ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
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A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 13)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Que fenômeno é
chamado por Myers de
visões hipnagógicas?
Esse é nome dado às
imagens vivas que surgem
diante da visão interna
de determinadas pessoas,
entre o sono e a
vigília. Alfred Maury
foi quem lhes deu esse
nome. As visões podem
apresentar-se no momento
em que o sono se dissipa
ou no momento em que se
inicia. Nos dois casos,
as visões estão
totalmente unidas aos
sonhos, mas as “ilusões
hipnagógicas”
renovam-se, às vezes,
nos sonhos.
(A Personalidade Humana.
Capítulo IV – O sono.)
B. Que diferença há
entre as imagens
hipnagógicas e as
hipnopômpicas?
As primeiras –
hipnagógicas – ocorrem
no momento em que o sono
se inicia. As imagens
hipnopômpicas
produzem-se no momento
em que o sono se
dissipa, mas nem por
isso são menos notáveis.
É que, frequentemente,
uma figura que era parte
num sonho continua sendo
observada sob a forma de
uma alucinação, durante
os primeiros instantes
que se seguem ao sono, o
que prova a força dessa
capacidade visionária
que engendra os sonhos.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
C. Há sonhos que
desempenham o papel de
uma sugestão
pós-hipnótica potente?
Sim. Exemplo disso é o
que foi relatado por
Kraft-Ebbing, no qual
uma enferma de nome Ilma
S., ao despertar do
sonho, apresentava dores
em certa região do corpo
e mantinha firme o
propósito de se
confessar com o
sacerdote de determinada
igreja, tal como lhe
fora sugerido durante o
sonho.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
Texto para leitura
283. A ruptura da
consciência está
associada, em certo
grau, a uma modificação
fisiológica potente, o
que vale dizer que mesmo
nos casos de sono comum
momentâneo observamos já
a aparição dessa energia
reparadora especial, que
é característica do sono
prolongado e que
alcança, como veremos
adiante, um grau ainda
mais elevado durante o
sono hipnótico.
284. Essa energia
reparadora se encontra
além da linha vermelha
do espectro de nossa
consciência desperta.
Nessa região obscura
enxergamos somente um
crescimento de potência
e de domínio sobre as
funções fundamentais da
vida corporal. Mas, se
passamos além dos
limites do espectro da
consciência desperta,
quando chegamos ao
domínio dos músculos
voluntários ou à
capacidade sensorial,
percebemos que nossa
comparação entre o sono
e a vigília torna-se bem
menos simples.
285. De um lado,
constatamos uma lacuna
geral e a ausência de
qualquer controle sobre
o domínio das energias
despertas, ou melhor,
como no sono parcial,
uma simples paródia
fantástica dessas
energias num sono
incoerente. Por outro
lado, constatamos que o
sono é capaz de
estranhos
desenvolvimentos e que à
noite pode, às vezes,
superar subitamente as
operações mais complexas
do dia.
286. Tomemos,
primeiramente, o
controle sobre os
músculos voluntários. No
sono comum, esse
controle não existe nem
é desejado; no pesadelo,
a perda desse controle
está exagerada de uma
forma quase histérica e
dá lugar a um imenso
terror; enquanto que no
sonambulismo, espécie de
personalidade
desenvolvida ad hoc, o
que dorme, como mais
tarde veremos, atravessa
os caminhos mais
perigosos com passo
firme.
287. De modo geral, o
sonambulismo mórbido é,
com relação ao sono
normal, o que a histeria
é com relação à vida
normal. Mas entre o
sonâmbulo sadio e a
vítima de um pesadelo
constatamos, de outro
ponto de vista, uma
diferença que lembra a
que existe entre o homem
de gênio e o histérico.
Como o homem de gênio, o
sonâmbulo coloca em jogo
recursos inacessíveis ao
homem comum e ao estado
normal.
288. Por outro lado, da
mesma forma que entre
alguns histéricos certos
movimentos comuns caem
sob o controle da
vontade, da mesma forma
o sonhador que deseja
vagamente mover uma
perna intumescida é, com
frequência, incapaz de
dirigir-lhe uma corrente
de energia motriz
suficiente para efetuar
a mudança de posição
desejada. Essa
incapacidade angustiante
de movimento que
sentimos no sonho
“quando o que foge é
incapaz de fugir e o que
persegue incapaz de
perseguir”, essa
sensação que Virgílio e
Homero tomaram como o
tipo de extravio
paralisante, constitui
precisamente a abulia
dos histéricos, esse
estado em que um homem
leva meia hora para
colocar o chapéu,
enquanto que uma mulher
passa uma tarde inteira
contemplando seu bordado
sem ser capaz de dar um
único ponto.
289. O termo
“sonambulismo” é, no
entanto, demasiado vago
e indefinido para nossa
presente discussão.
Somente através da
comparação com o
hipnotismo, no capítulo
seguinte, chegaremos a
um conceito um pouco
mais claro a respeito
dos estados de
semivigília.
290. Consideremos a
capacidade sensorial
encefálica, a capacidade
da “vida espiritual”,
tal como se manifesta no
sono ou no sonho. Aqui
encontramos a mesma que
preside a capacidade
motriz, isto é, de
maneira geral a
capacidade sensorial
está obscurecida e
inibida pelo sono, mas
também existem indícios
de um poder persistente,
com a mesma vivacidade
anterior e, às vezes,
mesmo com uma acuidade
mais evidente.
291. À primeira vista,
parece paradoxo falar de
hiperestesia durante o
estado de sonolência; de
sensação viva num estado
descrito geralmente como
caracterizado por um
toldar ou extinguir
progressivo dos
sentidos. E,
naturalmente, na
produção de imagens
interiores, mais do que
nas percepções de
imagens exteriores, se
manifestará a atividade
durante o sono.
292. Existe um fenômeno
que, apesar de sua
frequência relativa e de
sua evidência, passou,
até agora, inadvertido à
ciência, nisto
semelhante a tantos
outros fenômenos humanos
que apresentam um
interesse mais
científico do que
terapêutico. Baillarger,
na França, e Griesinger,
na Alemanha, foram os
primeiros (por volta de
1895) a chamar a atenção
sobre as imagens vivas
que surgem diante da
visão interna de
determinadas pessoas,
entre o sono e a
vigília. Alfred Maury, o
conhecido helenista,
deu, alguns anos mais
tarde, a essas imagens o
nome de ilusões
hipnagógicas
(1)
e publicou uma série
notável de observações
sobre si mesmo. Galton
faz referência a elas,
na sua obra Inquiry into
Human Faculty, e se
encontrarão vários casos
desse gênero no
Proceedings of the S. P.
R., págs. 390-473, etc.
293. As visões podem ser
hipnopômpicas ou
hipnagógicas, isto é,
podem-se apresentar no
momento em que o sono se
dissipa ou no momento em
que inicia. Nos dois
casos, as visões estão
totalmente unidas aos
sonhos; as “ilusões
hipnagógicas”
renovam-se, às vezes,
nos sonhos; as imagens
hipnopômpicas consistem,
principalmente, na
persistência de uma
imagem de sonho durante
os primeiros momentos de
vigília.
294. Em ambos os casos
as imagens são
testemunhos de uma
intensificação da visão
interna num momento
significativo, num
momento que é, real e
virtualmente, do sono,
mas confunde-se quase
com os momentos próximos
da vigília. Podemos
qualificar esse estado
de hiperestesia da visão
cerebral ou espiritual e
considerá-lo como o
efeito de uma
sensibilidade exagerada
de centros cerebrais
especiais, determinada
por esses estímulos
internos desconhecidos
que, inclusive durante a
vigília, originam visões
internas análogas, ainda
que mais débeis.
295. Para os que já são
bons visionários, esses
fenômenos, ainda que
suficientemente
notáveis, não constituem
uma experiência
extraordinária. Pelo
contrário, para os maus
visionários, a
vivacidade dessas
imagens hipnagógicas
pode parecer uma
verdadeira revelação. A
meu ver, posso dizer
que, sem esses
resplendores ocasionais
que sobrevêm entre o
sono e a vigília, seria
incapaz de conceber o
que é realmente um bom
visionário. As imagens
vagas, obscuras,
instáveis, que
constituem tudo quanto
minha vontade é capaz de
evocar são substituídas,
num momento de
sonolência, por uma
pintura que aparece ante
meus olhos espantados,
tão clara e brilhante
como o próprio objeto. A
diferença se assemelha à
existente entre um
instantâneo
(fotografia), em cores
naturais, e uma vista
vaga e difusa, projetada
por uma lanterna mágica,
quase no momento de
apagar-se. Muitas
pessoas devem ter feito
essa experiência,
espantando-se ante a
força insuspeita de uma
capacidade revelada
nesses momentos.
296. As imagens que
chamei hipnopômpicas,
isto é, as que se
produzem no momento em
que o sono se dissipa,
não são menos notáveis.
Frequentemente sucede
que uma figura que era
parte num sonho continua
sendo observada sob a
forma de uma alucinação,
durante os primeiros
instantes que se seguem
ao sono, o que prova a
força dessa capacidade
visionária que engendra
os sonhos. A produção de
uma figura alucinatória
constitui,
provavelmente,
independentemente da
utilidade ou inutilidade
dessa produção, o ponto
mais elevado que a
capacidade visionária do
homem é capaz de
alcançar, e é notável
que na maioria das
pessoas esse ponto só
seja alcançado durante o
sono.
297. Às vezes essa
persistência da
alucinação pode ser
considerada como uma
pós-imagem e outras
vezes como resultado de
uma “sugestão” inspirada
pelo sono. Nesses casos
hipnopômpicos, o
visionário parece nascer
durante o sono; nos
casos hipnagógicos
pertence a uma fase
intermediária.
298. O grau de acuidade
de todos os sentidos no
sonho forma um objeto de
observação direta e,
inclusive, nas pessoas
capazes de dominar seus
sonhos, de experiência
direta. Descrevi, por
outro lado, alguns dos
esforços que,
pessoalmente, fiz para
dar-me conta da potência
de visualização do
sonho, e devo dizer que
o resultado foi que esse
poder não era superior
ao poder de que sou
capaz no estado de
vigília mais comum.
299. Alguns
correspondentes acusam,
no entanto, um
considerável acréscimo
do poder sensorial
quando sonham. Um caso
notável é o sonho tido
pela Sra. A. W. C.
Verrall, de Cambridge, e
minuciosamente anotado;
desde o início apresenta
uma identificação de
todos os sentidos. A
Sra. Verrall nada mais
tem do que rudimentares
percepções musicais e,
quando lhe disseram no
seu sonho que aquelas
percepções iriam ficar
excitadas, não
experimentou de início
senão um prazer
medíocre. Sem dúvida, a
sensação surgiu como
algo totalmente novo.
Disse ela, como uma
“verdadeira harmonia que
até então só ouvira sob
a forma de ecos, no
ritmo de um verso ou no
suspirar do vento entre
os pinheirais”. “Meu
ouvido achou-se
purificado, menos,
talvez, devido à
realização de um desejo,
que graças à criação de
um desejo que, nem bem
nascera, alcançou a
plenitude do gozo.” 300.
Outros falam do
acréscimo de vivacidade
das concepções
dramáticas, ou do que,
entre os sujeitos
hipnóticos, foi chamado
de “objetivação dos
tipos”. Em cada um
desses sonhos, escreve
uma mulher, eu era
homem; num deles, era um
ser brutal e covarde e
noutro um dipsomaníaco.
Nunca, antes dessas
experiências, tivera a
menor noção quanto à
maneira de sentir e
pensar das pessoas dessa
espécie.
301. Outro
correspondente fala de
dois sonhos, sem relação
um com o outro, tidos
simultaneamente, um
sonho emocional e outro
geométrico, e da
sensação de confusão e
fadiga que depois
experimentou.
302. O Capítulo dos
Sonhos, da novela de R.
L. Stevenson: Across the
Plains, comporta a
descrição de
experiências sobre os
sonhos que pertencem às
mais bem relatadas que
conhecemos. Com auxílio
da autossugestão, antes
do sono, Stevenson era
capaz de produzir,
durante o sonho, imagens
cuja clareza e
intensidade eram
suficientes para
proporcionar-lhe os
temas de suas melhores
novelas. Seu relato
escrito com admirável
sagacidade psicológica
deve ser lido por todos
os que se ocupam dessa
questão. Menciono esses
conhecidíssimos
fenômenos, sob um ponto
de vista novo, para
mostrar particularmente
que as percepções
sensoriais internas ou a
capacidade imaginativa
do sonho podem deixar
para trás o que se
observa sobre isso no
estado de vigília, da
mesma forma que a força
reparadora do sono
supera a vis medicatrix
de nossas horas de
vigília.
303. Passo a fenômenos
menos frequentes que nos
mostram, ao mesmo tempo,
a intensidade de
imaginação durante o
sonho e o vestígio
duradouro que os
produtos dessa
imaginação imprimem ao
organismo desperto: uma
autossugestão
involuntária que podemos
comparar à autossugestão
voluntária de Stevenson.
304. O resultado
constante de um sonho é
frequentemente de tal
gênero que nos mostra
claramente que o sonho
não é o efeito de uma
mera confusão das
experiências despertas
da vida pregressa, mas
que possui um
inexplicável poder que
lhe é próprio e que
extrai, como no caso da
sugestão hipnótica, das
profundezas de nossa
existência, o que a vida
de vigília é incapaz de
alcançar.
305. Dois grupos de
casos dessa espécie são
suficientemente
manifestos para poderem
ser facilmente
reconhecidos,
particularmente o caso
em que o sonho deu lugar
a uma conversão, ou a
uma transformação
religiosa notável. É o
caso em que o sonho foi
o ponto de partida de
uma ideia obsessiva, ou
de um acesso real de
loucura.
306. Os sonhos que
convertem, reformam,
mudam o caráter e a fé
têm, à primeira vista, a
pretensão de ser
considerados como algo
além do que sonhos
comuns; e sua discussão
pode ser deixada para
mais tarde. Os que, por
outro lado, degeneram
rapidamente em ideias
fixas irracionais são,
íntima e manifestamente,
semelhantes às sugestões
pós-hipnóticas, a que o
eu que as inspirou é
incapaz de se opor.
Assim é o sonho relatado
por Taine, em que um
policial, impressionado
por ter assistido a uma
execução capital, sonha
que vai ser guilhotinado
e termina por sofrer de
tal modo a influência do
sonho que se suicida.
Muitos casos desse
gênero foram reunidos
por Faure. E Tissié, no
seu interessante livro
Les Rêves, publicou
algumas observações
notáveis.
307. O caso seguinte,
narrado por Kraft-Ebbing,
é ainda mais
impressionante:
“Seis de maio de 1888 –
A doente (Ilma S...)
encontra-se hoje
agitada. Queixa-se à
irmã de dores intensas
sob o seio esquerdo,
acredita que o professor
queimou-a durante a
noite e pede à monja que
obtenha sua mudança para
um convento, onde esteja
ao abrigo de semelhantes
intervenções. A negativa
da monja ocasiona nela
uma crise de histerismo.
Finalmente, no sono
hipnótico, a doente
explica sua dor, da
seguinte forma: ‘Recebi,
na noite passada, a
visita de um velho que
parecia um sacerdote e
que se fazia acompanhar
de uma freira, cuja
esclavina
(2)
trazia uma grande letra
B, em ouro. A freira
assustou-me, mas o velho
era amistoso e amável.
Molhou uma pena no bolso
da freira e escreveu sob
meu seio esquerdo as
letras W e B. Numa das
vezes, molhou mal a pena
e fez uma mancha entre
as duas letras. Nesse
lugar e onde se encontra
a letra B sinto dores,
mas no local da letra W
não. O homem explicou
que o W significava que
eu deveria ir à igreja
de M e confessar-me no
confessionário W”. Nem
bem terminara essa
estória, a doente
exclamou: “Eis novamente
o velho, leva correntes
em torno das mãos”.
308. Quando a doente
despertou para a vida
comum, sofria dores na
região indicada, onde
havia “perdas
superficiais de
substância, que
penetravam no cório
(3)
e que assemelhavam-se a
um W invertido e a um B
e entre essas duas
letras uma pequena
superfície hiperemiada”.
(4)
Essa alteração trófica,
singular, da pele,
semelhante às que se
produziram
experimentalmente sobre
a doente, não
apresentava qualquer
vestígio de inflamação.
A dor e a lembrança do
sonho foram suprimidas
pela sugestão; mas a
autossugestão de
confessar na igreja M
persiste, e a enferma,
sem saber por quê, vai
confessar-se com o
sacerdote da sua visão.”
309. Neste caso,
achamo-nos na presença
de um sonho que
desempenha o papel de
uma sugestão
pós-hipnótica potente.
No capítulo seguinte
discutiremos o sentido
vago do termo
“sugestão”. Basta ver
aqui o poder intenso de
uma sugestão subliminar
que pode deixar uma
impressão que supera, em
força, não só um sonho
fugaz comum, como também
a impressão resultante
das experiências da vida
de vigília. Mas o mesmo
caso nos sugere,
igualmente, reflexões
ligadas às relações que
existem entre a memória,
como funciona
normalmente, nos sonhos,
e a memória hipnótica,
relações que, como
veremos, indicam a
existência de uma
memória subliminar
contínua, situada mais
profundamente do que a
memória da vida comum,
isto é, essa provisão de
lembranças conscientes
da qual podemos chegar à
vontade.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Hipnagógicas: diz-se das
alucinações e visões que
ocorrem ao cair no
sono.
(2)
Esclavina: cabeção que
os peregrinos usavam
sobre a túnica.
(3)
Cório: derme, isto é, o
tecido conjuntivo sobre
o qual se apoia a
epiderme.
(4)
Hiperemiada: irritada,
avermelhada.
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