ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 4)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. É certo afirmar que
todo homem é
profundamente unitário e
infinitamente complexo?
Sim. Herdamos de nossos
antepassados terrestres
um organismo múltiplo,
por assim dizer
polizoico (1)
e, talvez, também
polipsíquico no mais
alto grau, mas ao mesmo
tempo trazemos uma alma
ou Espírito,
absolutamente
inacessíveis aos nossos
atuais meios de análise,
que dirige e unifica
esse organismo – alma
nascida num meio
espiritual ou metaetéreo
e que, mesmo encarnada
num corpo, permanece em
comunicação com esse
meio e volta a ele após
a morte corporal.
(A Personalidade Humana.
Capítulo II – As
desintegrações da
personalidade.)
B. Como definir a
consciência?
|
As primeiras reflexões
que os homens fizeram a
respeito da consciência
tiveram um caráter
puramente moral ou legal
e tinham por objetivo
determinar se, em certo
momento, o homem era ou
não responsável por seus
atos ante o tribunal
humano ou divino. O
senso comum parecia
estimular esse método de
demarcação definitiva.
Julgamos facilmente, do
ponto de vista prático,
se um homem é consciente
ou não, sem levar em
conta os estados
intermediários. Mas
desde o momento em que o
problema é considerado
como essencialmente
psicológico, submetido à
observação e à
experiência, essa linha
divisória se desfaz até
o ponto de desaparecer e
somos levados a
considerar a consciência
como um atributo geral
que caracteriza, em
maior ou menor grau,
todos os estados da vida
animal e vegetal, como a
equivalência psíquica da
vida e de toda a
existência fenomênica.
(Obra citada. Capítulo
II – As desintegrações
da personalidade.)
C. É verdade que à
medida que ascendemos na
escala animal os
organismos se tornam
mais complexos?
Evidentemente. Os
organismos se tornam
cada vez mais
complicados e
encontramos no homem a
expressão mais pura
dessa complexidade
colonial e do seu
controle centralizado. (Obra
citada. Capítulo II – As
desintegrações da
personalidade.)
Texto para leitura
68. Tratarei no capítulo
II desta obra dos casos
de desintegração da
personalidade.
69. Todo homem é
profundamente unitário e
infinitamente complexo;
herda de seus
antepassados terrestres
um organismo múltiplo,
por assim dizer
polizoico (1)
e, talvez, também
polipsíquico no mais
alto grau, mas ao mesmo
tempo traz uma alma ou
Espírito, absolutamente
inacessíveis aos nossos
atuais meios de análise,
que dirige e unifica
esse organismo – alma
nascida num meio
espiritual ou metaetéreo
e que, mesmo encarnada
num corpo, permanece em
comunicação com esse
meio e volta a ele após
a morte corporal.
70. Impossível
representar a forma em
que a vida individual de
cada célula de nosso
corpo está relacionada
com a unidade da vida
central que preside o
corpo em seu conjunto.
Mas essa dificuldade não
corrobora de modo algum
a hipótese de uma alma
separada e persistente.
Não existe hipótese
capaz de nos explicar a
colaboração e a
subordinação das vidas
celulares de um animal
multicelular. Esse
fenômeno continua tão
misterioso para a
estrela do mar como para
Platão, e os oito
cérebros de Aurélia, com
sua vida individual e
comum, são tão
inconcebíveis como a
relação da vida dos
fagócitos que habitam as
veias do filósofo com o
pensamento central
deste.
71. Considero que a
antiga hipótese de uma
alma inserida no
organismo, possuindo-o e
servindo-se dele, mas
representando um vínculo
real, ainda que obscuro,
com os diferentes grupos
conscientes, díspares de
um modo mais ou menos
aparente e manifestando
sua existência em
conexão com o organismo
e com os grupos mais ou
menos localizados da
matéria nervosa,
considero que essa
hipótese não é nem mais
obscura nem mais
embaraçosa que as
demais, propostas até o
dia de hoje. Afirmo
ainda que pode ser
provada – e no meu caso
a prova já foi realizada
– mediante a observação
direta.
72. Está provado para
mim que certas
manifestações de
individualidades
centrais, associadas na
atualidade ou
anteriormente a
organismos definidos,
foram observadas
independentemente desses
organismos, quer durante
a vida destes últimos,
quer depois de sua
morte. Mas esteja ou não
esse fato
suficientemente provado,
isso não o põe em
desacordo com nenhum
princípio científico nem
com nenhum fato
estabelecido. Parece
mais provável que uma
observação contínua
acabe por fornecer a
prova suficiente.
73. Pelo contrário, a
tese negativa é uma tese
de equilíbrio instável,
pois não se pode
prová-la de forma
absoluta através de
argumentos negativos,
qualquer que seja o
número destes, e pode,
ao contrário, ser
inteiramente refutada
por um único argumento
positivo. Possivelmente
goza na atualidade do
maior favor científico,
mas não possui nenhuma
autoridade
verdadeiramente
científica no que diz
respeito à opinião que
defendemos.
74. Deixando, no
momento, essas questões
de lado, podemos admitir
que o organismo, tal
como o observamos na
vida comum, longe de
apresentar uma completa
unidade e
invariabilidade,
constitui uma hierarquia
complexa de grupos
celulares que exercem
funções vagamente
delimitadas e funcionam
simultaneamente com uma
precisão desigual, uma
harmonia moderada, um
êxito favorável. Nada
prova que essas
potências funcionem
simultaneamente de um
modo perfeito. Nosso
sentido de saúde nada
mais é do que uma
síntese grosseira do que
ocorre dentro de nós. É,
com efeito, impossível
imaginar um estado ideal
permanente de um
organismo em equilíbrio
instável, sempre em
movimento, cuja vida se
constitui pela explosão
de componentes instáveis
e que busca sempre a
realização de novos fins
às custas dos antigos.
75. Iniciamos, pois, a
descrição das
perturbações e
desintegrações da
personalidade. Mas o
leitor que me quiser
seguir deve ter presente
o ponto de vista em que
me coloco ao escrever
este livro. O fim de
minha análise não é o de
destruir, mas o de
completar, ou melhor
dizendo, mostrar que o
modo pelo qual a
personalidade humana
tende a se desintegrar é
de natureza a sugerir
métodos suscetíveis de
favorecer sua integração
mais completa.
76. A melhora das
condições naturais do
organismo não é coisa
desconhecida. Da mesma
forma que o estudo da
histeria se relaciona
comumente com as
instabilidades do umbral
da consciência, o estudo
das enfermidades
zimóticas (2)
relaciona-se
principalmente com a
instabilidade da
constituição sanguínea.
O objetivo comum do
médico é pôr fim a essas
instabilidades,
substituir o sangue
viciado por sangue
normal. Mas o objetivo
do biólogo que pesquisa
vai mais longe:
propõe-se a proporcionar
ao homem um sangue
melhor que o que lhe
proporcionou a Natureza,
extrair do vírus um
elemento cuja infusão
nas veias seja
suscetível de o imunizar
contra as invasões
microbianas.
77. Da mesma forma que o
adulto, graças ao seu
desenvolvimento melhor,
está mais garantido
contra essas invasões do
que a criança, o adulto
imunizado está mais
protegido do que o homem
comum. As mudanças que
se produziram em seu
sangue com a maturidade
protegem-no contra a
coqueluche. As mudanças
que se produzem em seu
sangue, como
consequência de uma
injeção antitóxica,
protegem-no
temporariamente da
difteria. Em vista
disso, melhoramos a
natureza e nosso
procedimento foi
profilático, antecipando
em certo sentido a
evolução.
78. Por que a Psicologia
experimental não poderia
chegar a resultados
semelhantes? Mas antes
de abordar a discussão
do fenômeno da
desintegração da
personalidade temos que
nos pôr de acordo quanto
ao sentido que vamos dar
à palavra consciência.
Porque, particularmente,
consideramos como
conscientes outros atos
além dos nossos, assim
agimos quer porque esses
atos nos parecem
complexos, isto é,
realizados com um fim
determinado, quer porque
sabemos que são
suscetíveis de passar ao
estado de lembrança.
79. Assim, o atirador ou
o jogador de xadrez
parecem-nos
completamente
conscientes; dizemos a
mesma coisa de um homem
que parecia ter perdido
a memória como
consequência de um golpe
recebido na cabeça, mas
que estava, na
realidade, consciente
durante todo o tempo
porque recordava os
menores incidentes. A
reminiscência de um ato
constitui, com efeito,
uma prova melhor de seu
caráter consciente do
que de sua complexidade.
80. Negou-se a
consciência às pessoas
hipnotizadas e aos cães;
mas é mais fácil provar
o estado consciente de
uma pessoa hipnotizada
do que o de um cão,
porque o primeiro, mesmo
sendo capaz de esquecer,
quando desperto, os
incidentes que ocorreram
enquanto estava em
estado de hipnose, pode
recordá-los durante o
estado seguinte e
predispor-se a recordar
em estado de vigília,
enquanto que nos é
difícil tirar alguma
conclusão da
complexidade dos atos
dos cães, em que medida
têm consciência desses
atos.
81. No caso do cão a
recordação dos atos
transcorridos
constituiria a melhor
prova e, sem dúvida,
ainda que todos
reconheçam que a nossa
memória grandiloquente é
uma prova de nossa
consciência passada,
poucas pessoas
admitiriam que o mesmo
pode ocorrer com a
memória do cão. Sem
dúvida, dizem, o
organismo do cão reage
de maneira diversa a
cada repetição de um
mesmo estímulo, mas esse
fato é observado mais ou
menos em todos os
organismos vivos e
também nas porções do
organismo e em atos que
todos estão de acordo em
reconhecer como
totalmente desprovidos
de consciência.
82. O conceito de
consciência tem,
portanto, que ser
ampliado. As primeiras
reflexões que os homens
fizeram a respeito da
consciência tiveram um
caráter puramente moral
ou legal e tinham por
objetivo determinar se,
em certo momento, o
homem era ou não
responsável por seus
atos ante o tribunal
humano ou divino. O
senso comum parecia
estimular esse método de
demarcação definitiva.
Julgamos facilmente, do
ponto de vista prático,
se um homem é consciente
ou não, sem levar em
conta os estados
intermediários. Mas
desde o momento em que o
problema é considerado
como essencialmente
psicológico, submetido à
observação e à
experiência, essa linha
divisória se desfaz até
o ponto de desaparecer e
somos levados a
considerar a consciência
como um atributo geral
que caracteriza, em
maior ou menor grau,
todos os estados da vida
animal e vegetal, como a
equivalência psíquica da
vida e de toda a
existência fenomênica.
83. Todo ato ou estado
pode, portanto, ser
considerado como
consciente, quando é
passível de ser
lembrado, quando o
sujeito é capaz de
lembrar-se dele em
circunstâncias
determinadas. Que estas
circunstâncias se
apresentem enquanto o
indivíduo está encarnado
neste planeta ou não,
pouco importa: somos
incapazes de recordar a
maioria de nossos sonhos
e é de se presumir que
esses sonhos,
desaparecidos de nossa
memória, não sejam menos
conscientes que os que a
invadem quando somos
despertados bruscamente.
84. Alguns indivíduos
hipnotizados, nos quais
a sugestão desperta a
lembrança de seus
sonhos, recordam,
aparentemente, os sonhos
latentes até então, com
a mesma facilidade que
os que recordaram
durante muito tempo. E
poderíamos citar muitos
outros exemplos de
lembranças aparecidas de
modo inesperado,
relacionadas com
experiências e atos que
se admitiam
desaparecidos
completamente da
memória.
85. Creio estarmos
autorizados a tirar esta
conclusão negativa: nada
prova que o que chamamos
nossa consciência
central difira
completamente da
natureza da consciência
menor da qual parece, de
certo modo, ter surgido.
Creio, a meu ver, que a
diferença existente
entre essas duas
variedades de
consciência não é
desprezível, mas que a
apontada diferença não
se baseia em nossas
sensações subjetivas.
86. Devemos abordar o
estudo da multiplicação
ou do desdobramento da
personalidade sem
qualquer ideia
preconcebida contra a
possibilidade de
determinado ajuste ou de
uma certa divisão da
soma total de nossa
consciência. Mas antes
de apresentarmos a forma
pela qual se produz a
desintegração da soma
total da consciência,
seria conveniente
fazer-se uma ideia do
modo pelo qual se produz
sua integração.
87. Deparamo-nos, no
entanto, com uma
dificuldade cuja origem
remonta ao momento
determinado em que o ser
unicelular se transforma
em organismo
pluricelular. Se o modo
pelo qual uma simples
célula é capaz de se
manter e conservar sua
unidade constitui um
mistério para nós, o
fato da união de várias
células em função de uma
vida comum e
independente é um
mistério ainda maior. Na
unidade coletiva de
certas colônias animais
temos uma espécie de
esboço ou de paródia de
uma existência
determinada complexa.
88. As inteligências
superiores podem nos
considerar, tal como nós
consideramos os
hidrozoários(3),
isto é, como criaturas
compostas de diferentes
pessoas, uma pessoa
hidriforme que se
alimenta, uma pessoa
meduziforme incumbida da
propagação da espécie e
assim sucessivamente.
89. Outros tantos
elementos do animal,
diferenciados em razão
de seus diferentes fins,
que de um lado estão em
relação de mútua
dependência, como o
nosso cérebro e o nosso
estômago, são capazes
de, por outro lado, ter
uma existência separada
e suscetíveis de uma
regeneração
independente. À medida
que ascendemos na escala
animal os organismos se
tornam, ainda que de uma
forma menos aparente,
cada vez mais
complicados e
encontramos no homem a
expressão mais pura
dessa complexidade
colonial e do seu
controle centralizado.
90. Não necessito dizer
que, no tocante à
natureza íntima dessa
estreita coordenação,
desse governo
centralizado, se
encontra a Ciência, no
momento, precariamente
informada. É possível,
numa certa medida,
seguir a evolução e a
progressiva complexidade
do mecanismo nervoso;
mas, quanto a saber como
está governado esse
mecanismo, em virtude de
que tendência se realiza
a sua unidade, onde
reside esta última, que
relação existe entre ela
e as diferentes partes
do organismo
pluricelular; esses são
os problemas que
concernem à natureza da
vida, problema cuja
solução ainda se
desconhece.
91. Considero que a
solução desse problema
só poderá encontrar-se
com o descobrimento das
leis primitivas que
regem essa parte
invisível e espiritual
da existência, na qual
vejo a origem mesma da
vida. Se pudéssemos ver
na telepatia o primeiro
indício de uma lei desse
gênero, considerá-la
como desempenhando no
mundo espiritual um
papel semelhante ao da
gravitação no mundo
material, estaríamos
autorizados a imaginar
uma força semelhante à
força de coesão que
realizasse a síntese
psíquica da
personalidade humana.
92. A lei da passagem
dos organismos
inferiores aos
superiores mostra, com
efeito, que a
personalidade humana
constitui uma reunião de
inumeráveis entidades
psíquicas inferiores, na
qual cada uma delas
conserva suas próprias
características, com a
restrição de que uma
entidade psíquica mais
extensa, preexistente ou
não, mantém o conjunto
unificado, do qual as
entidades inferiores são
unicamente os fragmentos
sobre os quais exerce um
domínio contínuo, ainda
que incompleto.
93. Uma vez que se
admita isso, pode-se
afirmar que todas as
nossas operações
psíquicas penetraram, ao
mesmo tempo, ou num
momento qualquer, na
mesma corrente central
de percepções, ou que
flutuaram sobre o que
chamamos de limiar
ordinário da
consciência. Estamos
seguros de que isso não
se dará com algumas
pessoas, mas pode-se
saber por antecipação em
quais pessoas se dará?
94. Podemos responder
somente que a percepção
das sensações pela
consciência supraliminar
se realiza em virtude de
uma espécie de exercício
funcional e que, igual a
outros milhares de casos
onde exerce uma função,
uma parte dessa
faculdade compreende as
operações que o
organismo realiza em
virtude de sua estrutura
elementar e a outra
parte (uma vez
determinada a estrutura)
as operações impostas
pela seleção natural, e
que por isso significam
uma vantagem prática.
95. Desse modo, o fato
de que a consciência
acompanha as combinações
cerebrais pouco
familiares pode ser
considerado como um
resultado necessário da
estrutura nervosa, da
mesma forma que o fato
de abrir novos caminhos
deve estar acompanhado
por uma sensação
perceptível de novidade.
Como por outro lado é
possível que a
conscientização de
combinações cerebrais
novas constitua uma
aquisição posterior e se
deva simplesmente à
vantagem evidente de
impedir que essas novas
combinações se
consolidem antes que
tenha sido confirmada
sua utilidade – da mesma
forma que um músico
executa uma nova peça
com atenção concentrada,
para impedir que sua
execução se torne
automática, antes que
tenha aprendido a tocar
a peça como ele deseja.
96. Parece que, numa
certa medida, a maior
parte do conteúdo de
nossa consciência
supraliminar tenha
nascido em virtude da
seleção natural, de
forma a operar tendo sob
seu domínio as
percepções que nos são
mais imprescindíveis na
vida.
97. Essas noções
elementares da
constituição da
personalidade já nos
indicam o caminho pelo
qual se pode operar a
sua dissolução. É
possível que, se nos
fosse dado o
discernimento de modo
mais minucioso, a
Psicologia dessa
infinidade de mudanças,
que contém modificações
demasiadamente ínfimas
para ser consideradas
como anormais, até
transformações completas
e radicais do caráter e
da inteligência,
parecer-nos-ia
ininterrupta e veríamos
os elementos psíquicos
se distanciarem
lentamente e de maneira
contínua, um atrás do
outro, da síntese
primitiva.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Polizoico diz-se dos
animais que vivem em
colônias.
(2)
Zimótica: relativa ou
inerente à fermentação.
(3)
Classe de celenterados
caracterizados por
pólipos, geralmente
coloniais, com cavidade
digestiva sem estomodeu
e septos, e medusas
craspedotas. São
bastante conhecidas as
hidras de água doce e as
caravelas marinhas,
representantes do grupo.