MILTON SIMON
PIRES
cardiopires@gmail.com
Porto Alegre, RS
(Brasil)
O Diabo tomando
Prozac
Ensaio sobre o
fim da cultura
O presente
artigo parte da
premissa de que,
em toda História
da civilização,
jamais houve
verdadeiramente
uma cultura que
aceitasse
completamente a
responsabilidade
de seus próprios
atos. Sustenta
ainda a ideia de
que a alteridade
do mal, ou seja,
sua condição de
força com vida
própria e alheia
à vontade humana
foi sempre uma
necessidade em
todas as épocas.
O estudo
comparado das
religiões não
deixa de se
mostrar irônico
no sentido de
que, se o Bem e
os deuses
responsáveis
pela sua
existência têm
características
tão distintas, o
Mal nos parece
ser o resultado
da ação de um
Diabo que
costuma se
repetir muito,
ainda que com
"excelentes"
resultados.
Seria falta de
imaginação da
parte dos
criadores das
teogonias ou é
verdade que o
Diabo sempre vai
ser o maior
inimigo de
Sartre? Para
quem não se
lembra, esse
talvez tenha
sido o filósofo
da
"responsabilidade"
- alguém que
sempre vai nos
chamar para
assumir as
consequências
das nossas ações
e lembrar que
estamos
"condenados a
ser livres" para
escolher o nosso
destino. É
impossível
imaginar um
papel para o
Diabo quando se
pensa como um
existencialista,
porque Lúcifer,
não tenho
dúvida, tem como
função negar a
liberdade
humana. Aqueles
que acreditam em
possessão
demoníaca e
exorcismo (não
interessa em que
tempo ou lugar)
não deixam de
repetir Rousseau
e o seu "bom
selvagem",
porque não
parece diferente
dizer que o
homem nasce bom
e a sociedade o
corrompe, do que
afirmar que ele
é bom, mas o
Demônio o
possuiu. O que
existe em comum
nos dois casos
é, como eu
escrevi no
início, a ideia
de alteridade, a
noção do outro,
do objeto
externo e da
inocência a
priori da qual
resultará sempre
a possibilidade
de se redimir e,
como gosta de
lembrar Luc
Ferri, de obter
a Salvação -
eterna busca do
homem e espécie
de
"primeiro-motor"
da filosofia.
O que eu me
pergunto às
vezes é: que
papel pode
existir para o
Demônio em uma
sociedade que
não sente mais
culpa? Heresia
para qualquer
discípulo de
Freud, essa
ideia parece de
início um
absurdo. "Não há
cultura sem
Repressão" está
muito próximo de
"Não há cultura
sem Culpa", mas,
mesmo assim, eu
gostaria de
insistir na
hipótese e
imaginar um
"mundo sem
remorsos”..., um
mundo de
Auschwitz, de
Pol Pot e do seu
Camboja, um
mundo de
fanatismo com
Hitler e
Stalin..., um
mundo assustador
e antecipado por
Dostoievski em
"Os
Demônios"...,
enfim..., um
mundo onde a
palavra "culpa"
já não tem mais
significado
porque nele
impera a
ausência de
sentido e não se
sabe mais o que
é o Bem e o Mal.
Eu acho
deprimente
pensar o mundo
assim, mas
imagine-se por
um momento no
papel de
"Diabo". Um
Diabo nesse
mundo não
passaria de um
"pobre diabo",
um diabo com "d"
minúsculo que
não sabe mais ao
que veio, já que
não tem mais
nada para fazer
aqui.
Dormindo mal,
bebendo,
sentindo-se
inútil, esse
Diabo
pós-moderno vai
acabar usando
Prozac, porque a
questão do
sentido
obrigatoriamente
permeia toda
ação, seja ela
humana, divina
ou "diabólica",
e a depressão
adquire aí um
caráter quase
"sobrenatural".
Espero, para
terminar com
mais esperança,
que o próprio
conceito de
Cultura não
dependa de tanto
maniqueísmo.
Bem, Mal, Deus,
Diabo..., quem
sabe a
Civilização
sempre vai estar
aí e essas
forças estão
dentro de nós
mesmos? Quem
sabe não há
sentido algum a
ser buscado como
querem os
teóricos da
Desconstrução.
Ou quem sabe
busca e destino
são uma coisa só
como querem os
budistas? Não
sei, mas de uma
coisa tenho
certeza: até uma
certa época da
nossa História,
de certa
maneira, sempre
houve um
sentido. Agora
não parece haver
mais e acho
difícil que
torne a haver
enquanto não
percebermos que
quem morreu foi
Nietzsche, não
Deus, e que não
há espaço para
diabo algum
quando é Ele que
está dentro de
nós.