LEDA MARIA
FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
Que deus é esse?
Que deus é esse, Senhor
de todas as coisas, que
habita o coração dos
homens e traz tanto
desassossego? Que com
impiedade, que só entre
os homens encontramos,
coloca seus filhos na
eternidade de
sofrimentos infernais,
de muitos desvairados,
ou no enlouquecimento
ocioso da angelitude de
tão poucos!
Que deus cruel é esse
que cria homens fortes
para resistirem às
paixões inferiores, e
tão fracos que sucumbem
a elas? Que sobem aos
céus ou descem aos
infernos, que se tornam
anjos ou se perpetuam
como demônios sem
aprender que o Bem é
maior que o Mal e sem
chances de redenção.
Que deus é esse que, por
capricho, coloca sobre o
planeta seres sadios e
doentes, do corpo ou da
alma, e que, não
compreendendo suas leis,
se lançam ao limo da
terra ou se elevam à
vaidosa superioridade?
Que homem é esse,
Senhor, que cria um deus
à sua imagem e
semelhança, com todos
seus defeitos e nenhum
atributo, buscando
justificar sua
iniquidade, seu desamor
com o semelhante, seus
desatinos?
Que homens são esses
que, sem perceberem sua
essência divina de luz e
de amor, se lançam cegos
à conquista do efêmero
sem atinarem com a
vacuidade que criam em
suas existências?
Por que perguntar, se
somos nós esses homens!
Mas eis, Senhor de todas
as preces verdadeiras,
que uma nesga de
esperança surge nessas
vidas turbinosas. Homens
cansados de carregar
tantas aflições,
depauperados pelo peso
da responsabilidade
sobre seus atos – que
não podem transferir a
ninguém –, iniciam,
agora, sua viagem de
retorno. E buscam o Pai
de perdão. Não o pai
irado e vingativo que
pune sem dar ao filho a
chance de reiniciar o
caminho, de onde, um
dia, se perdeu. Buscam o
Pai misericordioso que
lhes mostra como
recomeçarem, através do
arrependimento, a
resgatar as
consequências de suas
escolhas insensatas.
Buscam o Pai que é só
Amor a iluminar-lhes a
viagem interior, tão
necessária para o
reencontro consigo
mesmos, onde encontrarão
Deus.
Crianças medrosas que
aprendem, desde cedo,
que existem um céu e um
inferno circunscritos,
como nos jogos de
amarelinha da nossa
infância, onde se vai
para o céu quando se
acerta e para o inferno
quando se erra. Que
colocam nesse céu um
deus tão distante de si
que mal conseguem
imaginá-lo e,
assustadas, o trazem
para perto como homem.
Ser antropomórfico,
criatura palpável porque
igual a eles.
Crianças inseguras que,
com perninhas curtas,
custam a atravessar a
rua na busca do pique,
objetivo do folguedo
infantil, tentando
escapar do companheiro
perseguidor. A distância
parece tão longa e a rua
tão larga... O porto
seguro, onde podem se
abrigar, parece tão
longe...
Será que é assim que
todos nós nos sentimos
em relação a Deus, para
colocá-Lo tão longe de
nossas vidas? A imensa
distância, com a qual O
afastamos, nos permite
imaginar quão pequenos
são ainda nossos passos
para alcançar esse porto
seguro, inacessível
–
porque intocável, assim
imaginamos nós –, e de
quanto esforço ainda
necessitamos para
avançar, mesmo que
lentamente. É fácil
compreender, quando
assim nos vemos, a
necessidade de se criar
um deus mais próximo,
mais humano, mesmo que
falível e injusto. É
preciso ter algo que nos
sirva de proteção e que
nos traga segurança.
Algo para onde fugir. O
pique de outrora.
Porém, já não somos mais
crianças. A rua parece,
por ora, tão comum... E
a distância está longe
de ser aquela
interminável de nossa
infância. Hoje, não mais
crianças, não precisamos
mais ter passos tão
pequenos, nem distâncias
invencíveis. Hoje, que
tudo parece estar no seu
tamanho normal, por que
Deus continua tão
distante?
Entretanto, se já
conseguimos nos fazer
essa pergunta, é sinal
claro de que, agora,
queremos encontrá-Lo. O
ensinamento evangélico
nos diz “buscai e
achareis”, mas também
nos alerta que ninguém
acha o que não quer
encontrar.