Damos sequência nesta edição
ao
estudo do livro A
Morte e os seus
Mistérios,
de Ernesto Bozzano,
conforme
tradução de Francisco
Klörs Werneck.
Questões preliminares
A. É certo dizer, com
base nos fatos
observados, que as
imagens psíquicas
existem de uma forma
externa ao cérebro?
Sim. As experiências levaram os pesquisadores a esse entendimento.
(A Morte e os seus Mistérios. Casos de "visão
panorâmica". 3ª
categoria.)
B. Os mecanismos da
recordação encontram-se
no cérebro ou fora dele?
Elas são conservadas fora do cérebro, num meio puramente psíquico.
Segundo Bergson, no
cérebro só estão
contidos os mecanismos
da recordação, ao passo
que as nossas
experiências, no que têm
de substancial e de
intrínseco, são
conservadas fora dele.
(Obra citada. Casos de
"visão panorâmica". 3ª
categoria.)
C. É possível a um
sensitivo hipnotizado
repetir uma lição, seja
começando pelo fim, seja
começando pelo
princípio?
Sim. A memória subconsciente de um sensitivo hipnotizado é capaz de
repetir, igualmente bem,
uma lição, começando
pelo fim, assim como
pelo princípio. Foi que
se verificou nas
experiências congêneres.
A propósito disso,
Bozzano menciona o caso
clássico de uma
sonâmbula que tivera o
poder de ouvir uma
conferência e depois de
a repetir em sentido
inverso, como se tivesse
diante dos olhos o texto
impresso.
(Obra citada. Casos de "visão panorâmica". 3ª Categoria.)
Texto para leitura
353. "Isto estabelecido – escreveu Bozzano –, volto a ocupar-me
exclusivamente do ‘corpo
etérico’, colocando a
discussão sobre certas
outras declarações de
sonâmbulas dotadas da
faculdade de ‘autoscopia
interna’, de agora em
diante ligada à ciência
e muito bem estudada
nestes últimos tempos
pelos Drs. Sollier, Bain,
Lemaitre. Sabe-se que
esta faculdade consiste
no dom maravilhoso de
perscrutar os refolhos
mais ocultos do próprio
organismo e não somente
macroscopicamente, mas,
também,
microscopicamente e de
modo a ultrapassar de
muito os limites dos
instrumentos de que
dispõe a ciência. Ora,
se se considera que,
cada vez que é dado
controlar as declarações
de ditas sonâmbulas, se
verifica que, além de
descrever, de forma
anatomicamente e
fisiologicamente
impecável, a estrutura e
as funções dos seus
órgãos internos,
revelam, também, as
condições patológicas
deles até os menores
detalhes da dissociação
somática, e isto mesmo
quando o operador e o
sensitivo ignoram ambos
a existência de uma dada
lesão no organismo, não
há nenhuma razão para
não se crer na lucidez
delas nos casos em que
revelam particularidades
funcionais ou
histológicas escapadas,
até o momento, às
pesquisas da ciência.
Faço alusão, aqui, às
declarações de uma
sonâmbula do Dr. Sollier,
a propósito das funções
dos centros corticais na
exteriorização do
pensamento."
354. Eis a passagem em questão, extraída da relação do Dr. Sollier
publicada no número de
janeiro da Revue
Philosophique: "Jeanne
passa a mão pela fronte,
joga a cabeça para trás,
curva-se sobre os rins,
depois bruscamente para
e diz: ‘Pequenas
máquinas se abriram
aqui...’ – ‘Que são
estas pequenas
máquinas?’ – ‘Pequenas
máquinas que dormiam.’ –
‘Que havia dentro?’ ‘Um
pequeno buraco redondo
com pontas.’ – ‘O quê,
um pincel?’ – ‘Como uma
agulha, pequenas câmaras
(são os pequenos buracos
de antes) que dormem,
são colados; eles são
ligados.’ – ‘Para que
servem eles?’ – ‘Servem
para que eu pense; estes
cantinhos lá, isto fecha
e para continuamente
como uma máquina em
vibração, exceto os que
dormem e ficam
tranquilos.’ – ‘Onde se
acham as imagens de que
me falastes?’ – ‘Nos
pequenos buracos; quando
as pequenas pontas
começam a mover-se, a
vibrar, isto faz vir a
imagem diante de meus
olhos; quando a imagem
vem eu não vejo mais os
pequenos buracos; isto
toma toda a fronte, mas
eu sei que ela está lá
dentro, pois que é de lá
que ela sai... Porém as
imagens se mantêm por
fios aqui (ela mostra o
seu occiput no
nível dos lóbulos
óticos), porque, quando
elas dormem, não sinto
nada lá, mas, quando
elas vão vir com as
cores, sinto que isto
puxa para trás e para
diante, isto começa a
movimentar no lugar, a
mover, a vibrar.’ "
355. O Dr. Sollier acrescenta a estas declarações da sonâmbula a
seguinte nota: "Todos os
enfermos, que recuperam
a sua sensibilidade
cerebral, falam, do
mesmo modo, dos pequenos
compartimentos, das
pequenas caixas que se
põem em ordem, ao mesmo
tempo que as ideias se
esclarecem".
356. Segundo Bozzano, a ideia fundamental destas citações é a de
que a sonâmbula vê, nas
células cerebrais,
pequenas cavidades
internas, ou "pequenas
câmaras", revestidas de
prolongamentos
fibrilares que, quando
param e vibram, fazem
surgir a imagem psíquica
diante delas, imagem que
toma uma forma objetiva
no interior das
"pequenas câmaras". Em
outras palavras, durante
o processo psíquico da
rememoração, ou ideação,
toda coisa se produziria
como se as imagens
existissem em potência
nas cavidades ou
"pequenas câmaras"
celulares, de onde as
vibrações fibrilares as
fariam surgir a serviço
do "eu" consciente.
357. Ora, tudo isto implica a ideia de que as imagens psíquicas
existem de uma forma
externa ao órgão
cerebral. E precisamente
nos interstícios
celulares denominados
"pequenas câmaras" pela
sonâmbula, campo de ação
presumível do "corpo
etérico".
358. Se era isto, seria preciso pensar daí que o lado físico do
processo de ideação
consiste justamente no
seguinte: que, no meio
de prolongamentos
fibrilares vibrando em
um meio reservado à ação
do "corpo etérico" vai
se estabelecer a relação
necessária entre os
centros corticais,
registradores
automáticos das
tonalidades vibratórias
variadas, chegadas até
eles pelas vias
sensoriais, e o "corpo
etérico", depositário
das imagens psíquicas
correspondentes.
359. Esta concepção das funções cerebrais, a respeito da
exteriorização do
pensamento, seria
fecunda em aplicações
teóricas, pois ela se
presta a fazer
compreender melhor a
natureza do "eu"
consciente, onde estaria
contida a verdadeira
personalidade humana e,
também, em fazer
compreender melhor a
relatividade das
faculdades
psicossensoriais em sua
qualidade de funções da
personalidade
espiritual, durante o
ciclo de sua existência
terrestre.
360. Parece que semelhantes considerações contribuem às maravilhas
para indicar a via pela
qual se devem encaminhar
as pesquisas
psicológicas e
histológicas do futuro,
onde elas poderão
esclarecer o supremo
mistério da união do
Espírito e do organismo
somático. E se se
consideram as palavras
do Dr. Sollier – "todos
os enfermos, que
recuperam a sua
sensibilidade cerebral,
falam, do mesmo modo,
dos pequenos
compartimentes, das
pequenas caixas que se
põem em ordem ao mesmo
tempo em que as ideias
se esclarecem" – ,
palavras que indicam que
não se trata de uma
afirmativa isolada, numa
sonâmbula, mas de
observações concordantes
em numerosos sensitivos,
quando se mostra
poderosamente
consolidada a presunção
de que o auxiliar da
lucidez sonambúlica
descobriu uma grandiosa
verdade histológica de
ordem ultramicroscópica,
verdade cujo valor
científico seria
incomparável no sentido
que equivaleria à
demonstração
experimental do grande
fato que a sede do
pensamento, inclusive da
"memória sintética",
seria exterior ao
organismo cerebral, ou,
em outras palavras, que
ele residiria no "corpo
etérico".
361. Tais revelações "autoscópicas", nos sensitivos sonambúlicos,
concordam excelentemente
com as induções do Dr.
Geley, induções
solidamente apoiadas nos
processos das análises
comparadas no reino
animal, combinadas com
os ensinos que resultam
das pesquisas
metapsíquicas. E estas
mesmas revelações
concordam, ademais, e
admiravelmente, com o
pensamento filosófico de
Bergson.
362. No seu discurso presidencial na Society for Psychical Research
(Annales dos Sciences
psychiques, 1913, pág.
326), assim se exprime
ele a respeito da sede
presumível da memória:
"O que me parece se
depreender do estudo
atento dos fatos é que
as lesões cerebrais
características das
diversas afasias não
atingem as recordações e
que, por consequência,
não há, armazenadas, em
tal ou qual ponto da
película cerebral,
recordações que a
enfermidade destruiria.
Essas lesões tornam, na
realidade, impossível ou
difícil a evocação das
recordações: elas
descansam no mecanismo
da lembrança, e neste
mecanismo somente. Mais
precisamente, o papel do
cérebro é, aqui, de
fazer com que o
Espírito, quando tem
necessidade de tal ou
qual recordação, possa
obter do corpo certa
atitude, ou certos
movimentos nascentes,
que apresentam à
recordação buscada um
quadro apropriado. Se o
quadro estiver lá, a
recordação virá, por si
própria, nele se
inserir. O órgão
cerebral prepara o
quadro; ele não corre
atrás da recordação.
Eis, na minha opinião, o
que mostra um estudo
atento das doenças da
memória das palavras e o
que faz, aliás,
pressentir a análise
psicológica da memória
em geral".
363. Estas profundas observações de Bergson concordam com as
revelações das
sonâmbulas a tal ponto
que se poderia
considerá-las para
comentários nas mesmas
revelações. Esta
circunstância merece
salientada: não lhe
falta valor sugestivo.
364. Eis sobre o assunto a opinião de E. W. Friend no Journal of
the American Society for
Psychical Research
(1915, pág. 112), a
propósito de uma
comunicação mediúnica
registrada pelo autor:
"No estado em que estão
as coisas, elas
confirmam a tese
bergsoniana de que, no
cérebro, só estão
contidos os mecanismos
da recordação, ao passo
que as nossas
experiências, no que têm
de substancial e de
intrínseco, são
conservadas fora do
cérebro, num meio
puramente psíquico".
365. Resulta, por conseguinte, que, em virtude da "autoscopia
sonambúlica", achamo-nos
no limiar de grande
descoberta histológica e
psicológica, a qual, de
uma parte, coincide com
os resultados das
pesquisas mais recentes
no domínio das ciências
naturais e
metapsíquicas, que
acabam de provocar a
obra do Dr. Geley
intitulada De l'Inconscient
au Conscient e, de
outra, concorda com as
geniais especulações
filosóficas do professor
Bergson. Eis uma
demonstração de grande
importância da "autoscopia
sonambúlica" como
instrumento de pesquisa
a serviço da ciência, de
modo que seria altamente
desejável que os
representantes do Saber
o reconhecessem,
orientando, neste
sentido, as suas
investigações,
multiplicando as
experiências deste
gênero e aplicando-lhes
os métodos da análise
comparada.
366. No tocante ao tema “visão panorâmica”, Bozzano diz que é
preciso considerar a
característica essencial
pela qual ela se
exterioriza, isto é, a
que lhe permite
apresentar, em termos de
"simultaneidade", o que
a inteligência humana
não pode assimilar senão
em termos de sucessão.
Com apoio na análise
comparada de diversas
manifestações
metapsíquicas,
verifica-se como a mesma
característica mostra
ser substancialmente
idêntica nas modalidades
segundo as quais se
manifestam outras
faculdades supranormais.
Esta característica já
havia sido revelada há
muito tempo, no que
concerne às
manifestações da memória
sonambúlica e,
notadamente, nos
Proceedings of the S. P.
R. (vol. VI, pág. 95).
367. A propósito disso,
o Sr. Thomas Barkworth
havia observado: "Assim,
como se sabe, as funções
da memória ordinária
consistem em um
encadeamento de ideias
associadas entre si,
cada ideia ligando à
ideia vizinha e esta a
uma outra, e assim por
diante... Tal é a ideia
da exteriorização da
memória pertencente à
atividade da consciência
normal, mas eu aventaria
a conjuntura de que a
‘consciência latente’
possui a sua memória
particular,
fundamentalmente
diferente da outra: a
memória consciente
consistindo em um
encadeamento sucessivo
de ideias e a memória
subconsciente em uma
impressão pictórica
simultânea. Se essas
hipóteses tivessem
fundamento, deveríamos
esperar que a memória
subconsciente de um
sensitivo hipnotizado
fosse capaz de repetir,
igualmente bem, uma
lição, começando pelo
fim, assim como pelo
princípio, e isto é
precisamente o que se
verifica nas
experiências
congêneres".
368. Essas experiências são conhecidas de todo o mundo, a começar
pelo caso clássico de
uma sonâmbula que tivera
o poder de ouvir uma
conferência e depois de
a repetir em sentido
inverso, como se tivesse
diante dos olhos o texto
impresso, e a terminar
pelo caso de Malvina
Gérard, caso dos mais
notáveis, em que a
sensitiva era capaz, em
estado sonambúlico, de
compor comédias e de
recitar trechos dela,
indicados, ao acaso, por
seu hipnotizador, como
se tivesse improvisado
suas comédias de modo
instantâneo e se tivesse
o manuscrito diante dos
olhos. (Maurice Sage em
Annales des Sciences
psychiques, 1904, págs.
65 e 129.)
(Continua no próximo
número.)