A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 12)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Existe entre o amor e
a religião um vínculo de
continuidade?
Segundo Myers, sim. Há
entre o amor e a
religião um vínculo de
continuidade, porque
seriam eles as diversas
fases de uma gravitação
universal e mútua das
almas. O amor é a força
de integração que
realiza um cosmos de uma
enorme quantidade de
coisas. Esse, o conceito
platônico do amor, que
se confunde quase com a
religião, quando esta
exprime a nossa atitude
emocional e moral com
relação à vida
invisível. Para o amante
platônico, a imagem do
ser amado,
independentemente da
consciência e da
imaginação, converte-se
num impulso permanente e
instintivo para os
pensamentos e atos
nobres.
(A Personalidade Humana.
Capítulo III – O gênio.)
B. Para Myers, a
telepatia e a telestesia
são fenômenos
comprovados?
Sim. Afirmando que a
telepatia e a telestesia
realmente existem, Myers
entende, também, que a
telepatia se verifica
entre os Espíritos
encarnados, ou entre os
Espíritos encarnados, de
um lado, e os
desprovidos de invólucro
carnal, de outro.
(Obra citada. Capítulo
III – O gênio.)
C. O sono é um fato
positivo para os seres
viventes?
Evidentemente. Diz Myers
que o sono encerra um
elemento cuja eficiência
supera tudo o que
observamos a respeito no
estado de vigília.
Sabe-se que a
propriedade regeneradora
do sono normal é algo
sui generis, que o mais
completo repouso do
estado de vigília não
pode igualar. Alguns
momentos de sono, uma
simples lacuna no campo
da consciência, trazem,
às vezes, uma verdadeira
regeneração, que é
impossível obter em
vigília, mesmo deitado
durante horas inteiras,
em meio ao silêncio e à
escuridão.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
Texto para leitura
258. A telestesia
(1)
não é só uma lei
espiritual, nem a
atividade subliminar,
uma atividade meramente
intelectual. Por cima e
à margem da capacidade
inata de percepção dos
fenômenos universais,
existe entre os próprios
Espíritos um vínculo
universal que, nas suas
manifestações terrestres
e inferiores, se chama
telepatia. Nossa
capacidade oculta (a
atividade subliminar do
gênio) pode-se estender
tanto nessa direção como
na da telestesia. O
conteúdo emocional dessa
atividade é ainda mais
importante e profundo do
que seu conteúdo
intelectual, assim como
o amor e a religião são
mais profundos e
importantes do que a
ciência e a arte.
259. Essa primitiva
paixão, repito-o, que
une a vida com a vida,
que nos une quer com a
vida próxima e visível,
quer como a vida
imaginária e invisível,
essa paixão não
constitui um impulso
meramente orgânico e
terrestre, antes forma o
aspecto interno da lei
telepática. Existe,
pois, entre o amor e a
religião um vínculo de
continuidade; são as
diversas fases de uma
gravitação universal e
mútua das almas. A carne
separa ao invés de unir,
ainda que nesta
separação sugira a ideia
da união que é capaz de
realizar. Não se trata
de uma emoção corpórea,
nem unicamente humana.
260. O amor é a força de
integração que realiza
um cosmos de uma enorme
quantidade de coisas.
Esse é o conceito
platônico do amor que se
confunde quase com a
religião, quando ela
exprime a nossa atitude
emocional e moral com
relação à vida
invisível. Para o amante
platônico, a imagem do
ser amado,
independentemente da
consciência e da
imaginação, converte-se
num impulso permanente e
instintivo para os
pensamentos e atos
nobres.
261. Assim é, para um
São Francisco e para uma
Santa Teresa, a imagem
da divindade que adoram;
e se pretendem, às
vezes, nos momentos de
crise, sentir um
domínio, uma orientação,
e ter uma
communicatio idiomatum
com o Divino,
podemos dar fé aos seus
depoimentos mais
humildes, contudo mais
tangíveis e evidentes,
dos quais resulta que
uma intercomunicação
telepática e influências
impalpáveis que se
efetuam à distância
existem entre as almas
ainda encarnadas e as
que deixaram seu
invólucro carnal.
262. O tipo psíquico ao
qual temos dado o nome
de gênio pode assim ser
reconhecido em qualquer
região do pensamento e
da emoção. Em cada
direção, nosso eu
cotidiano pode ser mais
ou menos afetado pelos
impulsos subliminares.
Quem não apresenta essa
permeabilidade, senão em
ligeiro grau, agindo de
acordo com as
considerações
supraliminares,
concordes aos
raciocínios, segundo
ele, mas não de acordo
com os impulsos, vive
seguro de si, dentro de
sua prudente
mediocridade. Não
utiliza mais do que uma
parte da natureza humana
que foi exercitada e
preparada de há muito
para os trabalhos deste
mundo. Aquele, ao
contrário, cuja
permeabilidade aos
impulsos subliminares é
maior, torna-se capaz de
abarcar um número maior
de possibilidades e
segue na vida um caminho
menos estável.
263. Quais são as
condições que favorecem
o aparecimento do gênio,
que fazem que uns sejam
permeáveis mais do que
outros aos impulsos
subliminares? Das três
hipóteses que procuram
explicar o mistério das
variações individuais,
da aparição de
qualidades e
propriedades novas – as
hipóteses lamarckiana,
darwiniana e a teoria
das reminiscências de
Platão –, esta última
parece-me a mais
verdadeira, sob a
condição de baseá-la em
dados científicos
estabelecidos em nossos
dias. Acredito,
especialmente, que deve
ter existido no
protoplasma
(2),
base primitiva de toda a
vida orgânica, uma força
virtual de adaptação à
manifestação de todas as
faculdades que se
desenvolveram na vida
orgânica.
264. Considero também
que se produzem em cada
instante variações que
nem sempre é possível
prever e que se
manifestam pela
acidental aparição entre
os descendentes de
capacidades que não se
encontravam nos
ascendentes. Mas
afasto-me da opinião
geralmente creditada, ao
não considerar que essas
capacidades se
manifestam pela primeira
vez graças à feliz
combinação de elementos
hereditários. Considero
essas capacidades não
como aparecidas pela
primeira vez, senão como
reveladas e que a
seleção, ao invés de dar
origem a uma nova
capacidade, nada mais
fez do que arrebatar à
região subliminar uma
capacidade que sempre
estivera ali.
265. Essa opinião,
levada até às últimas
consequências, parece
contrapor-se ao conceito
corrente da evolução,
porque nega serem todas
as faculdades humanas um
resultado da experiência
terrenal. Admite um eu
subliminar dotado de
faculdades
desconhecidas, nascidas
não se sabe como e não,
simplesmente, pelo
contato com as
necessidades
experimentadas pelo
organismo terrestre.
Parece, dessa forma,
introduzir um novo
mistério, coisa que não
é assim, uma vez que
todas as faculdades
humanas, falando no
genérico, devem ser
colocadas novamente no
protoplasma e dali
retiradas.
266. Primeiro, deve-se
explicar como se
encontram mescladas aos
organismos primitivos e
inferiores e, a seguir,
como se desenvolveram e
se difundiram nos
organismos ulteriores e
superiores. Mas, repito,
todas as faculdades dos
organismos superiores
existiam, virtuais, nos
organismos inferiores e
qualquer diferença entre
meu conceito e a opinião
corrente reduz-se à
diferença quanto ao
sentido dado à palavra
virtual.
267. A diferença real
entre as duas opiniões
aparece quando se
consideram as próprias
capacidades, que eu
chamei de desconhecidas.
Se essas faculdades
realmente existem, minha
opinião proporciona a
melhor explicação delas.
Mas considero que a
telepatia e a telestesia
realmente existem: a
telepatia como
comunicação entre os
Espíritos encarnados, ou
entre os Espíritos
encarnados, de um lado,
e os desprovidos de
invólucro carnal, de
outro; a telestesia,
como conhecimento das
coisas que se situam
além dos limites de
nossa percepção comum e
que proporciona, talvez,
um vislumbre de mundo
diverso do terrestre. E
essas faculdades não
podem ter sido
adquiridas através da
seleção natural, tendo
em vista a conservação
da espécie; são antes o
produto de uma evolução
extraterrena. E se isto
sucede com essas
capacidades poderia
ocorrer o mesmo com
outras capacidades
humanas. As formas
especializadas da
percepção não
constituem, pois,
novidades reais no
universo, senão
adaptações imperfeitas
do protoplasma à
manifestação de
capacidades perceptivas
gerais que ali estavam
incluídas.
268. Possuímos
capacidades que se
tornaram supraliminares,
sob a influência da luta
pela sobrevivência. Mas
possuímos outras que
essa luta deixou
intactas e que se
conservaram
subliminares. O eu
supraliminar não tem
acesso a estas últimas
capacidades. Mas, como
consequência de um acaso
da evolução ou de um
exercício qualquer, se
produz num ponto uma
comunicação entre as
diferentes camadas do
nosso ser, e uma
faculdade subliminar sai
à luz da consciência
supraliminar.
269. Portanto, afirmo a
existência no homem de
uma alma que tira sua
força e sua graça de um
espírito universal e
afirmo também a
existência de um
espírito acessível à
alma humana e que com
ela se comunica. Estes
dois postulados carecem,
todavia, de base
científica, mas foram
formulados mais de uma
vez na história da
humanidade. Foram
formulados e
reconhecidos por todas
as religiões, ainda que
cada uma delas tenha
restringido a aplicação
ao ponto de tornar sua
verdade menos evidente e
manifesta. Mas o que as
religiões reclamaram
para seus fundadores e
santos: o que é a
santidade senão o gênio
na ordem moral?
270. A Psicologia o
reclama para cada
manifestação de nossa
vida espiritual: o sono,
o sonho, a recuperação
hipnótica, o automatismo
sensorial e motor, a
obsessão, o êxtase. O
filósofo que exclamou
com Marco Aurélio: “A
providência ou os
átomos!”, declarando que
sem essa base apoiada no
Invisível “o cosmos
moral ficaria reduzido
ao caos”, não teria
saudado com alegria a
mais humilde tentativa
de tirar de cada um dos
problemas ainda por
resolver alguma alusão à
lei desconhecida que um
dia nos dará a solução
de todos?
271. O sono – Os
capítulos anteriores nos
fizeram avançar alguns
passos em nosso caminho.
No capítulo II fizemos
uma ideia do que se
relaciona à composição
da personalidade humana,
analisando alguns dos
acidentes a que está
submetida: as ideias
obsessivas, as
instabilidades
histéricas, as
desagregações e
alternativas parecem
destruir a unidade
interna a cuja sensação
estamos instintivamente
unidos. No terceiro
capítulo vimos essa
mesma personalidade em
seu estado normal de
vigília, a maneira pela
qual essa normalidade
deve ser definida e por
quais os caminhos certas
pessoas privilegiadas
lograram estender seu
poder de concentração
interior e integrar
ainda mais sua
personalidade,
utilizando os
afloramentos de sua
capacidade subliminar
para completar ou
cristalizar os produtos
de seu pensamento
supraliminar.
272. A revisão desses
capítulos indica, com
bastante clareza, qual
será nossa próxima
etapa. É evidente que
nessa revisão das fases
ou alternativas da
personalidade, deixei de
lado a hipótese mais
constante, a mais
importante dentre todas.
Nada disse do sono, em
particular; mas, sem
dúvida, todos os meus
leitores terão pensado
nele, não como uma
curiosidade mórbida, mas
como uma função
essencial da vida.
273. Estudaremos agora o
sono, a partir de dois
pontos de vista.
Considerando-o como uma
fase alternativa da
personalidade, devemos
investigar quais são
suas características e
capacidades.
Considerando-o como um
fator integrante de
nossa existência
terrestre, da mesma
forma que o estado de
vigília, devemos
investigar como as
faculdades do sono e da
vigília podem ser
melhoradas e
concentradas durante o
curso da evolução física
e psíquica do homem. Uma
melhora ou concentração
dessa classe supõe um
conhecimento da
verdadeira natureza do
sono, que estamos longe
de possuir.
274. Consideremos,
primeiramente, os
caracteres específicos
do sonho. A definição
deste último constitui
um dos pontos mais
difíceis da fisiologia.
E penso que as
experiências com o sono
hipnótico, acumuladas
durante os últimos anos,
são de uma natureza que
torna ainda maior essa
dificuldade.
275. A explicação
fisiológica tende a
mostrar que determinado
estado corporal, como
por exemplo a ocupação
do cérebro por produtos
de dissociação,
constituem pelo menos o
antecedente comum do
sono normal. Mas é
certo, por outro lado,
que entre um grande
número de pessoas se
pode obter um sono
profundo e prolongado
pela simples sugestão,
qualquer que seja o
estado corporal. A
hipnose, como
demonstraram
Wetterstrand e outros,
pode ser prolongada, com
real vantagem para o que
dorme, muito além do
ponto que o sono
espontâneo dos
indivíduos normais é
capaz de alcançar.
276. Um bom indivíduo
pode ser despertado e
novamente hipnotizado,
quase à vontade,
independentemente do
estado de nutrição e
fadiga. Um sono desse
gênero pertence aos
fenômenos que podemos,
se quisermos, qualificar
de nervosos, mas que não
podemos observar e sobre
os quais não podemos
exercer nenhum poder
fora do elemento
psicológico.
277. Não se pode,
baseando-se
exclusivamente nos dados
conhecidos, esperar
chegar a uma definição
do sono mais
satisfatória do que as
que já possuímos. Sem
dúvida, podemos
postergar esse ensaio
até o momento em que
tenhamos recebido outros
dados, além dos
conhecidos, relacionados
ao que se produz, ou
não, durante o sono. Um
único ponto parece estar
afirmado: que não é
necessário tratar o
sono, como usualmente,
só por seu aspecto
negativo. Não devemos
nos satisfazer com
insistir, como nos
manuais em uso, sobre a
mera ausência das
capacidades que
constituem o estado de
vigília, sobre a
diminuição da percepção
exterior, sobre a
ausência de uma
inteligência diretriz.
278. Devemos, ao
contrário, tratar o sono
como fenômeno positivo,
no que for possível,
como uma fase
determinada de nossa
personalidade, que
apresenta certas
relações com o estado de
vigília. Cada uma dessas
fases diferenciou-se, na
minha opinião, a partir
de um estado de
indiferença primitiva,
próprio dos organismos
inferiores, no qual
teria sido impossível
dizer se estavam
acordados ou
adormecidos.
279. Igualmente,
dever-se-ia pronunciar
sobre a questão de qual
dos estados, se a
vigília ou o sono, é o
primitivo e qual o
secundário; poder-se-ia
afirmar, a meu ver, que
o sono, de acordo com
todas as aparências, é o
primitivo, pois é o que
domina a vida pré-natal
e infantil e, inclusive
no caso dos adultos, em
qualquer grau que nos
associemos através do
pensamento ao estado de
vigília, esse estado
parece secundário e
acessório, uma vez que
não pode ser mantido
senão durante um curto
período que nos é
impossível prolongar
artificialmente sem
recorrer frequentemente
a esse afluxo de
vitalidade que traz o
sono.
280. Do sono procedem
qualquer novo voo e
qualquer nova iniciativa
de atividades
despertadas. Quanto às
atividades que nascem e
se manifestam durante o
sono, temos ainda que
delas falar. Abordando o
exame da faculdade
característica do sono,
devemos iniciar pela
parte vermelha do
espectro de nossa
consciência, que
representa o poder mais
profundo que um esforço
(no estado de vigília)
seja capaz de exercer
sobre o nosso organismo
físico.
281. Nosso exame da
eficiência do sono deve
iniciar-se além desse
limite, porque o sono
encerra, seguramente, um
elemento cuja eficiência
supera tudo o que
observamos a respeito no
estado de vigília.
Reconhece-se, embora o
fato não esteja
explicado de uma forma
completa, que a
propriedade regeneradora
do sono normal é algo
sui generis, que o mais
completo repouso do
estado de vigília não
pode igualar.
282. Alguns momentos de
sono, uma simples lacuna
no campo da consciência,
trazem, às vezes, uma
verdadeira regeneração,
que é impossível obter
em vigília, mesmo
deitado durante horas
inteiras, em meio ao
silêncio e à escuridão.
Uma simples inclinação
da cabeça sobre o peito,
se a consciência se
detém por um ou dois
segundos, é capaz de
mudar nosso modo de ver
o mundo. Em momentos
semelhantes, e mais de
uma pessoa pode, como
eu, testemunhar a favor
de sua realidade,
sente-se que o que se
realiza no organismo, a
modificação da pressão
sanguínea, etc., ficou
interrompido de algum
modo; que houve ruptura
do mecanismo interior
devido a outra causa que
não a simples ignorância
momentânea dos estímulos
externos.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Telestesia: percepção
de coisas que se situam
além dos limites de
nossa percepção comum.
(2) Protoplasma:
o conteúdo celular vivo,
formado principalmente
de citoplasma e núcleo.
Na época em que esta
obra foi escrita,
entendia-se que o
protoplasma constituía a
base primitiva de toda a
vida orgânica.