ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 6)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. As faculdades sobre
as quais o eu
supraliminar perdeu o
poder de controle podem
continuar obedecendo às
ordens da consciência
subliminar?
Sim. Myers menciona esse
fato e relata um caso,
colhido na obra do Dr.
Janet, que mostra de
modo evidente a
diferença que existe
entre as faculdades
ainda sob as ordens da
personalidade
supraliminar e as que
não são mais
transmissíveis a não ser
com o auxílio de
impulsos automáticos do
eu subliminar.
(A Personalidade Humana.
Capítulo II – As
desintegrações da
personalidade.)
B. Por que há pessoas
para as quais os motivos
de pensar e trabalhar
são mais poderosos que o
amor egoísta e o
instinto de conservação?
Isso se dá porque a vida
humana tende cada vez
mais a basear-se em
ideias e emoções cuja
relação com a
conservação da raça e do
indivíduo é indireta e
obscura.
(Obra citada. Capítulo
II – As desintegrações
da personalidade.)
C. É verdade que os
mártires e os
missionários emprestam
aos assuntos humanos uma
força mais intensa do
que aquela que resulta
do simples raciocínio
frio e medido?
Sim. Isso ocorre com os
mártires, os
missionários e os
entusiastas de qualquer
gênero, quando guiados
por impulsos que nascem
abaixo do limiar da
consciência comum.
(Obra citada. Capítulo
II – As desintegrações
da personalidade.)
Texto para leitura
124. O que acabamos de
dizer a respeito das
perturbações sensíveis
dos histéricos (1)
pode ser aplicado também
às suas perturbações
motoras. Nesse ponto
também as faculdades
sobre as quais o eu
supraliminar perdeu todo
o poder de controle
continuam obedecendo às
ordens da consciência
subliminar.
125. O caso seguinte, do
Dr. Janet, mostra de
modo mais evidente a
diferença que existe
entre as faculdades
ainda sob as ordens da
personalidade
supraliminar e as que
não são mais
transmissíveis a não ser
com o auxílio de
impulsos automáticos do
eu subliminar:
“Quando dizemos a um
hemiplégico (2)
ou a um amiotrófico
(3) que aperte o
dinamômetro (4)
obtemos uma cifra de 5
ou 10, coisa que não nos
deve assombrar, uma vez
que estamos na presença
de indivíduos afetados
de verdadeira paralisia,
isto é, impotentes, cuja
brandura e debilidade se
manifestam em cada um
dos seus atos. Sem
dúvida os histéricos,
que não são em absoluto
impotentes, que são
capazes de costurar,
trabalhar, transportar
peso sem nenhuma
perturbação aparente,
conseguem também no
dinamômetro, cifras
semelhantes. Por
exemplo, Celestina é uma
campônia robusta,
acostumada aos trabalhos
duros e que pede, como
um favor, autorização de
encerar e lustrar o
chão. É muito ativa e
quando alguma coisa não
está a seu gosto sacode
as camas, muda-se de
lugar e transporta num
só braço as poltronas.
Tem acessos de cólera
terríveis e em alguns
dos asilos em que esteve
chegou a sustentar lutas
vigorosas contra homens
robustos. Pois bem,
apanho essa jovem
durante o trabalho e
ponho entre suas mãos o
dinamômetro. Devo dizer
inicialmente que tem uma
anestesia completa de
duas metades do corpo e
que é obrigada a olhar o
dinamômetro para estar
segura de que o aperta.
Realizei diversas vezes
essa experiência e todas
as vezes o dinamômetro
marcava 9 na mão direita
e 5 na esquerda. Sem
dúvida, repito, essa
demonstração de
debilidade muscular
contradiz completamente
os seus atos habituais.
Fiz essa experiência
comigo mesmo e posso
apertar o dinamômetro
até marcar 50, contudo
não posso levantar as
cadeiras nem empurrar as
camas com a mesma
facilidade de
Celestina... É evidente
que o histerismo
apresenta uma
transformação especial
da força muscular quando
a submetemos a uma
experiência e pedimos
que concentre a atenção
e aperte o instrumento
com uma vontade pessoal
para fazer ver sua força
pessoal. É incapaz então
de empregar sua força do
modo indicado, ainda que
a força exista sempre e
seja empregada diversas
vezes em todos os atos
da vida cotidiana, com a
única condição de que
não pense nisso. Estamos
em presença de um
defeito, não da força
muscular, mas da
vontade.”
126. Seria sem dúvida
errôneo afirmar que os
fenômenos aqui estudados
constituem sempre e em
todos os casos uma
expressão de decadência
e que todas as
perturbações psíquicas
são devidas à cólera, ao
terror ou ao instinto
sexual. Com frequência
acontece que sentimentos
considerados como
superiores e honrosos
adquirem um grau de
vivacidade e delicadeza
capazes de expor os
indivíduos que os
possuem a perturbações
que os egoístas jamais
conhecerão. Os instintos
de limpeza pessoal e de
modéstia feminina, o
amor ao próximo e a
Deus, são causas de
alterações entre os
indivíduos cujo
organismo aparenta antes
um excesso de
sensibilidade do que uma
diminuição da
resistência.
127. Existem muitas
pessoas para as quais os
motivos de pensar e
trabalhar são mais
poderosos do que o amor
egoísta e o instinto de
conservação. E isso
porque a vida humana
tende cada vez mais a
basear-se em ideias e
emoções cuja relação com
a conservação da raça e
do indivíduo é indireta
e obscura. Os
sentimentos utilitários
se desenvolveram fora de
qualquer proporção,
graças às vantagens que
podem proporcionar aos
seus possuidores na luta
pela existência.
128. Os Studien über
Hysterie dos Drs.
Breuer e Freud (Leipzig,
1895) constituem
importante contribuição
a essa questão. Tomando
seus doentes não só nas
salas de hospital, mas
também entre a clientela
privada, tiveram a sorte
de encontrar e a
possibilidade de
penetrar a fundo em
muitos casos de paixões
não egoístas, mas muito
mais fortes, que
produziam perturbações
de equilíbrio em
espíritos até então bem
organizados e que haviam
recebido sólidos
princípios e uma
educação esmerada:
“Apressamo-nos demais ao
aplicar aos histéricos a
qualificação de
degenerados. Esse termo
– diz o Dr.
Milne-Bramwell – foi
aplicado com tal
liberdade e frequência
por alguns autores
modernos, que nos
sentimos tentados a
acreditar que se
encontram entre os
degenerados todos os que
não se conformam com
algum tipo selvagem,
primitivo, que possua um
sistema nervoso
imperfeitamente
desenvolvido.”
129. Nossos degenerados
(5) são, com
efeito, frequentemente
progenerados e suas
perturbações podem
ocultar uma evolução que
nós e nossos filhos
estaremos obrigados a
realizar, tão logo eles
nos tenham mostrado o
caminho.
130. Eis-nos ante a
categoria dos histéricos
que dirigem o mundo!
Partimos, por assim
dizer, da região das
ideias fixas de um tipo
mórbido e inferior para
chegar às ideias fixas
razoáveis e honradas,
mas que se tornam
mórbidas por força da
intensidade. Aqui é onde
a histeria se encontra
com o gênio, não com o
gênio de forma
intelectual, antes com o
“gênio moral”, o “gênio
da santidade” ou a
possessão por alguma
ideia altruísta, que é o
sustentáculo das vidas
heroicas.
131. Todas as religiões
nos oferecem exemplos
inumeráveis desse tipo.
O homem cuja conduta
parece razoável à grande
parte da Humanidade
passará dificilmente por
um grande santo. Com
motivo ou sem ele,
determina-se a este um
lugar à parte e
tratamo-lo com veneração
ou como um ser ridículo.
Ora o consideramos como
um inspirado, ora como
um doente, enquanto sua
vida só apresenta um
número determinado de
ideias fixas, não
desprovidas de valor em
si mesmas, mas que
alcançaram tal força
que, segundo os
acidentes, sua ação
propulsora o encaminha
quer ao sublime, quer ao
ridículo.
132. Os mártires, os
missionários, os
cruzados, os niilistas,
os entusiastas de
qualquer gênero guiados
por impulsos que nascem
muito abaixo do limiar
da consciência comum,
todos esses homens
emprestam aos assuntos
humanos uma força mais
concentrada e mais
intensa do que aquela do
raciocínio frio e
medido.
133. Em virtude da
estabilidade de suas
ideias, realmente fixas,
sofrem de contínuas
autossugestões. Mas
essas ideias não são tão
isoladas, tão
enquistadas neste caso,
como nos verdadeiros
histéricos. Ainda que
mais profundas e
imutáveis que suas
ideias sobre outros
assuntos, suas
convicções subliminares
não podem atuar sobre
outros espíritos, senão
chamando em seu auxílio
os produtos da razão
subliminar de seus
autores. O profundo
horror subliminar
nascido diante do
espetáculo de odiosas
crueldades não deve
favorecer apenas as
alucinações, como
acontece no histérico e
com frequência no
reformista, mas deve
também, se ele quiser
cumprir a sua missão de
reforma, aparecer com
clareza diante da razão
supraliminar e poder
expressar-se por escrito
ou verbalmente de uma
forma apta a influir
sobre outros espíritos.
134. Até agora só nos
ocupamos dos casos de
isolamento de
determinados componentes
da personalidade, os
elementos que assumem
uma existência quase
independente e a forma
de ideias fixas,
representações físicas
ou de equivalentes
somáticos de ideias
fixas obscuras, como as
alucinações e as
perturbações
persistentes do paladar
ou do olfato.
135. Chegamos, neste
ponto, à segunda
variedade de
desintegração da
personalidade,
caracterizada pela
formação de uma
personalidade
secundária. Existe entre
essas duas variedades
uma diferença análoga à
existente entre as
lesões isoladas do
corpo, as alterações
diatésicas (6)
mais profundas e sutis,
resultantes de uma
mudança de clima ou
alimentação.
136. Produz-se algo que
faz com que o organismo
responda a todas as
reações de uma nova
forma. Os fenômenos do
sonho constituem o
melhor ponto de partida
para o estudo desses
estados secundários.
(Continua no próximo
número.)
Notas:
(1)
Histérico: relativo à,
ou próprio da histeria:
psicopatia cujos
sintomas se baseiam em
conversão, e
caracterizada por falta
de controle sobre atos e
emoções, ansiedade,
sentido mórbido de
autoconsciência, exagero
do efeito de impressões
sensoriais, e por
simulação de diversas
doenças.
(2) Hemiplégico:
aquele que sofre de
hemiplegia: paralisia de
um dos lados do corpo.
(3)
Amiotrófico: relativo à
amiotrofia: atrofia de
tecido muscular.
(4)
Dinamômetro: instrumento
que mede o trabalho de
um músculo ou de um
grupo de músculos;
ergômetro.
(5) Degenerado:
que degenerou;
depravado, corrompido.
(6)
Diatésica: relativo à
diátese: disposição
geral em virtude da qual
um indivíduo reage de
maneiras especiais a
determinados estímulos
extrínsecos, o que lhe
confere uma tendência a
ser mais suscetível do
que o habitual a certas
doenças.