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Crônicas e Artigos

Ano 6 - N° 293 - 6 de Janeiro de 2013

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP (Brasil)
 


Transposição


Supostamente aos noventa e três anos, Sófocles retomou o tema de Édipo, a trágica trama da história ferida que, guiando-se de forma inconsciente, fere gerações subsequentes.

Quando tudo se torna uma catástrofe, Édipo é lançado no exílio, vaga sozinho, penitente, durante muitos e muitos anos. Através do seu sofrimento, ele atinge um relacionamento humilde com os deuses e, quando vem a falecer em Colono, ele recebe uma apoteose e é abençoado por eles. E assim o cego, mas redimido Édipo, aquele que alcançou um nível sublime de sabedoria, está apto a confessar: "O sofrimento e o tempo, o vasto tempo, foram instrutores em contentamento" (Sófocles, in: Édipo em Colono).

Ninguém que não sofreu, ou não foi testado em lugares sombrios, poderia escrever essas linhas. Ou talvez somente alguém bastante integrado ao Eu Superior (Self), porque, amiúde, precisamos aguardar décadas e arriscar nossos medos e temores secretos para agregar nossas virtudes mais preciosas. Precisamos ser provados, esmagados e ainda sobreviver para contatar o mistério resguardado em nosso íntimo e que, devagar, desestrutura o "falso eu", a personalidade provisória.

No testemunho final de Édipo não há traços de um otimismo superficial, mas apenas a sabedoria de alguém que forjou sua passagem também no contexto do Hades – os lugares sombrios aos quais, de tempos em tempos, todos nós, no transcurso da existência, estamos sujeitos.

Penso em Édipo como abismo e ponte. Pois apenas a pessoa que tenha feito projeções sobre o mundo exterior – relacionamentos, papéis sociais, trabalho – e sofrido sua incompletude, experimentado sua própria escuridão e isolamento, que cometeu erros e se percebeu impotente diante das raras certezas, pode ousar olhar para dentro de si mesma em busca da origem das próprias escolhas a fim de classificá-las. E, com coragem, perceber, contidos nessas escolhas, os fatores causais inconscientes para, desse modo, iniciar a tarefa do ampliar (para iluminar) da consciência. Decidir-se, então, por uma nova vida – e talvez, agora, "uma vida escolhida" – uma vida "em contentamento".

João estava indo visitar o pai, que estava morrendo em São Paulo. Ele entrou no avião temendo o encontro, pois seu pai o abandonara ainda pequeno e sempre o ferira de forma profunda, negando-lhe, durante o seu crescimento, afeto e apoio.

"Apenas me despedir e partir", ele disse para si mesmo, na entrada do hospital. Ele procurou ser disponível com relação ao pai e, ao mesmo tempo, conter-se para não ser atacado e não ferir por atitude reativa.

Frente a frente com o pai, João pôde fazer mais do que conter sua desconfiança e raiva, deixando-o, pela última vez, com uma estranha sensação de ter conseguido perdoar a história ferida que enlaçava a ambos. Meses depois, ele foi invadido por sonhos daquele encontro final. E ele se sentiu bem por não ter ficado na defensiva e por ter aprendido a lidar com seu distanciamento emocional, por ter compreendido o que parecia injusto e doloroso, ainda que não tenha conseguido chorar com o pai e lhe dizer que o amava.

Assim sendo, nós nunca achamos que fazemos a coisa certa e simplesmente porque esquecemos que apenas de vez em quando existe clareza, significado e vitória.

Ainda assim, estamos sempre no caminho da transformação e temos, dia após dia, a oportunidade de nos lançarmos de novo ao trabalho interior e para nos melhorarmos, por simples amor à nossa jornada.

E sem desconsiderar, contudo, que a sabedoria, quase sempre, advém dos locais áridos da alma... Nestes locais podemos, humildes e despojados, contemplar nossos pensamentos e sentimentos, pois "neles se ergue um poderoso governante, um sábio desconhecido - cujo nome é Eu" (Nietzsche).



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita