A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 15)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. É possível descobrir
no sonho a manifestação
de uma capacidade
supranormal que permita
reconhecer que há no
homem um espírito
cósmico que participa,
ao mesmo tempo, do mundo
espiritual e do mundo
terrestre?
Esse é o pensamento de
Myers, que diz que essa
tese constitui, talvez,
considerando apenas seu
lado histórico, a base
de todos os dogmas que
desfrutaram em todos os
tempos a adesão
universal da humanidade.
(A Personalidade Humana.
Capítulo IV – O sono.)
B. Os fatos do mundo
metaetéreo são mais
complexos do que os
mundo material?
Segundo Myers, é
provável que sim e, além
disso, as vias através
das quais os espíritos
se comunicam e percebem,
à margem do organismo
carnal, são extremamente
mais sutis e variadas do
que as vias através das
quais se operam as
comunicações e
percepções comuns.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
C. Pode um indivíduo que
dorme ver algo que se
passa a distância do
local onde se encontra
seu corpo material?
Os fatos dizem que sim.
Myers cita neste livro
vários casos. Eis um
deles: Canon Warburton,
tendo ido ver seu irmão,
encontrou sobre a mesa
deste um recado de
escusas, por não estar
em casa para recebê-lo,
uma vez que fora a um
baile. Aguardando o
regresso do irmão, Canon
sentou-se numa poltrona
e adormeceu, despertando
bruscamente ao receber a
visão do irmão
despencando de uma
escada. Alguns instantes
depois entra o irmão e
narra ter corrido perigo
iminente, pois estivera
a ponto de quebrar o
pescoço ao cair de uma
escada.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
Texto para leitura
336. Até aqui, o papel
que atribuímos ao sonho,
do ponto de vista da
aquisição de
conhecimentos, nada
demonstra de anormal,
nada que não possam
realizar nossos sentidos
durante a vigília. Agora
resta-nos verificar se
não seria possível
descobrir no sonho a
manifestação de uma
capacidade supranormal,
uma experiência que
autorize a reconhecer
que o homem constitui,
ao mesmo tempo que um
organismo terrestre, um
espírito cósmico que é
parte de um mundo
espiritual ao mesmo
tempo que do mundo
terrestre. Se esta
suposição resultasse
verídica, pareceria
natural que essa
participação num meio
espiritual se
manifestasse no sonho de
uma forma mais
perceptível do que na
vigília.
337. O dogma que meu
ponto de vista torna
assim possível
constitui, talvez,
considerando apenas seu
lado histórico, a base
de todos os dogmas que
desfrutaram em todos os
tempos a adesão
universal da humanidade.
“Quod semper, quod
ubique, quod ab omnibus”:
qual é a proposição
teológica, inclusive a
mais estreita, que não
tenha tido a pretensão
de ter sido reconhecida
e admitida em todas as
partes, sempre e por
todas as pessoas? Mas,
qual é o dogma cuja
antiguidade, ubiquidade
e unanimidade, do ponto
de vista da crendice
humana, iguala à crença
nas aparições dos
espíritos durante o
sonho?
338. Na idade da pedra,
o cético que se
atrevesse a contradizer
isto devia possuir uma
grande dose de coragem.
E mesmo reconhecendo que
esta “psicologia
paleolítica” passou de
moda há alguns séculos,
não penso, referindo-me
às provas a favor da
telestesia reunidas até
hoje, que seja possível
considerar como uma
raridade o constante
retorno da ideia
relacionada às visitas
feitas durante o sono a
um lugar distante,
adquirindo, em
consequência, a
consciência de novos
fatos que teria sido
impossível conhecer de
outro modo.
339. Partindo, pois, não
da autoridade primitiva,
senão do exame dos fatos
e das modernas provas,
encontraremos, a meu
ver, a existência, entre
o sonho e a verdade, de
coincidências que nem
mesmo o acaso, nem a
hipótese de uma
lembrança subconsciente
comum são capazes de
explicar. Encontraremos
a existência de casos de
percepção de objetos
materiais ocultos; ou de
cenas distantes e também
de pensamentos e
sentimentos pertencentes
a outros espíritos e em
comunhão com esses
pensamentos e
percepções.
340. Todos esses
fenômenos foram
observados praticamente
em épocas e lugares
diversos e, com
particular interesse,
pelos primeiros
mesmeristas franceses.
Os fenômenos do primeiro
desses grupos receberam
o nome de fenômenos de
clarividência ou de
lucidez; os do segundo
grupo constituem os
fenômenos de comunicação
ou transmissão de
pensamento.
341. Esses termos não
são suficientemente
explícitos para que
sejam o bastante para um
estudo mais sistemático.
As percepções à
distância não são
percepções óticas e não
estão limitadas ao
sentido aparente da
visão. Estendem-se a
todos os sentidos e
compreendem, igualmente,
as impressões que não
podemos atribuir a um
sentido especial
qualquer. Da mesma
forma, a comunicação
entre as pessoas
distantes consiste na
transmissão não só de
pensamentos, mas também
de emoções, de impulsos
motores e de certas
impressões difíceis de
definir.
342. Em 1882 propus os
termos mais amplos:
telestesia, ou sensação
à distância, e
telepatia, ou simpatia à
distância e empregarei
esses termos durante o
curso desta obra, sem
que seu uso implique, de
nossa parte, a pretensão
de que correspondam a
grupos definidos de
fenômenos e devidamente
separados, nem que
compreendam todas as
manifestações
paranormais. Pelo
contrário, parece
provável que os fatos do
mundo metaetéreo são
muito mais complexos do
que os do mundo material
e que as vias através
das quais os espíritos
se comunicam e percebem,
à margem do organismo
carnal, são extremamente
mais sutis e variadas do
que as vias através das
quais se operam as
comunicações e
percepções comuns.
343. Semelhante a
quaisquer organismos em
relação, temos um
sistema de forças que
age sobre outros
sistemas de forças e
cuja influência se
exerce por meios
conhecidos e
desconhecidos; da mesma
forma, devemos
considerar os espíritos
humanos como sistemas de
forças muito mais
complexos, que agem uns
sobre os outros
ultrapassando a nossa
capacidade comum de
compreensão. Isso
torna-se particularmente
evidente nas premonições
de que damos alguns
exemplos neste capítulo
e que parecem ainda mais
distantes de nossos
comportamentos de
percepção comum que a
telepatia e a
telestesia.
344. Do que acabamos de
dizer resulta que é
impossível classificar
os fenômenos paranormais
numa ordem lógica. Não
derivam uns dos outros,
antes constituem
manifestações emergentes
e fragmentadas de uma
lei mais profunda e
geral. A distinção feita
acima, entre a telepatia
e a telestesia, entre o
conhecimento paranormal,
que parece ser adquirido
por intermédio de outro
espírito, e o
conhecimento
supranormal, que parece
ser adquirido
diretamente, sem a
intervenção de outro
espírito, não pode ser
considerada, em si
mesma, fundamental. Não
podemos dizer, na
realidade, em que casos
e em que medida os
espíritos exteriores
contribuíram para a
percepção de uma cena
distante. Nem sabemos,
tampouco, se a atividade
de um único espírito é
suficiente para uma
percepção paranormal.
345. Fiz, anteriormente,
alusão a uma linha
divisória, sugerida
pelas sensações pessoais
do que sonha, para
distinguir entre a
excursão psíquica ativa
e o recebimento passivo
de uma invasão psíquica
externa. Mas, também
aqui, já o dissemos, é
difícil estabelecer uma
divisão clara; pois quer
se trate de percepções
durante o sonho, de
cenas materiais
distantes, de pessoas
vivas distantes ou de
espíritos desencarnados,
o que sonha está
frequentemente
impossibilitado de dizer
a partir de que ponto de
vista se observa e onde
se acha a cena que vê.
346. Onde se encontra
quando participa de uma
cena situada no futuro e
em que medida a
participação aparente
nesta cena futura difere
da participação numa
cena atual, ainda que
distante? Nossas
respostas a essas
perguntas, por mais
imperfeitas que possam
ser, devem ser
postergadas até que
tenhamos diante de nós
não só os sonhos, senão
toda essa série de
manifestações
automáticas sensoriais
que parecem desafiar
nossas noções correntes
de tempo e de espaço.
347. Limitar-me-ei, no
momento, a esboçar
brevemente alguns dos
principais tipos de
sonhos supranormais, na
ordem ascendente.
Citarei, inicialmente,
alguns casos em que a
pessoa que dorme
discerne, através de
visões clarividentes,
uma cena que interessa
diretamente a um
espírito diverso do seu,
por exemplo, a morte
iminente de um amigo.
348. Existe, às vezes,
uma espécie de visão
fugidia que parece
representar exatamente a
cena crítica; outras
vezes a visão é menos
rápida e vem acompanhada
de uma sensação de
comunhão com a pessoa
interessada. E, ainda,
em outros casos, menos
numerosos mas mais
interessantes, as
circunstâncias da morte
aparecem como se
tivessem sido mostradas
simbolicamente ao
adormecido, pelo próprio
morto ou por um espírito
relacionado a este.
349. Um dos melhores
exemplos de visão
fugidia é o de Canon
Warburton, que, tendo
ido ver seu irmão,
encontrou sobre a mesa
deste um recado de
escusas, por não estar
em casa para recebê-lo,
uma vez que fora a um
baile. Aguardando o
regresso do irmão, Canon
sentou-se numa poltrona
e adormeceu, despertando
bruscamente ao receber a
visão do irmão
despencando de uma
escada. Alguns instantes
depois entra o irmão e
narra ter corrido perigo
iminente, pois estivera
a ponto de quebrar o
pescoço ao cair de uma
escada (Phantasms of the
Living, I, pág. 338).
350. A impressão
produzida neste caso
assemelha-se a uma
sacudidela transmitida
ao delicado vínculo que
unia os dois irmãos. O
que se encontrava em
perigo deve ter pensado
insistentemente no
outro, lamentando não
ter ficado em casa para
esperá-lo, e pode-se
explicar esse incidente,
como já o fizemos, desde
sua primeira publicação,
admitindo a projeção da
cena no espírito de seu
irmão por aquele que
estava em perigo.
351. O irmão,
passivamente adormecido,
sentiu-se, por sua vez,
como subitamente
transportado, em meio a
essa cena, talvez como
resposta ao súbito apelo
do irmão em perigo, e
quero ressaltar este
último aspecto do
incidente, pelas
analogias que mostra com
outros casos que iremos
citar. Torna-se evidente
ser difícil
pronunciar-se com
segurança a favor de
qualquer dessas
explicações.
352. Citarei, a seguir,
um caso analisado por
Gurney, um pouco antes
de sua morte e estampado
no Proceedings of the S.
P. R., III, págs.
265-266: “Vicary Boyle,
enquanto permanecia em
Simla (Índia), viu,
certa noite, em sonhos,
seu sogro, que morava em
Brighton (Inglaterra),
pálido e estendido sobre
a cama, enquanto que sua
sogra atravessava,
silenciosamente, a
habitação e
prodigalizava-se em
cuidados ao marido. A
visão dissipou-se; a
seguir, Boyle continuou
dormindo, mas ao
despertar tinha plena
convicção de que seu
sogro, de cuja
enfermidade não tinha
notícia e em quem nem
pensara sequer há vários
dias, estava morto. Isso
foi confirmado por um
telegrama que chegou
dias depois, o que
confirmava a visão que
Boyle teve de seu sogro
morto, nove horas após o
acontecimento.”
353. A visão (que
apareceu, neste caso,
duas vezes) era simples
e pode ser interpretada
como uma impressão
transmitida pela mulher
do finado e captada pelo
genro nove horas após a
morte. Enquanto o
pensamento consciente da
viúva se comunicava com
outras pessoas, naquele
momento, é provável que
pensasse em sua filha,
mais do que no genro.
Mas Boyle possuía uma
sensibilidade psíquica
muito delicada que
conseguiu captar (por
desvio) a mensagem
dirigida à esposa; mas,
inclusive neste caso, a
presença da Sra. Boyle
era um fator necessário
para a percepção
experimentada por seu
marido.
354. Um único sonho, que
um homem teve na vida,
apresenta um valor tão
inestimável quanto uma
única alucinação da
vigília. Exemplo disto é
o sonho de Hamilton, que
sonha que seu irmão,
estabelecido na
Austrália há 12 anos,
voltara à Inglaterra,
pouco mudado, mas que
trazia uma das mãos
ferida, com o punho
quebrado e tumefato. Na
manhã seguinte recebeu,
imediatamente, uma carta
de seu irmão, originária
de Nápoles, em que lhe
comunicava estar a
caminho da Inglaterra;
dizia, naquela carta,
que salvo um acesso de
gota à altura do punho
esquerdo, estava
perfeitamente bem.
Porém, viu-se obrigado a
desembarcar não em
Londres, onde o
esperavam, senão em
Plymouth, pois os
médicos
diagnosticaram-lhe uma
infecção sanguínea que
ocasionou a formação de
um abscesso furunculoso
na articulação do punho.
Pelas informações
proporcionadas por seu
irmão, resulta que o
sonho de Hamilton
coincidira com o momento
em que o primeiro
escrevia sua carta. Caso
se confirmasse esse
fato, tratar-se-ia de
uma projeção de si
próprio, feita pelo
irmão doente (Journal S.
P. R., III, pág. 267).
355. Ocupar-me-ei agora
de um grupo de sonhos
mais interessantes e
complexos, que não vou
sequer tratar de
explicar. São os sonhos
precognitivos, isto é,
as imagens e as visões
pelas quais se predizem
e representam,
antecipadamente, os
fenômenos futuros, de
forma mais ou menos
simbólica e tão
distanciada das
previsões ditadas por
nossa sagacidade
terrestre, que nos
sentiremos tentados,
numa posterior
discussão, a falar em
termos vagos de uma
espécie de galeria de
quadros cósmicos que
bruscamente se abre
diante de nossos olhos,
ou de representações
teatrais compostas e
oferecidas a nós por
inteligências superiores
a todas que conhecemos.
356. Sobre isto é
deveras característico o
caso da duquesa de
Hamilton, quer por sua
precisão como por sua
ausência de
inteligibilidade isolada
e carência de objetivo.
Essa mulher teve um
sonho no qual viu o
conde de L. moribundo,
naquele instante,
sentado numa poltrona e
como quem tivesse
sofrido um ataque; ao
seu lado estava um homem
de barba ruiva e um
lavatório, sobre o qual
havia uma lâmpada
vermelha. O conde morre
quinze dias depois e uma
pessoa que assistiu aos
seus últimos instantes
confirmou a exatidão da
visão da duquesa
(Proceedings of the S.
P. R., XI, pág. 505).
357. A seguir, temos
casos como os do Dr.
Bruce (Phantasms of the
Living, I, pág. 384) e
da Sra. Storie (Idem, I,
pág. 370), nos quais o
sujeito vê em sonhos, e
em todos os detalhes, a
cena e todas as
circunstâncias do
falecimento de um
parente (assassinato de
um cunhado, no primeiro
caso; irmão gêmeo
esmagado por um trem, no
segundo). No primeiro
caso, a cena do
assassinato foi vista
não só por Bruce, mas
também por uma irmã da
vítima que igualmente se
encontrava distante do
local; e a Sra. Storie
viu não só como seu
irmão era esmagado pelo
trem, como pôde
distinguir num dos
vagões a presença de
duas pessoas conhecidas,
que de fato lá estavam.
358. No caso da Sra.
Storie, a cena
apresentou-se como um
sonho, mas como um sonho
invulgar, pois o sujeito
sabia estar deitado na
sua cama. Noutros casos,
a “invasão psíquica”
pelo espírito de uma
pessoa viva ou morta
engendra uma enorme
variedade de estados de
semivigília, tanto no
sujeito como no agente.
Num estranho relato (o
de M. Pike, Phantasms of
the Living, II, pág.
105), um homem que sonha
entrar em casa é ouvido
em sua casa pedindo água
quente e experimenta uma
estranha sensação de
“bilocação” entre o
compartimento do trem e
seu dormitório.
359. O caso da Sra.
Manning (Journal S. P.
R., VII, pág. 100) é
quase idêntico ao
anterior, com a única
diferença de que a Sra.
Manning ao invés de ver
em sonho o futuro
imediato, revive lances
da infância, com
singular espontaneidade.
Nestes casos, o sonho
transportara o sonhador
a outro momento do tempo
e do espaço, mas com uma
tal vivacidade que
outras pessoas o
perceberam nessa
situação imaginária.
360. Newham (Phantasms
of the Living, I, pág.
225) não só se vê
transportado até a sua
noiva, sendo que, na
verdade, toca-a ao mesmo
tempo em que ela se
sente tocada por ele, no
momento exato em que ia
deitar-se. Este caso é
uma prova evidente de
“invasão psíquica”,
conceito que
examinaremos melhor no
capítulo seguinte.
(Continua no próximo
número.)