Damos sequência nesta edição
ao
estudo do livro A
Morte e os seus
Mistérios,
de Ernesto Bozzano,
conforme
tradução de Francisco
Klörs Werneck.
Questões preliminares
A. A 2ª categoria dos
casos tratados neste
livro refere-se a que
tipo de ocorrências?
Ela refere-se às ocorrências em que a "visão panorâmica" se
verificou com pessoas
sadias e não havia no
caso a sensação do
perigo de morte. Esses
casos, segundo Bozzano,
são bem raros e, de
fato, ele só apresenta
no livro quatro
exemplos.
(A Morte e os seus
Mistérios. Casos de
"visão panorâmica"
acontecidos com pessoas
sadias e sem a sensação
de perigo de morte.)
B. As manifestações de
“visão panorâmica” são
sempre rápidas?
Depende. Normalmente, são rápidas, mas pode haver ocorrências como
o relatado no Caso XI,
em que a manifestação se
prolongou por cerca de
uma hora, depois da qual
as imagens pictográficas
se apagaram e nada
restou delas salvo uma
impressão visual
confusa. Segundo
Bozzano, este detalhe
não apresenta, na
realidade, um
significado teórico
especial, pois que, uma
vez admitida a
existência na
subconsciência humana de
uma "memória sintética",
pode-se presumir, a
priori, que ela deveria
emergir e se manifestar
sob uma forma
panorâmica, seja de uma
maneira cronológica mais
ou menos rápida, seja
sob as aparências de um
grupo orgânico de
recordações.
(Obra citada, 3ª Monografia. Casos de "visão panorâmica". 2ª
Categoria: acontecidos
com pessoas sadias e sem
a sensação de perigo de
morte. Caso XI.)
C. À vista dos fatos
relatados nesta obra,
podemos concluir que a
ocorrência da “visão
panorâmica” independe
dos estados de saúde e
de alma do indivíduo?
Sim. E é exatamente isso que comprova que as explicações dos
fisiólogos concernentes
às causas que provocam
essas manifestações são
claramente
insuficientes.
(Obra citada, 3ª
Monografia. Casos de
"visão panorâmica". 2ª
Categoria: acontecidos
com pessoas sadias e sem
a sensação de perigo de
morte. Caso XII.)
Texto para leitura
310. A 2ª categoria dos
casos tratados neste
livro refere-se às
ocorrências em que a
"visão panorâmica" se
verificou com pessoas
sadias e não havia no
caso a sensação do
perigo de morte. Tais
casos, diz Bozzano, são
bem raros e ele só
apresenta no livro
quatro exemplos.
311. Na verdade, esta categoria não oferece valor teórico
particular, porque, se o
despertar da "memória
sintética" se produz na
crise que precede a
agonia ou nas
circunstâncias de
acidente que põem a vida
em perigo, não se diz
que, por exceção, o
mesmo fenômeno não possa
acontecer com pessoas
que estão de boa saúde,
real ou aparente. Casos
iguais excepcionais
podem ser observados em
não importa qual
categoria de
manifestações
metapsíquicas de ordem
intelectual. Dão-se
fenômenos de telepatia,
de telestesia, de
clarividência no
passado, no presente e
no futuro entre pessoas
aparentemente normais,
seria, pois, de admirar
que não se encontrassem
pessoas normais às quais
não acontecesse terem
"visões panorâmicas",
visões que têm a origem
- como os outros
fenômenos supracitados -
em um súbito impulso de
faculdade supranormal
subconsciente.
312. Caso IX – O episódio a seguir relatado foi extraído do vol.
XI, pág. 355 dos
Proceedings of the
Society for Psychical
Research. Não se trata
precisamente de "visão
panorâmica", mas, sim,
de brusca revivescência
de um grupo de
recordações remontando a
anos da infância (hipermnésia)
e com tal vivacidade que
a percipiente se sentiu
reviver em um passado
esquecido. (1)
313. A este propósito, a
Sra. Clarkson Manning
escreveu, nos seguintes
termos, ao Professor
William James: "Quando
era ainda pequena,
residia em Rochester
(Estado de New York), e
estava confiada aos
cuidados de minha irmã
mais velha. À noite,
quando ia para a cama,
ficava ela sentada na
cabeceira até que eu
adormecesse. Muitas
vezes, porém,
acontecia-me acordar e,
como tivesse grande medo
do escuro, eu a chamava
com todas as minhas
forças: - ‘Jessie!
Jessie!’ Ela acorria
apressadamente,
acalmava-me e permanecia
junto de mim todo o
tempo em que eu não
reconciliasse o sono. Em
1875, fui residir com o
meu marido, oficial do
exército, em Fort
Hartsuff, no Nebraska.
Minha irmã residia,
então, em Omaha, a uma
distância de 300 milhas
de minha casa. Certa
noite de novembro,
acordei durante um sono
sem sonhos, com o
sentimento de ser a
filhinha que fora muitos
anos antes. Parecia-me
residir ainda na casa
paterna e estar ainda no
meu quartinho e de me
sentir sozinha no
escuro. Levantei-me e
sentei-me na cama,
chamando em alta voz: -
‘Jessie! Jessie!’ Meu
marido, então, acordou e
me perguntou o que me
acontecera. Lentamente,
dificilmente, custou-me
reconhecer o ambiente em
que me achava, mas, para
readaptar-me ao
presente, tive que fazer
um esforço mental
considerável. Nesse
momento, eu havia
literalmente revisto
toda a minha existência
de criança, na casa de
meus pais, e essa
sensação era tão
verídica, tão natural,
tão real, que me vi
desprovida de
vocabulário conveniente
para o descrever”.
314. Continuando o relato, a Sra. Manning disse que durante vários
dias não conseguiu
libertar-se da estranha
concepção de que era a
menina de outrora, o que
lhe parecia legítimo
pelo fato de lhe ser
possível recordar, nos
mínimos detalhes, a
visão de sua existência
de criança, visão que
ela havia há muito
esquecido até esse dia.
Na manhã do dia
seguinte, ela escreveu à
sua irmã contando-lhe a
curiosa experiência, mas
a carta cruzou com outra
que a irmã lhe enviara
com a mesma data que a
sua. Nela, a irmã lhe
narrou uma experiência
pessoal, não menos
extraordinária: na mesma
noite do sonho, ela
também havia acordado,
em sobressalto, pela voz
da Sra. Manning, que a
chamara por duas vezes:
- ‘Jessie! Jessie! A
realidade do fato era
indubitável e seu marido
foi abrir a porta,
supondo que, de fato, a
irmã estivesse lá. Na
carta, a irmã
acrescentou que não se
tratava de um sonho,
pois que havia
distintamente
reconhecido sua voz e
estava absolutamente
certa de que ninguém, em
volta dela e de sua
família, a havia chamado
naquela noite.
315. O marido da Sra. Manning, o Sr. W. C. Manning, sua irmã, Sra.
Jessie Clarkson Thrall,
assim como o marido
dela, Sr. George Thrall,
escreveram para
confirmar o relato que
acabamos de ler.
316. Embora confirmado, esse caso não diz respeito a "visão
panorâmica", mas
trata-se de um caso de
hipermnésia.
(1) Contudo, a identidade fundamental de ambos os fenômenos parece de
toda evidência, pois que
nas duas circunstâncias
trata-se de
revivescência de
recordações do passado,
recordações inteiramente
esquecidas. Em outros
termos, está-se na
presença de uma
reaparição parcial da
"memória sintética", com
a existência de um
período determinado do
passado e a ressurreição
muito vivaz de todos os
acontecimentos colocados
nesse período. A
sensação persistiu
alguns dias na
consciência da
percipiente.
317.
Era isso a consequência de um sonho? Não, certamente, assim como
atesta bem esse fato de
o incidente ter
provocado, à distância,
manifestação telepática
na casa de sua irmã
Jessie, principal
companheira da
percipiente, em tempos
recuados. Não podia
tratar-se lá de sonho
mais ativo que os sonhos
habituais, mas da
aparição de faculdades
subconscientes, pois que
a telepatia é função da
subconsciência humana.
318. Caso X - O Dr. Justinus Kerner, em seu livro sobre a "Vidente
de Prevorst", pág. 44 da
versão francesa, assim
se exprime: "As bolas de
sabão, os copos de
vidro, os espelhos,
provocavam a sua vista
espiritual. Uma criança,
tendo inflado uma bola
de sabão, fê-la
exclamar: ‘Ah! meu Deus.
Vi na bola de sabão tudo
o que eu havia passado,
algo remoto que se foi,
e não em breve momento,
mas em toda a minha
vida, e isto me
espanta.’ Neste caso, a
vidente estava em um
estado absolutamente
normal, se se pode falar
de estado normal quando
se trata de uma
sensitiva excepcional
como a "Vidente de
Prevorst"."
319. Caso XI – O professor Frederic Myers, em sua obra sobre a
"Consciência
subliminal", narra este
incidente: "Do mesmo
modo, nos casos de
pessoas absolutamente
sãs, podem acontecer
subitamente irrupções de
recordações
persistentes, com
detalhes há muito tempo
passados e bem mais
completos que os de que
a percipiente teria
podido, voluntariamente,
fazer a recordação em
sua memória. Um jovem
oficial da marinha real
conta esta experiência,
de que foi protagonista,
quando ele lia deitado
na cama, em estado de
absoluta vigília e na
plena calma de seu
espírito, assim: ‘Todo
acontecimento, que me
tinha acontecido desde o
dia em que embarquei
pela primeira vez, me
passou diante dos olhos,
como distribuído em um
quadro: localidades,
episódios, rostos e
nomes de pessoas
conhecidas: tudo,
absolutamente tudo. Essa
manifestação se
prolongou por cerca de
uma hora, depois da qual
as imagens pictográficas
se apagaram e nada
restou delas salvo uma
impressão visual
confusa. Esse fenômeno
exerceu sobre mim um
efeito profundo, do qual
experimentei como uma
espécie de mal-estar
durante dois anos’." (Proceedings
of the S.P.R., vol. XI,
pág. 354.)
320. Nesse episódio, é preciso salientar a circunstância de duração
da manifestação: cerca
de uma hora. Este
detalhe, na realidade,
não apresenta um
significado teórico
especial, pois que, uma
vez admitida a
existência na
subconsciência humana de
uma "memória sintética",
pode-se presumir, a
priori, que ela deveria
emergir e se manifestar
sob uma forma
panorâmica, seja de uma
maneira cronológica mais
ou menos rápida, seja
sob as aparências de um
grupo orgânico de
recordações.
321. Caso XII - Este episódio figura em uma relação das mais
interessantes, publicada
pelo Professor Hyslop (Journal
of the American S. P.
R., 1913, págs.
406-421), na qual estão
detalhadas as terríveis
peripécias por que
passou o viajante Everts,
extraviado, em pleno
inverno, nas florestas
virgens dos Estados
Unidos da América. Ele
se alimentou de raízes
durante trinta e sete
dias e sem fósforos,
pelo que só podia
conseguir fogo
concentrando, por meio
de uma lente, os raios
de sol em cima de
gravetos de madeira
seca. Certo dia,
aconteceu-lhe perder
esse objeto tão precioso
e foi no desespero de
tal perda fatal que
experimentou o fenômeno
da "visão panorâmica".
322. Eis o episódio em questão: "Dois ou três dias antes de ser
encontrado, quando subia
uma colina com grande
elevação, caí de fadiga
sobre pequena moita, sem
ter energia para me
levantar. Então desatei
o cinturão - como tinha
o hábito de fazer - e
logo adormeci. Não tenho
ideia do tempo que durou
o meu sono, mas,
acordando e reajustando
a correia de meu
cinturão, esforcei-me,
com dificuldade, para
pôr-me de pé e continuei
a marcha. Como o sol
descesse para o poente,
escolhi um canto
conveniente para me
servir de abrigo, reuni
um ramo de galhos secos
e procurei, no bolsinho
do cinturão, a lente
para acender o fogo. Que
surpresa desoladora! A
lente não se achava mais
lá! Eu a tinha perdido.
Se a terra tivesse se
aberto para me engolir,
eu não ficaria mais
aterrorizado. Minha
última possibilidade de
me salvar me fora
retirada! Minha suprema
esperança morrera...
Cobri-me o melhor que
pude com ramos de
árvores e galhos de
arbustos, guardando a
terrível certeza de que
a minha luta pela vida
chegara ao fim e que eu
não acordaria mais... E,
súbito, com a rapidez de
um raio, se
apresentaram, diante de
meu espírito, episódios
de minha vida. O poder
de minha faculdade de
pensar estava duplicado,
triplicado, tão bem que
se apresentou, sob os
meus olhos, como em
visão, o panorama todo
inteiro de minha
existência. Tudo
aparecia, posto em boa
ordem, como colorido
pelos raios do sol e
depois, tudo
desapareceu, logo após,
como os fantasmas de um
sonho vivaz. Quando me
voltou a calma, a razão
retomou o seu curso. Por
felicidade, o frio
ficara temperado.
Procurei rememorar o
incidente, refazendo de
memória cada passo que
eu havia dado na
floresta durante o dia e
concluí que a lente
devia ter saltado do
bolso do cinturão no
momento em que havia
adormecido sobre a
moita, lugar de meu
desfalecimento. Para
voltar a esse local,
devia percorrer cinco
longas milhas na
montanha, mas não havia
outra alternativa e,
antes de surgir a
aurora, havia caminhado,
cambaleante, a metade do
caminho. Quando atingi o
dito lagar, experimentei
a grande alegria de
achar a lente na moita
sobre a qual dormira."
323. Comentando este caso, Bozzano diz que, ainda que o
desenvolvimento dos
fatos, nesta relação,
pareça conforme o título
desta 2ª categoria de
fenômenos, não se
poderia afirmar que a
substância da presente
narração corresponda
plenamente à mesma. Se é
verdade que o
percipiente estava em
estado normal de saúde e
não se achava em perigo
de morte acidental, não
é menos evidente que se
inclinava para um estado
de alma desesperado pelo
fato de ter perdido um
objeto e que essa perda
equivalia, para ele, a
uma ameaça de morte pelo
frio, ameaça algo
afastada.
324. Como quer que seja, se se considera o caso relatado em
conjunto com os outros
três casos que o
precederam e se reflete
sobre os diversos
estados de saúde e
estados de alma sob a
influência dos quais se
realizam as
manifestações de "visões
panorâmicas", pode-se
tirar daí uma conclusão
instrutiva, isto é, que
as explicações dos
fisiólogos concernentes
às causas que provocam
as manifestações de que
se trata parecem de uma
insuficiência mais ou
menos pueril, tanto mais
se se considerar que,
com as suas elucidações
hipotéticas, eles não
concorrem para lhes
precisar as causas nem
ainda para dissipar o
mistério que envolve
tais fenômenos.
(Continua no próximo
número.)
(1) Hipermnésia, variedade de hipermnesia, diz
respeito à capacidade
extraordinária de
evocação das lembranças
que algumas pessoas
apresentam.