ANGÉLICA
REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil) |
A Morte e os seus
Mistérios
Ernesto
Bozzano
(Parte
19)
Damos sequência nesta edição
ao
estudo do livro A
Morte e os seus
Mistérios,
de Ernesto Bozzano,
conforme
tradução de Francisco
Klörs Werneck.
Questões preliminares
A. Muitos enfermos, após
o susto provocado pela
quase-morte, costumam
tranquilizar-se quanto
ao seu estado?
Sim. O Almirante Beaufort, no momento de crise, afirmou: "Ainda que
eu estivesse consciente
de estar me afogando, a
aventura não se me
afigurava como uma
desgraça”. Tal
sentimento, segundo
Bozzano, corresponde ao
de numerosos enfermos
que, após terem temido a
morte até o momento em
que a crise fatal os
assalta, subitamente se
tranquilizam e, cheios
de resignação sobre o
seu estado, aguardam o
fim sem queixume, por
vezes mesmo alegremente,
como se o fato de se
encontrarem no limiar do
Além lhes houvesse
revelado grande verdade,
isto é, que a morte é um
bem e que este bem só
tem aparência de um mal
por efeito do instinto
natural indispensável à
conservação da espécie.
(Obra citada, 3ª Monografia. Casos de "visão panorâmica"
acontecidos na iminência
da morte ou em perigo de
vida. Caso V.)
B. A sensação de
desdobramento espiritual
em tais casos é comum
aos indivíduos?
Em muitos casos, sim, essa sensação foi registrada. No Caso VII, a
percipiente,
simultaneamente com o
fenômeno da visão
panorâmica, teve o
sentimento de não mais
se achar na Terra, de
voltar de muito longe,
de um ambiente em que se
sentia feliz. Essas
expressões deixam
presumir que na enferma
havia se verificado a
separação do "corpo
astral" e do organismo
somático, como se
observou no Caso IV, em
que o percipiente disse
também sentir-se em
estado de desdobramento.
(Obra citada, 3ª
Monografia. Casos de
"visão panorâmica"
acontecidos na iminência
da morte ou em perigo de
vida. Caso VII.)
C. Como o sentimento de
desdobramento pode ser
traduzido?
A pessoa tem impressão de que o corpo está em um lugar e a alma em
outro lugar. No Caso
VIII, a enferma diz ter
experimentado uma
sensação de tédio por se
encontrar aqui, frase
que exprime o desejo
manifesto, nesse
percipiente como em
tantos outros, de
permanecer no lugar a
que havia sido
transportada durante o
momento de sua visão. O
sentimento de
desdobramento, no caso
citado, pode ser
traduzido nestas
palavras: "Como se o
corpo estivesse
estendido no leito e ela
em outro lugar",
sentimento legítimo pelo
fato de a mesma enferma,
em outras circunstâncias
da mesma doença, ter
tido verdadeiras visões
"autoscópicas" em
correspondência com a
anestesia total de seu
corpo.
(Obra citada, 3ª
Monografia. Casos de
"visão panorâmica"
acontecidos na iminência
da morte ou em perigo de
vida. Caso VIII.)
Texto para leitura
297. Reportando-se ainda ao Caso V, Bozzano registra a seguinte
observação feita pelo
Almirante Beaufort,
relativamente à “visão
panorâmica” por ele
experimentada: "Ainda
que eu estivesse
consciente de estar me
afogando, a aventura não
se me afigurava como uma
desgraça."
298. Este sentimento corresponde, segundo Bozzano, ao de numerosos
enfermos que, após terem
temido a morte até o
momento em que a crise
fatal os assalta,
subitamente se
tranquilizam e, cheios
de resignação sobre o
seu estado, aguardam o
fim sem queixume, por
vezes mesmo alegremente,
como se o fato de se
encontrarem no limiar do
Além lhes houvesse
revelado grande verdade,
isto é, que a morte é um
bem e que este bem só
tem aparência de um mal
por efeito do instinto
natural indispensável à
conservação da espécie.
299. Caso VI – Este episódio foi extraído de um relatório de
experiências
supranormais
pessoalmente acontecido
com uma doutora em
medicina, conhecida
íntima do Professor
Hyslop. O relato foi
publicado pelo Journal
of the American Society
for Psychical Research:
"Há dois anos fui
submetida a uma grave
operação cirúrgica, em
consequência da qual os
médicos declararam
desesperado o meu caso,
pois não esperavam meu
restabelecimento. Eu me
achava extremamente
fraca e, quando me
esforçava por falar,
conseguia apenas
balbuciar palavras
confusas. A enfermeira
estava ajoelhada à
cabeceira de meu leito,
orando pela minha alma.
Subitamente, diante de
meus olhos, desfilou
toda a visão de minha
vida, as contrariedades
por mim suportadas e
todos os erros que
cometi nela; tudo isto
desfilou diante de mim.
Mas, ao mesmo tempo, eu
percebia que tudo o que
me havia acontecido,
durante minha
existência, fora para o
bem e tudo que sobrevém
é providencial e
salutar. Logo depois
ouvi uma voz a me dizer:
‘Tu deverás voltar ao
corpo’. Certamente não o
desejava, mas compreendi
que era preciso
obedecer. Foi por esta
razão que me voltei para
a enfermeira e
sussurrei: Levantai-vos,
eu viverei!"
300. Este episódio apresenta sinais de afinidades com o anterior.
De fato, verifica-se
nele que a percipiente
teve, também, a noção do
valor moral da visão que
desfilava diante de seus
olhos, bem como a noção
complementar de que
todos os acontecimentos
de sua vida foram
produzidos para seu bem:
princípio verdadeiro e
moralmente justo. Por
outro lado,
compreende-se bem a
importância da segunda
circunstância, quando a
sensitiva declarou:
"Certamente não o
desejava, mas compreendi
que era preciso
obedecer", declaração
que se deve comparar com
a do Almirante Beaufort
quando este disse que a
morte não lhe parecia
uma desgraça.
301. Caso VII – O Dr. Sollier publicou este relato na Revue
Philosophique: "O
primeiro caso é o de
certa moça morfinômana,
gravemente atingida,
que, no momento da
supressão do tóxico,
apresentou repetidos
acidentes de síncope que
facilmente lhe poderiam
ter produzido a morte.
Tinha a ideia muito
clara de que ia
morrer... Ao sair de
síncope das mais graves,
da qual fora arrancada
graças à ministração de
diversas doses de
morfina, exclamou: ‘Oh!
como eu volto de longe!
Como me sentia tão bem!’
E, a seguir, me contou
que, no mesmo instante
em que sentia fugir-lhe
a consciência,
experimentara
extraordinário
bem-estar, não mais se
reconhecendo na Terra,
ainda que continuasse a
ver e ouvir tudo, com
extrema claridade, ao
mesmo tempo que revia,
numa espécie de
panorama, de
fantasmagoria, toda a
sua vida passada. Mas os
fatos não se
desenrolaram em ordem
cronológica, quer
progressiva, quer
regressiva, pois tudo
lhe aparecera, ao mesmo
tempo, no mesmo plano,
por assim dizer...".
302. O caso ora relatado reveste apreciável valor teórico no
sentido de ter tido a
percipiente,
simultaneamente com o
fenômeno da visão
panorâmica, o sentimento
de não mais se achar na
Terra, de voltar de
muito longe, de um
ambiente em que se
sentia feliz.
303. Todas as expressões deixam presumir que na enferma havia se
verificado a separação
do "corpo astral" e do
organismo somático. O
fato lembra o relatado
no Caso IV, em que o
percipiente disse
sentir-se em estado de
desdobramento.
304. Não se pode negar a eloquência sugestiva destas concordâncias
de expressão por parte
dos sensitivos,
eloquência que, para
qualquer pessoa
suficientemente versada
na matéria, por saber
que os fenômenos de
"desdobramento no leito
de morte" se realizam
efetivamente, concorre
para fortalecer a
observação supracitada,
a saber: se os fenômenos
da visão panorâmica se
produzem ao mesmo tempo
em que se realizam os de
desdobramento com
manifestação de
faculdades supranormais
subconscientes, isto
significa, pois, que a
"visão panorâmica" é
consequência da desunião
da "memória sintética" e
do órgão cerebral,
desunião correspondente
ao começo da separação
entre o "corpo astral"
(sede da memória
sintética ou espiritual)
e o organismo somático.
305. Caso VIII – Eis um outro exemplo de visão panorâmica sucedida
com uma morfinômana. A
observação é devida ao
Dr. Sollier, que a
publicou no Bulletin de
l'Institut Général
Psychologique: "Trata-se
de moça nervosa e
sujeita a síncopes,
morfinômana de doses
elevadas que caíra em
alarmante estado de
caquexia com complicação
de albuminúria. (1) Foi submetida a uma desmorfinização rápida. A supressão
durava já vinte e quatro
horas sem apresentar
nada de particular,
exceto as perturbações
habituais – diarreia,
vômitos biliosos, suores
– quando subitamente
experimentou enorme
sensação de esgotamento.
Ao mesmo tempo sentiu
violenta dor que
comparou a um ferro em
brasa que lhe tivesse
atravessado a cabeça até
à nuca, dor muito curta
e que diminuiu
gradualmente, quando
experimentou uma
sensação de bem-estar,
de repouso e, de súbito,
viu desenrolar toda sua
existência. Foi como se
todos os acontecimentos
de sua vida tivessem
sido impressos em filme
que, diante dela,
passasse de cima para
baixo. Os acontecimentos
sucediam-se na ordem
inversa, de hoje até a
idade de cinco anos ou
menos. ‘Tudo o que tenho
na cabeça, eu o vi’,
contava-me a paciente,
‘com detalhes inauditos,
acompanhados de vagas
saudades e de impressões
de saudade, nunca de
alegria (verdade é que
nunca os houve em minha
vida), que cada imagem
me fazia experimentar.
Tudo era sombrio... As
coisas apareciam em uma
superfície plana, mas
certos fatos de minha
vida, as emoções, por
exemplo, para mim se
apresentavam em relevo:
era como se estivéssemos
a olhar três fotografias
de pessoas que
conhecêssemos bem. Duas
nos pareceriam planas e
uma, a que muito amamos,
nos pareceria mais clara
e em relevo..’ Quando
voltou a si, ela
primeiro experimentou
uma sensação de tédio
por se achar aqui.
Sentia-se amorfa, como
se o corpo estivesse
estendido no leito e ela
em outro lugar. Só
experimentava sentimento
muito vago de si
mesma... A partir desse
instante, tornou-se
completamente
anestesiada... Por outro
lado, apresentou
alucinações
‘autoscópicas’
(2)
muito nítidas, que
terei ocasião de relatar
neste mesmo Boletim."
306. No caso precedente, a percipiente descreve, de medo
instrutivo, a própria
experiência e sua
descrição concorda com
as outras, no que se
refere às
particularidades
essenciais, diferindo,
entretanto, nas
particularidades
secundárias, que não
podem ser idênticas em
cada caso, isto devido
às idiossincrasias
peculiares a cada
percipiente.
307. Cumpre observar que a enferma experimentou por sua vez, "uma
sensação de tédio por se
encontrar aqui, frase
que exprime o desejo
manifesto, nesse
percipiente como em
tantos outros, de
permanecer no lugar a
que havia sido
transportada durante o
momento de sua visão.
308. Observa-se, enfim, o sentimento de "desdobramento" traduzido
nestas palavras: "Como
se o corpo estivesse
estendido no leito e ela
em outro lugar",
sentimento legítimo pelo
fato de a mesma enferma,
em outras circunstâncias
da mesma doença, ter
tido verdadeiras visões
"autoscópicas" em
correspondência com a
mesma anestesia total de
seu corpo. De tais
visões, destaca-se esta
informação instrutiva
que, à medida que certas
partes de seu corpo
recuperavam a
sensibilidade perdida
(ou, em outros termos,
quando o elemento
fluídico vitalizador do
membro somático
correspondente tornava a
entrar função), ela via
o seu próprio fantasma,
privado desse membro que
aí acabava de readquirir
sua sensibilidade, mas a
percipiente não via nem
seus braços, nem seus
pés, que ela agora
sentia quando pinçados.
309. Bem entendido, o Dr. Sollier explica correspondências
semelhantes entre a
sensibilidade renascente
e a mutilação do
fantasma "autoscópico"
(2),
do ponto de vista
restritivo da
psicopatologia
universitária, mas é
evidente que as
explicações desse gênero
só podem ser parciais e
ilusórias, visto se
acharem desprovidas de
bases fundamentais de
todas as investigações
neste domínio, bases que
as disciplinas
metapsíquicas são
exclusivamente capazes
de fornecer.
(Continua na próxima
edição.)
(1)
Albuminúria: presença de albumina na urina.
(2)
Autoscópico: derivado de
autoscopia, nome que se
dá à experiência em que
uma pessoa, acreditando
estar acordada, vê seu
corpo, o ambiente e o
mundo a sua volta como
se estivesse fora do seu
corpo físico.