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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 281 - 7 de Outubro de 2012
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 6)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. As faculdades sobre as quais o eu supraliminar perdeu o poder de controle podem continuar obedecendo às ordens da consciência subliminar?

Sim. Myers menciona esse fato e relata um caso, colhido na obra do Dr. Janet, que mostra de modo evidente a diferença que existe entre as faculdades ainda sob as ordens da personalidade supraliminar e as que não são mais transmissíveis a não ser com o auxílio de impulsos automáticos do eu subliminar. (A Personalidade Humana. Capítulo II – As desintegrações da personalidade.)

B. Por que há pessoas para as quais os motivos de pensar e trabalhar são mais poderosos que o amor egoísta e o instinto de conservação?

Isso se dá porque a vida humana tende cada vez mais a basear-se em ideias e emoções cuja relação com a conservação da raça e do indivíduo é indireta e obscura. (Obra citada. Capítulo II – As desintegrações da personalidade.)

C. É verdade que os mártires e os missionários emprestam aos assuntos humanos uma força mais intensa do que aquela que resulta do simples raciocínio frio e medido?

Sim. Isso ocorre com os mártires, os missionários e os entusiastas de qualquer gênero, quando guiados por impulsos que nascem abaixo do limiar da consciência comum. (Obra citada. Capítulo II – As desintegrações da personalidade.)

Texto para leitura

124. O que acabamos de dizer a respeito das perturbações sensíveis dos histéricos (1) pode ser aplicado também às suas perturbações motoras. Nesse ponto também as faculdades sobre as quais o eu supraliminar perdeu todo o poder de controle continuam obedecendo às ordens da consciência subliminar.

125. O caso seguinte, do Dr. Janet, mostra de modo mais evidente a diferença que existe entre as faculdades ainda sob as ordens da personalidade supraliminar e as que não são mais transmissíveis a não ser com o auxílio de impulsos automáticos do eu subliminar:

“Quando dizemos a um hemiplégico (2) ou a um amiotrófico (3) que aperte o dinamômetro (4) obtemos uma cifra de 5 ou 10, coisa que não nos deve assombrar, uma vez que estamos na presença de indivíduos afetados de verdadeira paralisia, isto é, impotentes, cuja brandura e debilidade se manifestam em cada um dos seus atos. Sem dúvida os histéricos, que não são em absoluto impotentes, que são capazes de costurar, trabalhar, transportar peso sem nenhuma perturbação aparente, conseguem também no dinamômetro, cifras semelhantes. Por exemplo, Celestina é uma campônia robusta, acostumada aos trabalhos duros e que pede, como um favor, autorização de encerar e lustrar o chão. É muito ativa e quando alguma coisa não está a seu gosto sacode as camas, muda-se de lugar e transporta num só braço as poltronas. Tem acessos de cólera terríveis e em alguns dos asilos em que esteve chegou a sustentar lutas vigorosas contra homens robustos. Pois bem, apanho essa jovem durante o trabalho e ponho entre suas mãos o dinamômetro. Devo dizer inicialmente que tem uma anestesia completa de duas metades do corpo e que é obrigada a olhar o dinamômetro para estar segura de que o aperta. Realizei diversas vezes essa experiência e todas as vezes o dinamômetro marcava 9 na mão direita e 5 na esquerda. Sem dúvida, repito, essa demonstração de debilidade muscular contradiz completamente os seus atos habituais. Fiz essa experiência comigo mesmo e posso apertar o dinamômetro até marcar 50, contudo não posso levantar as cadeiras nem empurrar as camas com a mesma facilidade de Celestina... É evidente que o histerismo apresenta uma transformação especial da força muscular quando a submetemos a uma experiência e pedimos que concentre a atenção e aperte o instrumento com uma vontade pessoal para fazer ver sua força pessoal. É incapaz então de empregar sua força do modo indicado, ainda que a força exista sempre e seja empregada diversas vezes em todos os atos da vida cotidiana, com a única condição de que não pense nisso. Estamos em presença de um defeito, não da força muscular, mas da vontade.” 

126. Seria sem dúvida errôneo afirmar que os fenômenos aqui estudados constituem sempre e em todos os casos uma expressão de decadência e que todas as perturbações psíquicas são devidas à cólera, ao terror ou ao instinto sexual. Com frequência acontece que sentimentos considerados como superiores e honrosos adquirem um grau de vivacidade e delicadeza capazes de expor os indivíduos que os possuem a perturbações que os egoístas jamais conhecerão. Os instintos de limpeza pessoal e de modéstia feminina, o amor ao próximo e a Deus, são causas de alterações entre os indivíduos cujo organismo aparenta antes um excesso de sensibilidade do que uma diminuição da resistência.

127. Existem muitas pessoas para as quais os motivos de pensar e trabalhar são mais poderosos do que o amor egoísta e o instinto de conservação. E isso porque a vida humana tende cada vez mais a basear-se em ideias e emoções cuja relação com a conservação da raça e do indivíduo é indireta e obscura. Os sentimentos utilitários se desenvolveram fora de qualquer proporção, graças às vantagens que podem proporcionar aos seus possuidores na luta pela existência.

128. Os Studien über Hysterie dos Drs. Breuer e Freud (Leipzig, 1895) constituem importante contribuição a essa questão. Tomando seus doentes não só nas salas de hospital, mas também entre a clientela privada, tiveram a sorte de encontrar e a possibilidade de penetrar a fundo em muitos casos de paixões não egoístas, mas muito mais fortes, que produziam perturbações de equilíbrio em espíritos até então bem organizados e que haviam recebido sólidos princípios e uma educação esmerada:

“Apressamo-nos demais ao aplicar aos histéricos a qualificação de degenerados. Esse termo – diz o Dr. Milne-Bramwell – foi aplicado com tal liberdade e frequência por alguns autores modernos, que nos sentimos tentados a acreditar que se encontram entre os degenerados todos os que não se conformam com algum tipo selvagem, primitivo, que possua um sistema nervoso imperfeitamente desenvolvido.”

129. Nossos degenerados (5) são, com efeito, frequentemente progenerados e suas perturbações podem ocultar uma evolução que nós e nossos filhos estaremos obrigados a realizar, tão logo eles nos tenham mostrado o caminho.

130. Eis-nos ante a categoria dos histéricos que dirigem o mundo! Partimos, por assim dizer, da região das ideias fixas de um tipo mórbido e inferior para chegar às ideias fixas razoáveis e honradas, mas que se tornam mórbidas por força da intensidade. Aqui é onde a histeria se encontra com o gênio, não com o gênio de forma intelectual, antes com o “gênio moral”, o “gênio da santidade” ou a possessão por alguma ideia altruísta, que é o sustentáculo das vidas heroicas.

131. Todas as religiões nos oferecem exemplos inumeráveis desse tipo. O homem cuja conduta parece razoável à grande parte da Humanidade passará dificilmente por um grande santo. Com motivo ou sem ele, determina-se a este um lugar à parte e tratamo-lo com veneração ou como um ser ridículo. Ora o consideramos como um inspirado, ora como um doente, enquanto sua vida só apresenta um número determinado de ideias fixas, não desprovidas de valor em si mesmas, mas que alcançaram tal força que, segundo os acidentes, sua ação propulsora o encaminha quer ao sublime, quer ao ridículo.

132. Os mártires, os missionários, os cruzados, os niilistas, os entusiastas de qualquer gênero guiados por impulsos que nascem muito abaixo do limiar da consciência comum, todos esses homens emprestam aos assuntos humanos uma força mais concentrada e mais intensa do que aquela do raciocínio frio e medido.

133. Em virtude da estabilidade de suas ideias, realmente fixas, sofrem de contínuas autossugestões. Mas essas ideias não são tão isoladas, tão enquistadas neste caso, como nos verdadeiros histéricos. Ainda que mais profundas e imutáveis que suas ideias sobre outros assuntos, suas convicções subliminares não podem atuar sobre outros espíritos, senão chamando em seu auxílio os produtos da razão subliminar de seus autores. O profundo horror subliminar nascido diante do espetáculo de odiosas crueldades não deve favorecer apenas as alucinações, como acontece no histérico e com frequência no reformista, mas deve também, se ele quiser cumprir a sua missão de reforma, aparecer com clareza diante da razão supraliminar e poder expressar-se por escrito ou verbalmente de uma forma apta a influir sobre outros espíritos.

134. Até agora só nos ocupamos dos casos de isolamento de determinados componentes da personalidade, os elementos que assumem uma existência quase independente e a forma de ideias fixas, representações físicas ou de equivalentes somáticos de ideias fixas obscuras, como as alucinações e as perturbações persistentes do paladar ou do olfato.

135. Chegamos, neste ponto, à segunda variedade de desintegração da personalidade, caracterizada pela formação de uma personalidade secundária. Existe entre essas duas variedades uma diferença análoga à existente entre as lesões isoladas do corpo, as alterações diatésicas (6) mais profundas e sutis, resultantes de uma mudança de clima ou alimentação.

136. Produz-se algo que faz com que o organismo responda a todas as reações de uma nova forma. Os fenômenos do sonho constituem o melhor ponto de partida para o estudo desses estados secundários. (Continua no próximo número.)

 

Notas:

(1) Histérico: relativo à, ou próprio da histeria: psicopatia cujos sintomas se baseiam em conversão, e caracterizada por falta de controle sobre atos e emoções, ansiedade, sentido mórbido de autoconsciência, exagero do efeito de impressões sensoriais, e por simulação de diversas doenças. 

(2)  Hemiplégico: aquele que sofre de hemiplegia: paralisia de um dos lados do corpo.

(3)  Amiotrófico: relativo à amiotrofia: atrofia de tecido muscular. 

(4) Dinamômetro: instrumento que mede o trabalho de um músculo ou de um grupo de músculos; ergômetro.

(5)  Degenerado: que degenerou; depravado, corrompido.

(6) Diatésica: relativo à diátese: disposição geral em virtude da qual um indivíduo reage de maneiras especiais a determinados estímulos extrínsecos, o que lhe confere uma tendência a ser mais suscetível do que o habitual a certas doenças.


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita