MARCELO BORELA DE
OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil) |
|
Sexo e Destino
André Luiz
(Parte
6)
Damos continuidade ao
estudo da obra
Sexo e Destino,
de André Luiz,
psicografada pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco Cândido Xavier
e
publicada em 1963 pela
Federação Espírita
Brasileira.
Questões preliminares
A. Para livrar alguém de
uma queda em desastre
moral iminente, as
autoridades espirituais
costumam adotar alguma
medida especial?
Sim. As autoridades
espirituais chegam, se
isso for necessário, a
suscitar medidas
especiais que impõem
aflições e dores de
importância aparente a
determinadas pessoas,
com o objetivo de
livrá-las da queda em
desastres morais
iminentes, quando tais
pessoas mereçam esse
amparo de exceção. A dor
constitui, então, medida
providencial que acaba
evitando que o indivíduo
se complique.
(Sexo e Destino,
capítulo VI, pp. 56 a
59.)
B. Como entender a
existência de
governantes que se
tornam na Terra
verdadeiros verdugos das
nações que dirigem?
Respondendo a essa
questão, Félix
esclareceu que toda
criatura vive na área de
responsabilidade que a
lei lhe delimita e que
os compromissos da
consciência assumem as
dimensões da autoridade
que lhe foi atribuída.
Assim, uma pessoa com
grandes cabedais de
autoridade pode levar
extensas comunidades às
culminâncias do
progresso ou afundá-las
em estagnação e
decadência, na medida
exata das atitudes que
tome para o bem ou para
o mal. Mas,
naturalmente, ela
responderá pelo que
fizer. "Cada qual –
asseverou o mentor – dá
conta dos recursos que
lhe foram confiados e
da região de influência
que recebeu, passando a
colher, de modo
automático, os bens ou
os males que haja
semeado."
(Obra citada, capítulo
VI, pp. 56 a 59.)
C. Para se inteirar da
história de Marita,
André Luiz valeu-se de
um novo gênero de
anamnese. Em que ela
consiste?
Esse gênero de anamnese
consiste em consultar o
enfermo espiritual em
pensamento, a fim de
pesquisar as conclusões
necessárias ao trabalho
assistencial. Postado
junto a Marita, André
rogou-lhe paternalmente,
sem palavras, confiasse
nele, desoprimindo-se e
relacionando suas
impressões mais recuadas
no tempo. Ele se
propunha a auxiliá-la,
mas era imprescindível
que ela se lhe
revelasse, arrancando à
memória as cenas
arquivadas desde a
infância e expondo-as na
tela mental... Marita
assimilou o apelo, de
imediato. E, incapaz de
explicar a si mesma a
razão pela qual se via
impelida a rememorar o
passado, situou o
impulso mental no ponto
em que obtinha o fio
inicial de suas
recordações. Os quadros
da infância se lhe
estamparam na aura,
movimentados como num
filme, e, enquanto os
painéis se desdobravam,
ela alinhava elucidações
inarticuladas,
respondendo às perguntas
de André.
(Obra citada, capítulo
VII, pp. 60 a 62.)
Texto para leitura
26. A
responsabilidade é
proporcional ao
conhecimento -
Diante da resposta de
Félix, André quis saber,
então, por que motivo
ele não dissipava de vez
os laços que prendiam
Cláudio aos malandros
que o exploravam. Félix
não se fez rogado:
"Cláudio, certamente,
não lhes empresta o
conceito de vagabundos.
Para ele, são sócios
estimáveis, amigos
caros. Por outro lado,
ainda não investigamos a
causa da ligação entre
eles para cunhar
opiniões extremadas. As
circunstâncias podem ser
saudáveis ou enfermiças
como as pessoas, e, para
tratarmos um doente com
segurança, há que
analisar as raízes do
mal e confirmar os
sintomas, aplicar
medicação e estudar
efeitos. Aqui, vemos um
problema pela rama.
Quando terá nascido a
comunhão do trio? Os
vínculos serão de agora
ou de existências
passadas? Nada
legitimaria um ato de
violência da nossa
parte, com o intuito de
separá-los, a título de
socorro. Isso seria o
mesmo que apartar os
pais generosos dos
filhos ingratos ou os
cônjuges nobres dos
esposos ou das esposas
de condição inferior,
sob o pretexto de
assegurar limpeza e
bondade nos processos da
evolução. A
responsabilidade tem o
tamanho do conhecimento.
Não dispomos de meios
precisos para impedir
que um amigo se onere em
dívidas escabrosas ou se
despenque em desatinos
deploráveis, conquanto
nos seja lícito
dispensar-lhe o auxílio
possível, a fim de que
se acautele contra o
perigo no tempo viável,
sendo de notar-se que as
autoridades superiores
da Espiritualidade
chegam a suscitar
medidas especiais que
impõem aflições e dores
de importância aparente
a determinadas pessoas,
com o objetivo de
livrá-las da queda em
desastres morais
iminentes, quando
mereçam esse amparo de
exceção".
Havendo Félix dito que a
justiça cerceia as ações
dos que ameaçam a
estabilidade coletiva,
Neves perguntou-lhe
como entender a
existência de
governantes que se
erigem na Terra em
verdugos das nações.
Félix esclareceu que
toda criatura vive na
área de responsabilidade
que a lei lhe delimita e
que os compromissos da
consciência assumem as
dimensões da autoridade
que lhe foi atribuída.
Assim, uma pessoa com
grandes cabedais de
autoridade pode levar
extensas comunidades às
culminâncias do
progresso ou afundá-las
em estagnação e
decadência, na medida
exata das atitudes que
tome para o bem ou para
o mal. Mas,
naturalmente,
governantes e
administradores, em
qualquer tempo,
respondem pelo que
fazem. "Cada qual –
asseverou o mentor – dá
conta dos recursos que
lhe foram confiados e
da região de influência
que recebeu, passando a
colher, de modo
automático, os bens ou
os males que haja
semeado." Em seguida,
acercou-se de Cláudio e
o envolveu nas suaves
irradiações do seu olhar
brando e percuciente.
Após acariciar a
cabeleira do pai de
Marina, Félix comentou,
despretensioso: "Quem
afirmará que Cláudio
amanhã não será um homem
renovado para o bem,
passando a educar os
companheiros que o
deprimem? Por que atrair
contra nós a repulsão
dos três, simplesmente
porque se mostrem
ignorantes e infelizes?"
E acrescentou: "Existem
adubos que lançam
emanações extremamente
desagradáveis; no
entanto, asseguram a
fertilidade do solo,
auxiliando a planta que,
a seu turno, se dispõe a
auxiliar-nos". (Cap. VI,
pp. 56 a 59)
27. Um novo gênero
de anamnese - Em
aposento contíguo à sala
principal, jovem
franzina refletia,
torturada, em dorida
atitude. Era Marita,
que os donos da casa
haviam adotado, ao
nascer, vinte anos
antes. Bastou uma vista
de olhos para que André
se condoesse ao
contemplá-la.
Obedecendo a instruções
de Félix, André
abordou-a, enternecido,
rogando-lhe,
mentalmente, algo
esclarecesse em torno de
si própria. Desde o
contacto com Nemésio,
Félix o ensaiava em novo
gênero de anamnese:
consultar o enfermo
espiritual em
pensamento, a fim de
pesquisar conclusões
para o trabalho
assistencial. Postado
junto a Marita, André
rogou-lhe paternalmente,
sem palavras, confiasse
nele, desoprimindo-se e
relacionando suas
impressões mais recuadas
no tempo. Ele se
propunha a auxiliá-la,
mas nada conseguiria,
agindo ao acaso: era
imprescindível que ela
se lhe revelasse,
arrancando à memória as
cenas arquivadas desde a
infância e expondo-as na
tela mental... Marita
assimilou o apelo, de
imediato. E, incapaz de
explicar a si mesma a
razão pela qual se via
impelida a rememorar o
passado, situou o
impulso mental no ponto
em que obtinha o fio
inicial de suas
recordações. Os quadros
da infância se lhe
estamparam na aura,
movimentados como num
filme, e, enquanto os
painéis se desdobravam,
ela alinhava elucidações
inarticuladas,
respondendo às perguntas
de André. Sabia não ser
filha dos Nogueiras:
nascera de jovem
suicida, de nome
Aracélia, que
trabalhava para o casal
Cláudio e Márcia. Mais
tarde, Márcia lhe dera a
saber a breve história
da mulher simples e
pobre que a trouxera ao
mundo. (Cap. VII, pp. 60
a 62)
28. O caso
Aracélia -
Recém-chegada do
interior, Aracélia
acolhera-se à moradia,
encaminhada por senhora
amiga. Era bonita,
espontânea. Brincava,
gostava de festas.
Findos os compromissos
caseiros, divertia-se.
Pela ternura expansiva,
granjeara amizades,
passeava, dançava.
Operosa e correta,
regressava, às vezes,
tarde da noite, ao
aposento que a família
lhe destinara; de manhã,
porém, estava no posto.
Nunca se queixava, e era
invariavelmente
prestimosa, a
desvelar-se do tanque à
cozinha. Por ocasião do
nascimento de Marina, a
filha única de Márcia,
elas fizeram-se mais
amigas, mais íntimas, e
Aracélia desdobrava-se
em carinho e dedicação.
Contudo, justamente
nessa época,
verificou-se a grande
mudança. Aracélia
engravidou-se, com
grande padecimento
físico, e, por mais que
os donos da casa
pedissem que dissesse o
nome do responsável pela
situação, ela apenas
chorava, abolindo
qualquer possibilidade
de se lhe tentar
casamento digno.
Sabia-se que,
frequentando bailes a
rodo, decerto se
precipitara em
aventuras diversas.
Compadecidos, os patrões
lhe deram a mais ampla
assistência, para que a
criança nascesse sob o
amparo possível. (Nesse
ponto, Marita estacou,
mentalmente, qual se
estivesse cansada de
pensar no mesmo assunto,
e seus olhos encheram-se
de lágrimas,
estabelecendo confronto
entre as provações de
sua mãe e as dela
própria. André
sugeriu-lhe, porém,
continuasse.) Marita
informou, então, que um
dia, retornando a casa,
Aracélia mostrava-se
irremediavelmente
abatida. Lágrimas
incessantes, irritação,
melancolia... De nada
valeram advertências,
nem cuidados médicos. Na
noite em que sorveu
grande dose de
formicida, conversara
animadamente com a
patroa, dando a
impressão de que se
recuperava, mas, na
manhã seguinte, foi
achada hirta, com uma
das mãos agarrada ao
berço... Assim ela
cresceu, julgando que
Márcia fosse sua mãe e
Marina sua irmã de
sangue. Juntas,
frequentaram a escola,
juntas comungaram a
meninice. Partilhavam
excursões e
entretenimentos,
alegrias e jogos.
Manuseavam os mesmos
livros, vestiam cores
iguais. (Cap. VII, pp.
62 e 63)
29. A
verdade machuca Marita
- A análise
processava-se
normalmente, mas, dado
o avançado da hora, o
irmão Félix teve de se
despedir, alegando
obrigações urgentes.
Serviços na instituição
que ele dirigia
reclamavam sua presença.
Na saída, pediu, no
entanto, a André Luiz
tivesse por aquela
família toda a atenção
que lhe fosse possível,
esclarecendo, discreto,
que possuía fortes
razões para consagrar-se
à felicidade daquele
lar, com entranhado
afeto. A família,
entretanto, teimava em
fugir de toda atividade
religiosa ou
beneficente. Ninguém ali
se interessava pelo
cultivo da oração ou do
estudo. Nenhum dos
quatro componentes da
casa se inclinava para o
serviço ao próximo. Por
isso, embora amasse
Cláudio com paternal
solicitude, não se
sentia autorizado a
localizar-lhe, na
residência, servidores
sob sua orientação, sem
objetivos sérios que lhe
fundamentassem a
atitude. Findo o breve
intervalo, André retomou
a análise e notou que
Neves procurava, mais
atentamente, ser útil.
Marita voltou, então, a
memorizar, expondo à
vista as telas do
passado próximo, que lhe
eram abordáveis ao
conhecimento. Cenas de
sua alegre infância ali
se desdobraram...
Súbito,
confrangeu-se-lhe a
alma, como se implacável
bisturi lhe retalhasse
os nervos, e ela caiu
numa explosão de
lágrimas. Terminava a
festa na escola em que
comemorara o término do
primeiro curso escolar,
nove anos antes. Depois,
em casa, o olhar
diferente de D. Márcia,
a revelar-lhe toda a
verdade, iniciando-se a
partir daí o conflito da
vida inteira.
Esvaecera-se-lhe, de
improviso, a alegria
infantil. Não era filha
da casa; era órfã,
adotada pelos corações
queridos, aos quais
amava tanto, julgando
pertencer-lhes. Isso lhe
arrebentara o coração, e
pela primeira vez
chorara com medo de
enlaçar-se àquela a cujo
peito se albergava, até
ali, nas horas difíceis,
como se aninhasse no
refúgio maternal.
Sentia-se machucada,
sozinha. D. Márcia, com
bondade, explicava,
explicava... mas ela,
até então estouvada e
risonha, repentinamente
torturada, ouvia,
ouvia... (Cap. VII, pp.
63 a 65)
30. Marita nunca
mais foi a mesma
- Marita queria saber o
porquê de tudo aquilo,
mas sua voz calara-se na
garganta. Era preciso
aceitar a verdade,
conformar-se, sofrer. A
mãe adotiva esforçara-se
por diluir a amargura da
revelação no bálsamo do
carinho, mas não se
esquecera de lhe dizer
em tom conselheiral:
"você deve crescer
sabendo tudo, melhor
saber hoje que amanhã;
filhos adotivos, quando
crescem ignorando a
verdade, costumam trazer
enormes complicações,
principalmente quando
ouvem esclarecimentos de
outras pessoas", e
acrescentara, diante do
silêncio em que ela
afogava as próprias
lágrimas: "não chore,
estou apenas explicando;
você sabe que criamos
você por filha, mas é
necessário que conheça
a realidade toda;
adotamos você, lembrando
Aracélia, tão amiga, tão
boa". E os informes
foram complementados com
a exibição de fotos e
relíquias da genitora
suicida, tiradas de
pequena caixa de madeira
que D. Márcia trouxera.
Espantada, revirara
nervosamente nas mãos
aqueles retratos e
adereços de moça pobre,
sensibilizando-se ao ver
os colares de fantasia,
os anéis de plaquê, que
eram tudo quanto restava
da mãe desconhecida.
Contemplou, em seguida,
a imagem dela nas fotos
já amareladas e
experimentou profunda e
indizível atração por
aqueles olhos grandes e
tristes que pareciam
arrebatá-la para um
mundo diferente. A
reflexão em torno da
mãezinha desencarnada
durara, porém, um
momento só. Sem
maturidade para entender
o sofrimento de Aracélia,
e julgando-se
melindrada, não lhe era
possível arredar-se da
própria dor. As palavras
de D. Márcia: "adotamos
você, lembrando Aracélia
tão amiga, tão boa",
percutiam-lhe na cabeça.
Então, era assim que a
despachavam para a
orfandade em que lhe
competia viver? E os
beijos do lar que
admitia lhe pertencerem?
E os mimos domésticos
que julgava partilhar
com Marina em partes e
direitos iguais?
Parecia-lhe que D.
Márcia, embora denotasse
carinho, desejava
traçar, dali por diante,
severa fronteira entre
ela e a família, e
imaginava-se, por isso,
esbulhada, ferida. Fora
simplesmente albergada,
tolerada, enganada. Não
era filha, era órfã...
Ato contínuo, Marita
desdobrou à vista de
André uma cena
inesquecível: quando a
esposa de Cláudio a
deixou em pranto
desconsolado, viu a
cadelinha magra e
anônima, que dias antes
fora recolhida na rua.
O animalzinho
abeirara-se dela, como
se lhe aderisse à mágoa,
lambendo-lhe as mãos.
Ela, por sua vez,
retribuíra-lhe a
carícia, qual se lhe
transferisse toda a
carga de amor que
acreditava lhe fora
restituída naquele
instante por D. Márcia,
e, chorando, abraçou-se
à cachorrinha afetuosa,
gritando num desabafo:
"Ah! Joia, não é só você
que foi enjeitada! eu
também..." E desde esse
dia transfigurou-se-lhe
a vida, porque, a partir
da revelação,
considerou-se diminuída,
lesada, dependente.
(Cap. VII, pp. 66 e 67)
(Continua no próximo
número.)