Sobre bodes e
cabras
Antigo adágio
popular assevera
que: “prendo
minhas cabras,
porque os bodes
estão soltos”,
referindo-se à
necessidade de
supervisão da
conduta afetiva
das jovens do
gênero feminino,
a despeito da
liberdade
inerente
atribuída ao
gênero
masculino. Como
todo ditado,
revela uma
sabedoria do
senso comum,
presente na
cultura das
comunidades e no
cotidiano das
ações.
Quando vejo
jovens moças
acompanhando os
pais e esses se
orgulhando de
dizer que a
menina, quase na
maioridade,
ainda não
namorou,
estampando na
face a
tranquilidade da
“zona de
conforto”, pelo
fato de estar
protelando
problemas e
desafios dessa
experiência, me
preocupo muito.
Causa espanto e
apreensão essa
negação da
vivência
afetiva,
entendida como
uma coisa
positiva, como
se o
relacionamento
afetivo fosse
uma coisa sempre
nefasta, que
deve ser adiada
o máximo
possível.
Essa visão dos
pais, de que a
menina está bem
por não ter
interesse em
relações
afetivas, pode
trazer prejuízos
sérios à
formação de sua
personalidade,
decorrentes da
fuga dos
conflitos e das
experiências
naturais da
adolescência,
por vezes
encontrando até
na religião um
refúgio, como no
caso do voto de
clausura.
Preocupa-me
muito mais a
solidão juvenil.
O isolamento
juvenil da vida
amorosa diminui
aparentemente os
riscos e as
incertezas da
vida, pode
prometer curar
chagas de dores
mal resolvidas e
ainda, adiar a
luta contra a
timidez.
Entretanto, ao
mesmo tempo,
nega a vivência
saudável e
produtiva de uma
relação afetiva,
onde se
experimenta a
dor da saudade,
a força da
paixão e a
confusão do
ciúme, tendo a
adolescência
também esse
caráter de
“escola dos
sentimentos”,
preparando para
a vida.
A ausência de
relacionamentos
pode criar
jovens
amedrontadas,
inseguras e
frágeis para a
vida que se
segue, onde se
incluirá a
inevitável
vivência de
relacionamentos
mais sérios e
provavelmente o
casamento. Não
ver óbices e até
exaltar a jovem
de uma certa
idade que não
vivencia o
namoro, por mais
cômodo que seja
para os pais,
pode mascarar as
frustrações de
uma mente
reprimida, que
sofrerá mais à
frente, quando a
vida a empurrar
do galho, tendo
que, então, voar
sozinha.
Da mesma forma,
essa repressão
polarizada no
polo feminino
pode romper o
diálogo, criando
um reino de
mentira, de
pessoas de duas
caras,
apresentando a
família uma
faceta e ao
mundo masculino
outra. O diálogo
com a família
permite repartir
dúvidas e
fortalecer a
visão da jovem,
às vezes ingênua
diante das
armadilhas da
juventude, na
divisão de
impressões
diante dos
“cantos de
sereia” típicos
à idade.
O dito popular
citado reforça
essa normalidade
da
pseudopreservação
feminina, que
pode representar
uma virtude
aparente,
ocultando um
sufocamento do
convívio social,
privando-a de
uma das coisas
belas da vida,
que é namorar.
Essa visão
sexista traz
embutida uma
percepção
negativa da
afetividade, da
relação entre as
pessoas, do amor
romântico,
proscrevendo
estas
potencialidades
naturais do ser
humano, sagradas
e benditas, como
já nos
asseverava Chico
Xavier no
programa “pinga
fogo” (1971),
revelando que o
problema não
está na
potencialidade e
sim na
imperfeição
humana.
O complexo, o
desafio posto, é
encontrar o
ponto de
equilíbrio entre
o zelo pela
criação da jovem
e o medo da
vida, associado
às questões mal
trabalhadas nos
corações dos
próprios pais. A
juventude é um
momento de
cuidado, crítico
para pais e
jovens, em que
todo o processo
de educação,
associado à
bagagem do
Espírito, se vê
confrontado com
o mundo, na
formação da
personalidade.
Por isso, adiar
conflitos não
conduz à solução
dos mesmos,
cabendo a
orientação e o
diálogo, como
remédios em
doses
homeopáticas
diante das
dificuldades,
inexoráveis, na
existência do
Espírito
encarnado.
E para os jovens
leitores e
leitoras, bem
como seus pais,
concluo a
reflexão com um
trecho da poesia
“Ter ou Não Ter
Namorado? Eis a
Questão!!!”, de
Carlos Drummond
de Andrade:
"Quem não tem
namorado é
alguém que tirou
férias não
remuneradas de
si mesmo.
Namorado é a
mais difícil das
conquistas.
Difícil porque
namorado de
verdade é muito
raro. Necessita
de adivinhação,
de pele, saliva,
lágrimas, nuvem,
quindim, brisa e
filosofia.
Paquera, gabiru,
flerte, caso,
transa, envolvimento,
até paixão, é
fácil. Mas
namorado mesmo,
é muito difícil.
(...)”.