estado de desespero. De repente, já no despontar de um dia tristonho, à margem do campo de Zavrel, tantas vezes explorado, percebeu, perto da água e meio coberto pelas moitas, o cadáver de Ana. Hirta, Ana estava estendida de costas, mas o que o espantou enormemente foi que, a despeito da chuva noturna, tinha ela as vestes secas. No mesmo dia João Mracek foi preso sob a acusação de assassinato da própria mulher. Depois, Zavrel e Vesely foram acusados; tendo porém, obtido testemunhos unânimes a seu favor, foram beneficiados com um impronunciamento. A seguir, com a aparição da morta e o depoimento de Kreil, o processo retomou seu curso e Zavrel e Vesely acabaram por confessar. O jornal assim concluiu o relato: "Eis o que deve fazer refletir as pessoas que não acreditam na sobrevivência da alma humana e na realidade das comunicações entre mortos e vivos."

214. Parece-me que o jornalista tem bastante razão em concluir deste modo. Com efeito, nenhuma hipótese naturalista: nem alucinação, nem telepatia, nem criptestesia, nem criptomnésia, nem clarividência no passado e no presente, nem a hipótese do "reservatório cósmico de memórias individuais" poderiam explicar os fatos em seu conjunto, considerando-se que o incidente da impressão de uma mão de fogo bastaria para eliminar todas elas.

215. Como se pôde ver, o Prof. Vicente Collis concluiu no mesmo sentido. E, no que concerne à documentação dos fatos ora relatados, acho que o Prof. Collis tem bastante razão em notar: "Em vista da autenticidade indiscutível dos fatos em questão e, portanto, de um valor documentário e probativo tal que ela poderia, talvez, decidir a eterna controvérsia sobre a realidade da sobrevivência da alma humana, resolvi enviar-vos a tradução do caso em questão, visto o mesmo não ter ainda encontrado eco nas revistas espíritas."

216. Acrescento que, assim agindo, prestou ele notável serviço à nova "Ciência da Alma", visto que o caso apresentado é, teoricamente, de grande eloquência em favor da hipótese da sobrevivência. De outra parte, o caso está documentado e demonstrado por um inquérito judicial, pelo depoimento dos acusados, por todos os testemunhos, inclusive do procurador-geral da província de Chrudim que viu, com os próprios olhos, a impressão da mão de fogo no ombro do percipiente protagonista. Todas estas circunstâncias constituem um conjunto de provas importantes e decisivas em favor dos fatos.

217. Outro ponto importante a ser destacado: o percipiente conversou varias vezes com o fantasma da morta, o que confirma, eficazmente, o caso de Lady Beresford, no qual se encontra o mesmo e raro detalhe. Raro, dizemos, mas que sempre se produz.

218. Resta-nos encarar o incidente da impressão de mão de fogo do ponto de vista da hipótese dos estigmas por autossugestão emotiva. No caso em questão, trata-se de uma impressão em fogo que ficou gravada no corpo do percipiente em condições de crise emotiva. E como a hipótese autossugestiva não pode ser teoricamente afastada, notarei que o fato de admiti-la equivaleria a pretender analisar isoladamente cada um dos casos de que nos ocupamos, sem considerar os outros, o que seria absolutamente contrário aos métodos de pesquisas científicas. Além disto, seria pretender dividi-los arbitrariamente em duas categorias, pondo os casos que se produziram no corpo humano na categoria dos fenômenos subjetivos e autossugestivos e as que sucederam em tecidos e objetos na classe dos fenômenos que tiveram origem supranormal ou mediúnica, o que constitui outra afirmação contrária aos métodos de pesquisas científicas, segundo os quais deve admitir-se como legítima a hipótese que consiga explicar os fatos em seu conjunto e afastar, como falhas, todas as hipóteses que só em parte os expliquem.

219. Seria preciso admitir apenas algumas exceções à regra geral quando o estado emotivo de um perceptivo sugestionável pudesse determinar um fenômeno rudimentar de estigma. Em suma, esta última possibilidade pode ser considerada como teoricamente admissível em circunstâncias excepcionais, tão excepcionais, na realidade, que não se conhece nenhum caso desse gênero que possa autorizar, com algum fundamento, esta explicação. (Continua na próxima edição.)

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita