MARIA ENY
ROSSETINI PAIVA
menylins@terra.com.br
Lins, SP
(Brasil)
O reino de Deus,
na visão do
filósofo
Herculano
Os atalhos
O Capítulo VI do
livro O Reino
reserva-nos uma
surpresa! Só
mesmo uma mente
privilegiada,
uma cultura
incomum como a
do professor
Herculano
poderia entender
os grandes
desvios, os
atalhos,
ásperos,
estreitos, pelos
quais os homens
fascinados pelo
sonho do Reino
tentam
implantá-lo
sobre a Terra.
Herculano
termina o
Capítulo V com a
indagação: “Quem
pode tirar do
Espírito dos
homens a eterna
miragem do
Reino?”.
Começa seu
estudo falando
das heresias,
contra as quais
a Igreja lutou
séculos. Muitas
delas isolavam
seus profitentes
na zona rural,
longe dos
soldados
repressores.
Herculano assim
as descreve:
“Seitas de
aldeões
simplórios em
delírio místico
visualizando em
sonho as torres
e mirantes do
Reino. Grupos
fanáticos de
visionários
ilustrados que
se consideravam
profetas,
missionários, e
arrastavam
multidões
sedentas de uma
verdade mal
entrevista”.
Assim ele define
as heresias:
“Seitas ao mesmo
tempo humildes e
arrogantes, de
camponeses
ansiosos por
amor e justiça,
tentando
estabelecer na
Terra o Amor e a
Justiça do
Reino”. Uma
definição que
nos faz lembrar
Antonio
Conselheiro no
Nordeste e o
movimento do
Contestado no
Sul. O anseio
por Justiça e
Amor movimentou
sempre os
corações e
muitas vezes se
autodestruiu,
porque não soube
alterar o modelo
de poder,
querendo
estabelecer
outros reis e
dominadores,
para na verdade,
apenas e tão
somente mudar os
arreios, ao
invés de
eliminá-los na
condução da
sociedade.
Ainda ressoam,
sem eco, as
palavras de
Jesus: “Aquele
que quiser ser o
primeiro, que
seja servo dos
demais”, ou
seja, poder é
serviço para os
outros e não
domínio sobre o
outro.
Herculano
reconhece também
que “ao lado das
heresias
surgiram também
as ideologias
desesperadas,
contraditoriamente
alimentadas de
esperanças.
Mártires do
Reino arderam em
fogueiras
assassinas,
morreram em
torturas
piedosas, foram
degolados e
torturados”...
Surpreende
Herculano,
então,
falando-nos que
assassinos que a
História nos
mostra como
destruidores da
civilização
romana também
ouviram o
chamado do
Reino. Quiseram
pela violência e
morte implantar
um novo Reino.
Assim, coloca
que Átila
visualizou o
Reino ainda que
a distância e as
hordas de
bárbaros
derrubaram
impérios. Então
pergunta: “Quem
poderia segurar
os homens
alucinados pelo
anseio de Amor e
Justiça?”.
Cita então os
mouros na
Espanha, com seu
alfanje
devorando as
cidades cristãs,
em nome da
república
islâmica,
trazendo para a
ignorância dos
monges, que
destruíram em
nome da fé toda
a cultura grega
romana, os
escritos dos
filósofos
antigos, que sua
cultura
considerada
“infiel e
bárbara” pelos
cristãos (a
pretensão e o
orgulho dos
israelenses e
romanos de novo,
repetido na
História), e que
eles,
mulçumanos,
preservaram,
ensinando aos
povos
analfabetos e
ignorantes a
matemática, a
álgebra e os
números
arábicos. “Ah,
como o fascínio
do reino
perdurou nos
corações
perjuros,
torturando-os
através dos
séculos!”
– exclama
o professor
Herculano.
Apenas os que se
detiverem a ler
com atenção esse
capítulo VI de O
Reino poderão
entender a
beleza com que
Herculano coloca
como um dos
precursores do
Reino: Jean
Jacques
Rousseau, o
maldito, o
incoerente
revolucionário
que coloca seus
quatro filhos na
“roda dos
indigentes” em
Paris e, com sua
pena, estabelece
os fundamentos
das modernas
sociedades,
escrevendo O
contrato social.
Mostra o
homem novo,
fundamento da
educação natural
moderna em O
Emílio, e
apresenta “o
novo amor que
cimenta a
família nova,
formada pelo
sentimento puro,
livre das
impurezas e do
jugo doloroso
das ambições” em
Heloísa.
Uma conduta
pessoal
lamentável que o
transforma em
réprobo social,
mas essas obras
produziram “a
Revolução
Francesa, a
Queda da
Bastilha, a
derrubada dos
privilégios da
Nobreza”. Com
ele surge o
primeiro esboço
da Religião
Racional, da
Nova Educação, e
a proclamação do
Reino na fórmula
revolucionária:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade.
É preciso
conhecer
Filosofia, ter
uma cultura
universalista
para superar os
preconceitos,
como Herculano,
que continua
nesse capítulo a
enumerar os
atalhos pelos
quais os homens
tentam atingir o
Reino do Amor e
da Justiça.
Fala-nos de Karl
Marx e de sua
luta que lhe
devorou a saúde,
dos dezesseis
volumes
alentados de “O
Capital”, onde
disseca com
análise rigorosa
o corpo de uma
sociedade
injusta. A
imagem com que
ele encerra a
visão de Marx, o
“profeta
extemporâneo,
que salta da
Bíblia e tenta
esmagá-la com os
pés”, sem
conseguir,
porque estava
velho demais, é
algo
inesquecível.
Então,
inesperadamente,
novamente o
autor nos
surpreende e nos
fala de
Mussolini “um
Rei transformado
em títere. Os
direitos humanos
violados. A
mentira do
corporativismo
escravizando as
massas. O
servilismo, a
arrogância, a
brutalidade, o
ódio erigido em
valores novos”.
A seguir nos
fala de Hitler.
E completa:
“Tanta
impiedade, tanta
loucura no
desvario do
Reino”.
De uma forma
suave e branda
como uma brisa
matinal,
Herculano nos
faz ver que
mudavam-se as
estrutura,
mudavam-se os
donos do poder,
mas faltava a
mudança que o
Jovem
Carpinteiro
havia começado.
Jesus ensinara
que o Reino não
começa por
sinais
exteriores, mas
está dentro de
nós. Mas os
homens
continuaram a
buscar poder,
dinheiro,
grandeza,
sonhando como os
discípulos e os
revolucionários
do tempo de
Jesus na Glória
de Israel e em
seu domínio
sobre todos os
povos. Os
atalhos só nos
trouxeram
sofrimentos!
Ele termina o
capítulo citando
Gandhi: o
meio é caminho
do fim.
Ninguém pode
atingir Paris,
se tomar o
caminho para
Roma, da mesma
forma, esses
confusos atalhos
nos enleiam em
uma prisão. Mas,
ao mesmo tempo,
caminhamos para
a libertação. É
isso que ele nos
explica no
próximo capítulo
seguinte: A
CONFLUÊNCIA.
É aqui que o
Reino deve ser
implantado. No
entanto, isso
requer, além da
compreensão de
seus
fundamentos, a
vivência pessoal
deles, porque O
Reino de Deus
está dentro de
nós. Apenas os
que vivem essa
realidade podem
entender que
lutar pela
implantação do
Reino de Deus
não é esperar
indefinidamente
por sua
implantação, em
uma matemática
absurda e
infantil: “O
mundo será
regenerado,
dizem, quando
todas as pessoas
entenderem a
mensagem de
Jesus e a
praticarem. Será
a reforma íntima
de cada um que
nos levará à
mudança social
que, então, será
possível de modo
brando e
pacífico. Será a
soma da reforma
íntima de cada
um que levará o
mundo a se
tornar um mundo
de regeneração”.
Dizer isso é
desconhecer a
obra da
Codificação e os
mais comezinhos
princípios de
sociologia.
Imaginemos que
no Brasil, que
carrega a
vergonha
histórica de ser
o último país do
mundo a abolir a
escravidão dos
negros, as
Igrejas e as
Escolas
principiassem em
1888, exatamente
no dia 13 de
maio, uma
campanha para
libertar os
escravos,
mostrando como é
desumano
escravizar
alguém, como
isso leva à
indignidade do
escravizador e
do escravizado,
e outras
questões para
reformar pela
educação e sem a
utilização das
leis punitivas,
que estabelecem
sanções a quem
não as cumprir.
Por acaso alguém
pode ser tão
ingênuo de
imaginar que os
escravocratas,
as senhoras que
utilizavam os
escravos iriam
se sensibilizar?
Todas as
Igrejas, que
utilizavam e
utilizam a
Bíblia para
justificar a
escravidão,
iriam modificar
seu discurso e
libertar os
cativos que
mantinham? Na
verdade, se a
comunidade
internacional
não
interferisse,
respeitando
nossa liberdade,
seríamos hoje
o único país do
mundo a manter
os negros
cativos.
Alguém poderá
argumentar que a
liberdade dos
negros os
empurrou para as
favelas, que
ninguém se
preocupou em
educá-los para
fazer deles
cidadãos
brasileiros com
as mesmas
possibilidades
dos brancos...
Com certeza,
isso é verdade,
mas também nos
mostra que, cedo
ou tarde, esses
excluídos
acordam, e se as
leis os
favorecem, e já
existem, EXIGEM
que lhes sejam
dados os
direitos
usurpados, por
organizações
injustas e
cruéis. É o que
se passa hoje no
Brasil, quando o
racismo, se
comprovado, pode
custar ao
infrator até
três anos de
cadeia.