Um amigo e colaborador de
nossa revista perguntou-nos,
a propósito do título
“Ensaio teórico da sensação
nos Espíritos” dado por
Kardec ao texto contido no
item 257 d´O Livro dos
Espíritos: – Que devemos
entender no contexto pela
expressão “ensaio teórico”?
No item citado, Kardec
procurou explicar, entre
outras coisas, os
sofrimentos por que passa
uma entidade desencarnada,
os quais seriam sempre,
segundo ele, a consequência
da maneira pela qual a
pessoa viveu na Terra.
“Certo – diz Kardec – já não
sofrerá mais de gota, nem de
reumatismo; no entanto,
experimentará outros
sofrimentos que nada ficam a
dever àqueles.”
Em resposta ao amigo,
dissemos que, segundo
entendemos, Kardec utilizou
a palavra “ensaio” com o
mesmo sentido que os
dicionaristas franceses e
brasileiros lhe dão, a
saber:
Ensaio
[do fr. essai < lat. tard.
exagiu.]
S. m. Liter.
Obra literária em prosa,
analítica ou interpretativa,
sobre determinado assunto,
porém menos aprofundada e/ou
menor que um tratado formal
e acabado.
*
Parece-nos que, com isso, o
Codificador quis passar-nos
a ideia de que o conteúdo do
texto contido no item 257
era obra sua, não dos
Espíritos, o que se coaduna
com o que se descobriu mais
tarde a respeito de um fato
ignorado por ele e revelado
muitos anos depois por
Pierre Janet, Pitres, Bourru
e Burot, assunto a que
Gabriel Delanne se refere no
livro "A Reencarnação",
tradução de Carlos Imbassahy,
publicado pela FEB, págs.
288 e 289.
Segundo as experiências
realizadas pelos cientistas
citados, tudo o que
recebemos deixa em nós um
traço indelével, mas as
aquisições intelectuais não
se apresentam
simultaneamente à
consciência.
A regra é que seu maior
número seja esquecido; mas
esse esquecimento não
significa destruição. A
subconsciência registra
sempre os estados mentais e
os associa indissoluvelmente
aos estados fisiológicos
contemporâneos, de sorte
que, ressuscitando-se os
primeiros, fazem-se renascer
os segundos, e vice-versa.
Essa regressão da memória
pode dar-se espontaneamente
ou ser provocada por
diferentes processos. Os
espiritistas, praticando as
experiências magnéticas,
descobriram esse poder de
renovação das lembranças
terrestres durante a vida, e
prosseguiram na regressão
até os estados anteriores ao
nascimento atual.
Descobriu-se desse modo que
toda vez que a memória
regride ao passado,
reproduzem-se o “estado
psicológico” e também o
“estado fisiológico”
correspondentes.
Pierre Janet, ao fazer
regressão da memória em uma
paciente adulta, levou-a à
idade infantil. A paciente
passou, então, a pensar e a
falar como uma criança
(estado psicológico) e,
quando instada a escrever
algo, disse que tinha o
braço paralisado (estado
fisiológico), um fato que
realmente havia acontecido
com aquela mulher quando
criança.
As referidas pesquisas
esclarecem por que um
Espírito desencarnado
apresenta-se, às vezes, com
as sensações que enfrentou
no hospital, dias antes do
seu falecimento. Obviamente,
ele não está enfrentando
tais sensações, mas, preso
àquele momento, por ignorar
que desencarnou, por não
estar liberado das
reminiscências da última
encarnação, reproduz o
“estado fisiológico” e é por
isso que "sente" de novo as
sensações vividas naquele
momento ao qual se prende.
Feita uma prece e aplicado
nele um passe – como
habitualmente fazemos nas
sessões mediúnicas – a dor
costuma desaparecer
imediatamente, visto que o
Espírito muda de estado,
acorda para o momento atual
em que vê familiares e
amigos, e assim se liberta
das sensações que revivia.
Verifica-se, assim, que as
explicações contidas no item
257 do L.E. são notoriamente
incompletas e, portanto,
insuficientes para resolver
todas as dificuldades
relacionadas com o assunto,
pelo simples motivo de que
faltava a Kardec, quando as
redigiu, o conhecimento de
algo que só mais tarde pôde
ser cientificamente
observado.
O título "ensaio teórico" é,
pois, perfeito e como tal é
que devemos considerá-lo, ou
seja, como algo que é apenas
um “ensaio”, uma tentativa
de explicação, que se
completa com as informações
resultantes das pesquisas a
que nos referimos.
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