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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 287 - 18 de Novembro de 2012
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 



A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 12)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. Existe entre o amor e a religião um vínculo de continuidade? 

Segundo Myers, sim. Há entre o amor e a religião um vínculo de continuidade, porque seriam eles as diversas fases de uma gravitação universal e mútua das almas. O amor é a força de integração que realiza um cosmos de uma enorme quantidade de coisas. Esse, o conceito platônico do amor, que se confunde quase com a religião, quando esta exprime a nossa atitude emocional e moral com relação à vida invisível. Para o amante platônico, a imagem do ser amado, independentemente da consciência e da imaginação, converte-se num impulso permanente e instintivo para os pensamentos e atos nobres. (A Personalidade Humana. Capítulo III – O gênio.) 

B. Para Myers, a telepatia e a telestesia são fenômenos comprovados? 

Sim. Afirmando que a telepatia e a telestesia realmente existem, Myers entende, também, que a telepatia se verifica entre os Espíritos encarnados, ou entre os Espíritos encarnados, de um lado, e os desprovidos de invólucro carnal, de outro. (Obra citada. Capítulo III – O gênio.) 

C. O sono é um fato positivo para os seres viventes? 

Evidentemente. Diz Myers que o sono encerra um elemento cuja eficiência supera tudo o que observamos a respeito no estado de vigília. Sabe-se que a propriedade regeneradora do sono normal é algo sui generis, que o mais completo repouso do estado de vigília não pode igualar. Alguns momentos de sono, uma simples lacuna no campo da consciência, trazem, às vezes, uma verdadeira regeneração, que é impossível obter em vigília, mesmo deitado durante horas inteiras, em meio ao silêncio e à escuridão. (Obra citada. Capítulo IV – O sono.)

Texto para leitura 

258. A telestesia (1) não é só uma lei espiritual, nem a atividade subliminar, uma atividade meramente intelectual. Por cima e à margem da capacidade inata de percepção dos fenômenos universais, existe entre os próprios Espíritos um vínculo universal que, nas suas manifestações terrestres e inferiores, se chama telepatia. Nossa capacidade oculta (a atividade subliminar do gênio) pode-se estender tanto nessa direção como na da telestesia. O conteúdo emocional dessa atividade é ainda mais importante e profundo do que seu conteúdo intelectual, assim como o amor e a religião são mais profundos e importantes do que a ciência e a arte.

259. Essa primitiva paixão, repito-o, que une a vida com a vida, que nos une quer com a vida próxima e visível, quer como a vida imaginária e invisível, essa paixão não constitui um impulso meramente orgânico e terrestre, antes forma o aspecto interno da lei telepática. Existe, pois, entre o amor e a religião um vínculo de continuidade; são as diversas fases de uma gravitação universal e mútua das almas. A carne separa ao invés de unir, ainda que nesta separação sugira a ideia da união que é capaz de realizar. Não se trata de uma emoção corpórea, nem unicamente humana.

260. O amor é a força de integração que realiza um cosmos de uma enorme quantidade de coisas. Esse é o conceito platônico do amor que se confunde quase com a religião, quando ela exprime a nossa atitude emocional e moral com relação à vida invisível. Para o amante platônico, a imagem do ser amado, independentemente da consciência e da imaginação, converte-se num impulso permanente e instintivo para os pensamentos e atos nobres.

261. Assim é, para um São Francisco e para uma Santa Teresa, a imagem da divindade que adoram; e se pretendem, às vezes, nos momentos de crise, sentir um domínio, uma orientação, e ter uma communicatio idiomatum com o Divino, podemos dar fé aos seus depoimentos mais humildes, contudo mais tangíveis e evidentes, dos quais resulta que uma intercomunicação telepática e influências impalpáveis que se efetuam à distância existem entre as almas ainda encarnadas e as que deixaram seu invólucro carnal.

262. O tipo psíquico ao qual temos dado o nome de gênio pode assim ser reconhecido em qualquer região do pensamento e da emoção. Em cada direção, nosso eu cotidiano pode ser mais ou menos afetado pelos impulsos subliminares. Quem não apresenta essa permeabilidade, senão em ligeiro grau, agindo de acordo com as considerações supraliminares, concordes aos raciocínios, segundo ele, mas não de acordo com os impulsos, vive seguro de si, dentro de sua prudente mediocridade. Não utiliza mais do que uma parte da natureza humana que foi exercitada e preparada de há muito para os trabalhos deste mundo. Aquele, ao contrário, cuja permeabilidade aos impulsos subliminares é maior, torna-se capaz de abarcar um número maior de possibilidades e segue na vida um caminho menos estável.

263. Quais são as condições que favorecem o aparecimento do gênio, que fazem que uns sejam permeáveis mais do que outros aos impulsos subliminares? Das três hipóteses que procuram explicar o mistério das variações individuais, da aparição de qualidades e propriedades novas – as hipóteses lamarckiana, darwiniana e a teoria das reminiscências de Platão –, esta última parece-me a mais verdadeira, sob a condição de baseá-la em dados científicos estabelecidos em nossos dias. Acredito, especialmente, que deve ter existido no protoplasma (2), base primitiva de toda a vida orgânica, uma força virtual de adaptação à manifestação de todas as faculdades que se desenvolveram na vida orgânica.

264. Considero também que se produzem em cada instante variações que nem sempre é possível prever e que se manifestam pela acidental aparição entre os descendentes de capacidades que não se encontravam nos ascendentes. Mas afasto-me da opinião geralmente creditada, ao não considerar que essas capacidades se manifestam pela primeira vez graças à feliz combinação de elementos hereditários. Considero essas capacidades não como aparecidas pela primeira vez, senão como reveladas e que a seleção, ao invés de dar origem a uma nova capacidade, nada mais fez do que arrebatar à região subliminar uma capacidade que sempre estivera ali.

265. Essa opinião, levada até às últimas consequências, parece contrapor-se ao conceito corrente da evolução, porque nega serem todas as faculdades humanas um resultado da experiência terrenal. Admite um eu subliminar dotado de faculdades desconhecidas, nascidas não se sabe como e não, simplesmente, pelo contato com as necessidades experimentadas pelo organismo terrestre. Parece, dessa forma, introduzir um novo mistério, coisa que não é assim, uma vez que todas as faculdades humanas, falando no genérico, devem ser colocadas novamente no protoplasma e dali retiradas.

266. Primeiro, deve-se explicar como se encontram mescladas aos organismos primitivos e inferiores e, a seguir, como se desenvolveram e se difundiram nos organismos ulteriores e superiores. Mas, repito, todas as faculdades dos organismos superiores existiam, virtuais, nos organismos inferiores e qualquer diferença entre meu conceito e a opinião corrente reduz-se à diferença quanto ao sentido dado à palavra virtual.

267. A diferença real entre as duas opiniões aparece quando se consideram as próprias capacidades, que eu chamei de desconhecidas. Se essas faculdades realmente existem, minha opinião proporciona a melhor explicação delas. Mas considero que a telepatia e a telestesia realmente existem: a telepatia como comunicação entre os Espíritos encarnados, ou entre os Espíritos encarnados, de um lado, e os desprovidos de invólucro carnal, de outro; a telestesia, como conhecimento das coisas que se situam além dos limites de nossa percepção comum e que proporciona, talvez, um vislumbre de mundo diverso do terrestre. E essas faculdades não podem ter sido adquiridas através da seleção natural, tendo em vista a conservação da espécie; são antes o produto de uma evolução extraterrena. E se isto sucede com essas capacidades poderia ocorrer o mesmo com outras capacidades humanas. As formas especializadas da percepção não constituem, pois, novidades reais no universo, senão adaptações imperfeitas do protoplasma à manifestação de capacidades perceptivas gerais que ali estavam incluídas.

268. Possuímos capacidades que se tornaram supraliminares, sob a influência da luta pela sobrevivência. Mas possuímos outras que essa luta deixou intactas e que se conservaram subliminares. O eu supraliminar não tem acesso a estas últimas capacidades. Mas, como consequência de um acaso da evolução ou de um exercício qualquer, se produz num ponto uma comunicação entre as diferentes camadas do nosso ser, e uma faculdade subliminar sai à luz da consciência supraliminar.

269. Portanto, afirmo a existência no homem de uma alma que tira sua força e sua graça de um espírito universal e afirmo também a existência de um espírito acessível à alma humana e que com ela se comunica. Estes dois postulados carecem, todavia, de base científica, mas foram formulados mais de uma vez na história da humanidade. Foram formulados e reconhecidos por todas as religiões, ainda que cada uma delas tenha restringido a aplicação ao ponto de tornar sua verdade menos evidente e manifesta. Mas o que as religiões reclamaram para seus fundadores e santos: o que é a santidade senão o gênio na ordem moral?

270. A Psicologia o reclama para cada manifestação de nossa vida espiritual: o sono, o sonho, a recuperação hipnótica, o automatismo sensorial e motor, a obsessão, o êxtase. O filósofo que exclamou com Marco Aurélio: “A providência ou os átomos!”, declarando que sem essa base apoiada no Invisível “o cosmos moral ficaria reduzido ao caos”, não teria saudado com alegria a mais humilde tentativa de tirar de cada um dos problemas ainda por resolver alguma alusão à lei desconhecida que um dia nos dará a solução de todos?

271. O sono – Os capítulos anteriores nos fizeram avançar alguns passos em nosso caminho. No capítulo II fizemos uma ideia do que se relaciona à composição da personalidade humana, analisando alguns dos acidentes a que está submetida: as ideias obsessivas, as instabilidades histéricas, as desagregações e alternativas parecem destruir a unidade interna a cuja sensação estamos instintivamente unidos. No terceiro capítulo vimos essa mesma personalidade em seu estado normal de vigília, a maneira pela qual essa normalidade deve ser definida e por quais os caminhos certas pessoas privilegiadas lograram estender seu poder de concentração interior e integrar ainda mais sua personalidade, utilizando os afloramentos de sua capacidade subliminar para completar ou cristalizar os produtos de seu pensamento supraliminar.

272. A revisão desses capítulos indica, com bastante clareza, qual será nossa próxima etapa. É evidente que nessa revisão das fases ou alternativas da personalidade, deixei de lado a hipótese mais constante, a mais importante dentre todas. Nada disse do sono, em particular; mas, sem dúvida, todos os meus leitores terão pensado nele, não como uma curiosidade mórbida, mas como uma função essencial da vida.

273. Estudaremos agora o sono, a partir de dois pontos de vista. Considerando-o como uma fase alternativa da personalidade, devemos investigar quais são suas características e capacidades. Considerando-o como um fator integrante de nossa existência terrestre, da mesma forma que o estado de vigília, devemos investigar como as faculdades do sono e da vigília podem ser melhoradas e concentradas durante o curso da evolução física e psíquica do homem. Uma melhora ou concentração dessa classe supõe um conhecimento da verdadeira natureza do sono, que estamos longe de possuir.

274. Consideremos, primeiramente, os caracteres específicos do sonho. A definição deste último constitui um dos pontos mais difíceis da fisiologia. E penso que as experiências com o sono hipnótico, acumuladas durante os últimos anos, são de uma natureza que torna ainda maior essa dificuldade.

275. A explicação fisiológica tende a mostrar que determinado estado corporal, como por exemplo a ocupação do cérebro por produtos de dissociação, constituem pelo menos o antecedente comum do sono normal. Mas é certo, por outro lado, que entre um grande número de pessoas se pode obter um sono profundo e prolongado pela simples sugestão, qualquer que seja o estado corporal. A hipnose, como demonstraram Wetterstrand e outros, pode ser prolongada, com real vantagem para o que dorme, muito além do ponto que o sono espontâneo dos indivíduos normais é capaz de alcançar.

276. Um bom indivíduo pode ser despertado e novamente hipnotizado, quase à vontade, independentemente do estado de nutrição e fadiga. Um sono desse gênero pertence aos fenômenos que podemos, se quisermos, qualificar de nervosos, mas que não podemos observar e sobre os quais não podemos exercer nenhum poder fora do elemento psicológico.

277. Não se pode, baseando-se exclusivamente nos dados conhecidos, esperar chegar a uma definição do sono mais satisfatória do que as que já possuímos. Sem dúvida, podemos postergar esse ensaio até o momento em que tenhamos recebido outros dados, além dos conhecidos, relacionados ao que se produz, ou não, durante o sono. Um único ponto parece estar afirmado: que não é necessário tratar o sono, como usualmente, só por seu aspecto negativo. Não devemos nos satisfazer com insistir, como nos manuais em uso, sobre a mera ausência das capacidades que constituem o estado de vigília, sobre a diminuição da percepção exterior, sobre a ausência de uma inteligência diretriz.

278. Devemos, ao contrário, tratar o sono como fenômeno positivo, no que for possível, como uma fase determinada de nossa personalidade, que apresenta certas relações com o estado de vigília. Cada uma dessas fases diferenciou-se, na minha opinião, a partir de um estado de indiferença primitiva, próprio dos organismos inferiores, no qual teria sido impossível dizer se estavam acordados ou adormecidos.

279. Igualmente, dever-se-ia pronunciar sobre a questão de qual dos estados, se a vigília ou o sono, é o primitivo e qual o secundário; poder-se-ia afirmar, a meu ver, que o sono, de acordo com todas as aparências, é o primitivo, pois é o que domina a vida pré-natal e infantil e, inclusive no caso dos adultos, em qualquer grau que nos associemos através do pensamento ao estado de vigília, esse estado parece secundário e acessório, uma vez que não pode ser mantido senão durante um curto período que nos é impossível prolongar artificialmente sem recorrer frequentemente a esse afluxo de vitalidade que traz o sono.

280. Do sono procedem qualquer novo voo e qualquer nova iniciativa de atividades despertadas. Quanto às atividades que nascem e se manifestam durante o sono, temos ainda que delas falar. Abordando o exame da faculdade característica do sono, devemos iniciar pela parte vermelha do espectro de nossa consciência, que representa o poder mais profundo que um esforço (no estado de vigília) seja capaz de exercer sobre o nosso organismo físico.

281. Nosso exame da eficiência do sono deve iniciar-se além desse limite, porque o sono encerra, seguramente, um elemento cuja eficiência supera tudo o que observamos a respeito no estado de vigília. Reconhece-se, embora o fato não esteja explicado de uma forma completa, que a propriedade regeneradora do sono normal é algo sui generis, que o mais completo repouso do estado de vigília não pode igualar.

282. Alguns momentos de sono, uma simples lacuna no campo da consciência, trazem, às vezes, uma verdadeira regeneração, que é impossível obter em vigília, mesmo deitado durante horas inteiras, em meio ao silêncio e à escuridão. Uma simples inclinação da cabeça sobre o peito, se a consciência se detém por um ou dois segundos, é capaz de mudar nosso modo de ver o mundo. Em momentos semelhantes, e mais de uma pessoa pode, como eu, testemunhar a favor de sua realidade, sente-se que o que se realiza no organismo, a modificação da pressão sanguínea, etc., ficou interrompido de algum modo; que houve ruptura do mecanismo interior devido a outra causa que não a simples ignorância momentânea dos estímulos externos. (Continua no próximo número.) 

(1) Telestesia: percepção de coisas que se situam além dos limites de nossa percepção comum.

(2) Protoplasma: o conteúdo celular vivo, formado principalmente de citoplasma e núcleo. Na época em que esta obra foi escrita, entendia-se que o protoplasma constituía a base primitiva de toda a vida orgânica.



 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita