Pensando no que
é obvio, o que
podemos dizer é
que, de repente
nascemos,
vivemos e, por
fim [e já que
não tem outro
jeito],
morremos.
No meio do
caminho,
aprendemos
muitas coisas,
trabalhamos
bastante e,
quando o roteiro
é mais
tranquilo,
conseguimos
viver lindas
histórias de
amor, começando
com a mãe da
gente, depois
com o pai, com
alguma paquera
da escola,
desaguando no
par que elegemos
para passar
muito tempo ao
nosso lado. Se
tivermos, então,
a alegria de ver
nascer um
serzinho de
dentro de nós,
aí a aventura
fica mais
animada: a gente
ri e chora, se
preocupa e se
alegra,
endoidece e se
delicia. Isso
porque ter
filhos é a
melhor maneira
de se descobrir
como se pode
viver
sentimentos
conflitantes e,
no final, ainda
se dizer feliz
por isso. Um
paradoxo.
Continuando
nesta empolgante
aventura, eis
que, num
determinado
momento, nos
damos conta de
que tudo parece
decair: nossa
pele, nossa
barriga, nossa
memória..., até
mesmo nossa
opinião parece
ser incluída no
hall das
decadências. Os
mais jovens –
aqueles que
sempre se acham
os maiorais do
mundo – não
costumam dar
atenção aos mais
velhos e,
portanto, mais
sábios do que
eles – triste
realidade da
sociedade
ocidental,
diga-se de
passagem.
Acontece que, se
por um lado
podemos fazer
uma lista das
tantas
decadências,
temos, em
contrapartida,
muitas
conquistas
inalienáveis –
as
aprendizagens,
as ações
positivas,
aquilo que
amealhamos
durante esta
magnífica
jornada chamada
vida. Não é à
toa que ouço
tantos idosos
dizendo que não
trocariam de
lugar com jovens
de 20 anos, pelo
simples fato de
que no hoje se
sentem leves,
tranquilos,
completos.
Perde-se no
corpo, porém,
ganha-se na
alma.
E é nesta linha
de raciocínio
que pretendo
seguir. Quero
explicar, a
partir de agora,
sobre aquilo que
chamarei de estados
possíveis do Ser e
farei isso
usando da mesma
lógica, dentro
de uma
temporalidade,
ou melhor,
dentro de um
determinado
processo de
desenvolvimento,
no qual podemos
dar passos
largos entre um
e outro estado,
ou, ao
contrário,
demorarmo-nos
demasiadamente
em um dos dois
primeiros
estados [ou nos
dois],
prejudicando,
assim, a nossa
evolução.
Sim, porque tem
gente que teima
tanto com a
vida, se
revoltando
contra a dor,
sem nada
aprender com
ela, que só faz
aumentar o
problema.
Sobre isto,
costumo dizer
que a dor é como
mulher na TPM:
Se ela aparece e
não nos
esforçamos em
ouvi-la e
compreendê-la,
os resultados
podem ser
catastróficos. A
coisa vai
tomando uma
proporção que
fica bem mais
difícil de
suportar. Melhor
ter paciência,
logo no inicio,
e ir já de cara
analisando o que
é que ela está
querendo dizer,
mesmo sem dizer
nada de forma
objetiva.
Compreenderam?
Algo me diz que
sim. Vamos,
então, ao tema
em questão.
São três os
estados
possíveis do
Ser. O primeiro
deles é o da
ignorância.
O segundo, o da
crítica.
Por fim, o
terceiro e
último, chamarei
de estado da
ação.
Todos os três
compreendem
infinitas
possibilidades e
por vezes se
misturam, de
acordo com a
experiência do
sujeito e da
forma como ele
percebe e reage
a tais
experiências.
O primeiro dos
estados, o da
ignorância,
tanto pode ser
pensado sob a
ótica da nossa
criação, como
sob o enfoque da
vida atual,
nesta
encarnação. Para
melhor me
explicar,
retomemos alguns
conceitos.
De acordo com a
Doutrina dos
Espíritos,
aprendemos que
fomos todos
criados simples
e ignorantes, ou
seja, no início
não tínhamos nem
consciência, nem
linguagem, nem
nada. Tínhamos,
contudo, o chip
da
perfectibilidade,
portanto, o
arsenal básico
para darmos o
primeiro passo
na direção desta
indescritível
maratona que
chamamos
evolução.
Nesta fase,
vivenciamos o
estado de total
ignorância.
Somos como a
lagarta que nem
sonha com asas,
ainda. Tocamos
os dias, ou
melhor, somos
tocados pelos
dias, tendo de
batalhar pelo
básico,
precisando
descobrir, a
cada erro e a
cada acerto, o
que precisará
ser feito para
se sobreviver. E
só.
A partir desta
linha de
largada,
seguimos
adiante, em
diversas
encarnações,
juntando
caquinhos que,
com o tempo,
passaram a
formar um bonito
mosaico de
conhecimentos.
Vamos, passo a
passo, entrando
num segundo
estado, bastante
diferente do
primeiro, não
por ser melhor
que o anterior,
mas por promover
imenso
desconforto, uma
vez que traz, em
seu bojo, a
marca da
responsabilidade
associada ao
saber. Eis o
estado da
crítica.
Chamo de
crítica, não
aquilo que
falamos de mal
no outro, nas
situações ou
coisas, mas um
estado no qual
passamos a ter
um olhar
diferenciado,
com um saber que
nos dá a base
para nos
destacarmos do
senso comum.
Crítica no
sentido de
discernimento
entre o certo e
o errado, entre
o bom e o mau,
entre o coerente
e o incoerente,
e por aí vai.
Quando passamos
a marca na qual
está definida a
passagem de um
estado de
ignorância para
um estado de
crítica, muita
coisa passa a
fazer sentido.
Inclusive nosso
próprio
sofrimento que
se agiganta a
cada novo saber.
O mosaico
aumentou até o
ponto no qual já
podemos ver
algumas coisas
interessantes e
aterrorizantes.
O desenho nos
mostra,
primeiramente,
que sabemos
muito pouco das
coisas, que
temos muito a
aprender ainda.
E isso, no
início do estado
da crítica, pode
ser terrível,
pois impacta
sobre nossas
disposições
orgulhosas
acerca de nós
mesmos. Freud
chamou isso de
ferida narcísica
– uma dor
terrível que
surge, quando o
homem descobre,
finalmente, que
[incrível!] ele
não é a última
bolacha do
pacote.
A incompleta
imagem nos
informa, também,
que muita coisa
está errada no
mundo e, pior,
que muita coisa
está errada
dentro de nós
mesmos. Mais uma
ferida para ser
tratada.
Se ousarmos
analisar mais de
perto esta
construção
artística [sim,
porque viver é,
essencialmente,
uma arte],
podemos
descobrir que
este mosaico
depende, ainda,
de peças
trazidas de
outros mosaicos,
alheios à nossa
vontade, e que
poderão formar
um desenho
algumas vezes
ilógico.
Surpresos com as
constatações
anteriores,
descobrimos que
precisamos,
apesar de tudo,
ouvir a voz da
fé, a nos dizer
que é preciso
confiar, mesmo
que ainda não
saibamos direito
qual a nova peça
que irá se
encaixar neste
contexto,
porque, seja lá
qual for, é, com
certeza, a
melhor peça para
melhorar o nosso
desenho.
Portanto, não
temo em afirmar
que o estado da
crítica é o mais
difícil e
temível estado
do ser. Isso
porque, se por
um lado traz o
otimismo de
passos dados, de
outro informa
que já não dá
mais para fazer
de conta que não
sabia sobre o
assunto e que,
por este motivo,
errou. Trocando
em miúdos: é
este estado o de
maior
sofrimento,
porque já
sabemos, não
mais ignoramos,
porém, ainda não
fazemos. E nem
sempre temos
disposição para
realizar aquilo
que já sabemos.
Eis a
complicação.
Urge
conseguirmos
adentrar a
próxima e mais
interessante das
fases: a do
estado da ação.
Para
conseguirmos
isso, algumas
receitas já nos
foram passadas
por alguns
missionários que
visitaram a
Terra. Uma das
que mais gosto
diz que
precisamos Orar
e Vigiar.
Aliás, não é à
toa que o autor
da receita se
chamava Jesus.
Ele foi, sem
dúvida, o maior
especialista em
alma humana que
já passou pela
Terra...
Orar e Vigiar.
A primeira parte
é para
conseguirmos
manter contato
com as esferas
mais elevadas
que nos ajudarão
no sentido de
darmos conta do
recado. A
segunda, diz
respeito a uma
espionagem
íntima – ficar
de olho no que
andamos pensando
e fazendo por
aí.
Importante dizer
que não existe
melhor fiscal
íntimo do que a
gente mesmo:
estamos sempre
no local de
trabalho, nossa
chefa é uma moça
atenta e justa,
chamada
consciência, e o
salário é uma
boa cota de paz.
Porém, só
recebemos o tal
salário se
conseguimos
realizar esta
receita a
contento, claro.
Uma vez estando
neste último e
mais perfeito
estado, passamos
a ser a meta de
outros tantos
que se espremem
psiquicamente
dentro da fase
anterior.
É nesta etapa
que esvaziamos a
angústia
acumulada na
fase da crítica.
Aqui, já sabemos
e já fazemos.
Portanto,
estamos em
congruência
entre o que
sentimos, o que
acreditamos e o
que realizamos.
Uma maravilha!
Sob o ponto de
vista da
evolução total
do Espírito,
tomando como
base a escala
produzida por
Allan Kardec, em
O Livro dos
Espíritos, na
Parte Segunda,
item VI, esta
fase seria
aquela à qual
pertencem os
Espíritos
Perfeitos.
Kardec
classificou em
três categorias,
a totalidade dos
Espíritos,
afirmando, em
contrapartida,
que, “esta
classificação
nada tem de
absoluta:
nenhuma
categoria
apresenta
caráter bem
definido, a não
ser no conjunto:
de um grau a
outro, a
transição é
insensível,
pois, nos
limites, as
diferenças se
apagam, como nos
reinos da
Natureza, nas
cores do
arco-íris ou
ainda nos
diferentes
períodos da vida
humana”.
Definiu que as
três categorias
representariam,
a grosso modo,
“três ordens” de
Espíritos. A
primeira diz
respeito aos
Espíritos
Imperfeitos, com
“predominância
da matéria sobre
o espírito,
propensão ao
mal, ignorância,
orgulho,
egoísmo, e todas
as más paixões
que lhes seguem.
Têm a intuição
de Deus, mas não
o compreendem”
(item 101 do LE).
Os da segunda
ordem seriam os
Espíritos Bons,
“com
predomínio do
Espírito sobre a
matéria; desejo
do bem. Suas
qualidades e seu
poder de fazer o
bem estão na
razão do grau
que atingiram:
uns possuem a
ciência, outros
a sabedoria e a
bondade; os mais
adiantados
juntam ao seu
saber as
qualidades
morais. Não
estando ainda
completamente
desmaterializados,
conservam mais
ou menos,
segundo sua
ordem, os traços
da existência
corpórea, seja
na linguagem,
seja nos
hábitos, nos
quais se
encontram até
mesmo algumas de
suas manias. Se
não fosse assim,
seriam Espíritos
perfeitos”
(item 107 do LE).
Chamou de
Espíritos Puros
os da terceira e
última ordem,
sendo que eles
já não sentem “nenhuma
influência da
matéria, com
superioridade
intelectual e
moral absoluta,
em relação aos
Espíritos das
outras ordens”
(item 112 do LE).
Perceba que
existe diferença
entre esta
categorização
básica de Kardec
e a que tracei
neste
despretensioso
artigo. Na do
codificador,
existe uma
preocupação em
determinar a
evolução sob o
ponto de vista
geral, incluindo
os saberes
todos, sejam os
de ordem moral
ou de ordem
intelectual. Já
a minha
tentativa é a de
salientar apenas
o estado do Ser,
ou seja, de que
forma ele se
encontra naquele
momento, estando
em determinada
ordem evolutiva.
Estado seria,
portanto, como
ele apreende,
sente e
ressignifica as
experiências
evolutivas.
Ken Wilber, o
famoso pensador
e criador da
Psicologia
Integral, em seu
livro Éden,
Queda ou
Ascensão,
esforça-se por
esboçar a curva
da história
humana, para
embasar sua
teoria de que
viemos das
feras, mas
tendemos aos
deuses. Wilber
afirma que o
futuro do gênero
humano é a
consciência de
Deus. Porém,
devido ao fato
de estarmos
acima dos
animais e ainda
a caminho do
divino, por
enquanto somos
‘figuras
trágicas’, pois
estamos
equilibrados
entre dois
extremos,
sujeitos aos
mais variados
conflitos,
justamente
porque não somos
mais aqueles
completos
ignorantes e,
por outro lado,
ainda não somos
sábios.
Sob o ponto de
vista de uma
única
encarnação,
percebemos que
estes estados
também podem ser
percebidos.
Quando crianças,
ignoramos tudo.
No início, nem
sabemos o que
somos, que
tamanho temos,
onde começamos
ou terminamos.
Com o tempo,
vamos nos
desenvolvendo e
aprendendo
muitas coisas,
sendo que estas
coisas vão
aumentando em
complexidade
conforme nossa
capacidade
intelectiva. E a
cada nova
aprendizagem, um
ponto a mais na
carga de
responsabilidade.
Quando
aprendemos que
cigarro mata,
fumar torna-se
um despropósito.
Ainda assim, nem
sempre
conseguimos
abrir mão do
vício. E é aí
que mora o
problema,
nascido da perda
do estado da
ignorância.
Agora sabemos,
mas ainda não
fazemos.
Passo
fundamental, o
do conhecimento.
Porém, nos pede
um outro,
complicado
ainda, porque
nem sempre temos
pernas para
tanto. É preciso
esforço... e
muito!
Com boa dose de
boa vontade,
vamos conseguir
abrir mão do que
nos faz mal –
tanto a nós como
aos nossos
irmãos. Vamos
dar conta de
fazer aquilo que
já sabemos.
Então, volto a
destacar a
receita que me
parece ser a
melhor de todas:
Orar e Vigiar.
Duas palavrinhas
tão pequenas e
que dizem
tanto...
E, junto a isso,
mais um
importante
ingrediente:
aprender a se
perdoar.
Entender que
estamos na
trilha, mas
ainda não
conseguimos dar
conta de todas
as pedras do
caminho.
Existirão
algumas que irão
nos pegar de
surpresa e aí
vamos precisar
ter paciência
com a vida e
conosco mesmo.
Após a pedra, a
sabedoria.
Quando
conseguirmos
transpô-la,
saberemos
exatamente como
tornar a fazer
isso.
Se Wilber disse
que somos
criaturas
trágicas, porque
sofredoras, não
é menos
verdadeiro que
também somos
criaturas amadas
por Deus, com
relativo
progresso
anterior.
O simples fato
de podermos
pensar nestas
coisas já é
sinal deste
progresso.
Sigamos em
frente!
Referências
Bibliográficas:
KARDEC, Allan ;
O Livro dos
Espíritos. FEB,
Rio de Janeiro,
1994.
WILBER, K; Éden,
Queda ou
Ascensão?: uma
visão
transpessoal da
evolução humana,
Campinas, SP,
Verus, 2010.