CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
O
desconhecido que
assusta
"
–
Filha, quer
provar este
bolinho de
milho? É uma
delícia!
–
Ah, não, não
gosto!
–
Não gosta,
como?! Você já
comeu?...
–
Não!
–
Então, como não
gosta?!..."
(Diálogo com
minha filha, aos
cinco anos de
idade.)
O episódio não é
apenas típico da
faixa etária
infantil, mas
ilustra com
bastante clareza
um curioso
dispositivo de
defesa do
psiquismo humano
contra o novo!
Contra tudo o
que o desloca de
sua zona de
conforto para
correr riscos,
para
experimentar
mudanças, que,
ao contrário do
que teme, podem
nos presentear
com belas
surpresas e
descobertas
durante a vida.
Com renovação,
com exploração,
com aquela
impagável
sensação de se
maravilhar que o
Universo nos
reserva para
abrilhantar a
nossa jornada
existencial.
Ultimamente
venho
constatando a
mesma
peculiaridade
durante os meus
estudos de
música. Aliás
–
pausa para
agradecer a Deus
a oportunidade
de retomar meus
estudos de
música! Quantos
universos dentro
de universos
vamos
descobrindo!
Quantas novas
dimensões,
outras
percepções, que
nos descortinam
todo um modo
insuspeitado de
se compreender
algo à primeira
vista tão
simples quanto
uma bela
melodia.
Não teço o
comentário à
conta de
crítica, porque
é bem possível
que até pouco
tempo atrás, e
resguardadas as
devidas
proporções, eu
também me
comportasse
assim, sem a
mínima
consciência de
que o que me
faltava para a
mudança de
paradigmas era
apenas um
sentido a mais!
O apuro
sensorial da
audição bem
treinada, que
desvela toda uma
gama de nuances
despercebida por
quem somente
"ouve" músicas,
sem a chance de
acessar o seu
pano de fundo, a
história por
detrás da
história; o
enredo por
detrás da
construção, o
contexto de
época; enfim,
toda uma vasta
rede de
influências que
determinam
determinada
composição
clássica, dentre
as muitas
obras-primas que
nos foram
legadas pelos
grandes mestres
de todos os
tempos!
Converso com
pessoas
–
entusiasmada do
que venho
aprendendo
durante as aulas
de violino
–
e, às vezes,
cito composições
e autores
magníficos de
quem venho
atualmente
conhecendo
melhor o
repertório, por
força do estudo,
do interesse,
dos detalhes
técnicos com que
vem me
presenteando meu
excelente
professor do
Conservatório.
E, para freio do
meu entusiasmo,
por vezes deparo
comentários
alegando se
achar obras como
as de Bach
chatas,
desinteressantes,
monótonas. E,
então, a pessoa
em questão cita
outros autores e
músicas mais
populares do
clássico ligeiro
que preferem, e
que, de fato,
são belíssimas!
Todavia, se
evidencia
naquele
posicionamento
fenômeno
psicológico
correlato ao
descrito no
começo deste
artigo: se
pergunto ao
interlocutor em
questão se já se
dignou a prestar
atenção em
determinadas
composições que
lhe são
desconhecidas de
Vivaldi, Corelli,
ou do próprio
Bach
–
um dos grandes,
unanimidade
mundial nos
repertórios da
música erudita
–
ouvirei um
simples não!
Sem que
sequer se
considere que
para desmerecer
ou criticar
qualquer coisa
precisamos,
antes, nos
familiarizar,
conhecer o tema
sobre o qual se
fala!
E quando
argumento assim,
procurando
manter a
civilidade do
debate, via de
regra ouço de
volta uma
banalização
simplista da
questão
–
"Ah, isto é
questão de
gosto! É o seu
gosto, não o
meu!"
–,
caracterizando
esta reação,
antes, um
esforço para se
encerrar um
diálogo
aborrecido,
visto que não se
deseja, ali,
desalojar-se de
sua zona de
conforto para
pelo menos dar
ao assunto em
pauta
–
no caso a música
–
uma chance de
ser mais bem
conhecido,
compreendido em
consequência,
ampliando-se
assim,
prazerosamente,
o nosso deleite
com algo tão
gratificante
quanto a música,
com o seu
infinito
repertório de
benefícios
pessoais!
Invariavelmente,
neste ponto,
respeito o
posicionamento
alheio e, embora
por vezes cite,
sugestivamente,
o caso da minha
filha, muito
comum entre os
pequenos, faço
por onde desviar
a conversa para
outras
frivolidades que
preservem a
qualidade da
convivência.
Cabe-me
compreender que
se trata
tão-somente da
falta de
oportunidades de
que eu mesma
padecia tempos
atrás, para me
familiarizar
melhor com a
dimensão
profilática de
um tipo de
música de um
outro mundo,
cuja apreciação
e compreensão
exige, primeiro,
uma inclinação
natural para o
assunto; e,
segundo, o
estudo sincero e
devotado, que
nos explique
contexto e modo
de criação
próprios das
histórias de
vida de cada um
destes
compositores,
bem como das
circunstâncias
nas quais
viveram.
Cultura e
educação
musical. Não
mais que isso.
E, uma vez
adquirindo-as,
não seremos
ameaçados na
renovação
cultural mais
ampliada, mas só
presenteados!
Crescemos
–
em todos os
possíveis
sentidos, mas
principalmente
no espiritual! E
é no terreno
espiritual, como
não poderia
deixar de ser,
que se observa o
mesmo tipo de
reação defensiva
da parte de
muitos!
Desde os séculos
findos os seres
de vanguarda que
interagiram com
as múltiplas
dimensões da
vida invisível
aos sentidos
materiais
ordinários
pagaram o preço
amargo de serem
considerados
loucos ou
extravagantes
pela simples
razão de ver,
sentir, ou
pressentir este
universo muito
mais vasto,
sutil
–
sobretudo real,
prenhe de vida e
movimento em
volta de nós! Há
dias comentei o
mesmo noutro
texto, no qual
exemplifiquei
com a própria
música,
mencionando que
ao estudarmos um
instrumento
apuramos um
sentido auditivo
a mais, antes
adormecido para
captar nuances
de acordes e de
entonação para
os quais éramos
necessariamente
surdos.
Eis, portanto,
também aí, a
padronização das
reações humanas,
no que se
relaciona a este
importante
tópico de nossas
existências: a
realidade maior
de nossas vidas!
O que somos, em
essência, e o
que nos
aguardará após a
curta passagem
pela vida
material,
assunto que, em
última
instância,
interessa
diretamente a
todos nós!
–
Conhece a
interação entre
as dimensões
espiritual e
material da
vida?
–"Não,
não gosto e não
acredito"
–
como ouvi certa
vez de uma
leitora.
–
Mas nem por
curiosidade
procura
entender?!
–
"Não, isto é
coisa de
demente!"...
No fim, o
desconhecido que
assusta
–
o simples
bolinho de
milho, oferecido
outrora à minha
filha!
E, rejeitando-o,
filtramos a
maior influência
da Luz nos
nossos dias!