MILTON SIMON
PIRES
cardiopires@gmail.com
Porto Alegre, RS
(Brasil) |
|
Vingança e
perdão na Ilíada
- A contribuição
de Homero para a
Doutrina
Espírita
Há alguns dias
atrás realizei
um sonho:
concluir a
leitura completa
da Ilíada.
Curioso a
respeito de uma
história de
aproximadamente
três mil anos,
eu imaginava o
porquê de sua
importância para
a literatura e
para a própria
cultura
ocidentais sem
conseguir
perceber sua
ligação com a
nossa tradição
filosófica e
religiosa.
Terminado o
livro, decidi
pesquisar um
pouco a vida de
Homero e saber
quanto de
verdade
histórica pode
haver no legado
que nos deixou.
É sobre isso que
quero escrever
aqui. Até onde
consegui
entender,
ninguém pode
afirmar com
certeza se
existiu alguém
chamado Homero.
Se de fato
existiu,
presume-se que
tenha escrito a
Ilíada
aproximadamente
500 anos depois
dos fatos
apresentados no
poema que leva
esse nome. A
chamada Guerra
de Troia, ou
Guerras
Troianas, como
dizem alguns
autores, teriam
ocorrido por
volta século
XIII A.C., no
final da chamada
Idade do Bronze.
Assim, entre
1280 e 1250
antes da nossa
era, o mundo
teria assistido
à maior reunião
de forças
militares até
então jamais
ocorrida, e
realizada com o
objetivo de
atacar o Reino
de Troia. Mais
do que o feito
militar em si, a
importância
reside na
formação da
própria
identidade da
Grécia como
nação e é
fundamental
compreender que
os relatos
apresentados na
Ilíada e na
Odisseia são
aquilo que
existe de mais
próximo de uma
"Bíblia da
Grécia Antiga".
Tal afirmativa
pode ser feita à
medida que
compreendemos
que não existia
até então um
país ou reino
conhecido como
Hélade. Micenas,
Esparta, Ítaca e
tantos outros
correspondiam a
cidades-estado
que,
compartilhando
de uma mesma
língua, teriam
se unido aos
chamados Átridas
(Menelau e
Agamenon) em
virtude de um
juramento em
defesa da honra
destes
governantes.
Atribui-se ao
rapto de Helena
a causa da
Guerra de Troia.
Ocorre que, além
de não sabermos
se houve ou não
tal batalha (já
que não existe
prova histórica
definitiva),
jamais se
encontrou
qualquer indício
da existência ou
não de uma
mulher com esse
nome.
Mas, se não
sabemos se
existiu ou não
(com certeza
absoluta) uma
cidade com nome
de Troia, se não
é possível
comprovar a
existência
histórica de
personagens
fundamentais da
Ilíada, como
Aquiles,
Agamenon e
Heitor, e se a
própria
existência do
autor desta
epopeia - Homero
- é questionada,
como explicar
que esta
história tenha
atravessado 3
mil anos
inspirando
poetas,
pintores,
escultores...?
Como aceitar que
ela tenha se
tornado uma
espécie de
cânone da
cultura
ocidental
servindo de base
para vários
temas da
filosofia e com
seus deuses e
mitos ajudando a
criar as
próprias bases
da psicanálise?
Longe de querer
apresentar uma
resposta
definitiva, faço
aqui apenas uma
proposta (sem
falsa modéstia,
nada original):
- Atribuir toda
genialidade do
autor a um fato
inédito até
então em
qualquer obra
escrita: a
sacralização do
humano e a
humanização do
sagrado.
Explico. Homero
nos apresenta
uma história em
que humanos têm
atitudes
divinas, e os
deuses da
mitologia,
atitudes
humanas. Sem
questionar a
existência ou
não de Zeus,
Hera, Atena,
Apolo e tantos
outros, é
maravilhoso
perceber que
tanto eles como
os personagens
humanos da
Ilíada e da
Odisseia são
vítimas das mais
primitivas
emoções e ao
mesmo tempo
capazes dos atos
mais divinos de
caridade e
compaixão.
Lendo alguns
textos
acadêmicos a
respeito da
Ilíada, me
pareceu que aos
pesquisadores
frequentemente
coloca-se (entre
outros dilemas)
a questão: se
Homero quis
apresentar uma
obra que mostra
a História
através de um
poema, ou se era
sua intenção
escrever um
poema que
fizesse
História. Mais
uma vez,
acredito que não
há resposta para
esta pergunta.
Ela vai acabar
se somando à
chamada "Questão
Homérica" – que
discute
inclusive se
teriam sido um
ou mais os
autores da
Ilíada e da
Odisseia.
Apesar disso, o
que me parece
livre de
discussão é
entender que, do
ponto de vista
espírita, são a
vingança e o
perdão os temas
principais da
Ilíada e que,
entre todos os
outros, é
Aquiles seu
personagem
fundamental.
Aquiles, apesar
de sua origem em
parte divina, é
um dos mais
humanos
personagens de
Homero. São seu
orgulho, vaidade
e apego à
matéria que
atravessam toda
Ilíada e que são
a fonte de sua
glória e, ao
mesmo tempo, de
sua desgraça.
Irritado com
Agamenon, que
lhe tomou a
escrava Briseide,
ele se retira da
Guerra de Troia
levando assim
grandes derrotas
aos exércitos
gregos e,
orgulhoso, só
muda sua decisão
por ocasião da
morte do amigo
Pátroclo. A
partir deste
ponto de vista,
a ira de Aquiles
e sua vingança
contra Heitor
são o ponto
máximo da
narrativa de
Homero. Ainda
que permeada de
episódios
mediúnicos, toda
Ilíada não
alcança (do
ponto de vista
da Doutrina) o
seu verdadeiro
sentido até o
chamado "Canto
XXIV", quando
Homero, de forma
comovente, nos
descreve o
episódio em que
Príamo - máximo
de Troia - vai
até a tenda de
Aquiles e, em
lágrimas,
implora que este
lhe permita
levar o corpo do
filho Heitor
para prestar-lhe
as devidas
homenagens.
Choram, tanto
Aquiles quanto o
pai de Heitor, e
é somente
naquele momento
de reconciliação
que existe
alguma paz nesta
epopeia.
Mesmo sabendo
que a guerra não
termina assim,
que Troia depois
foi invadida e
destruída, é
impossível
deixar de
perceber, entre
tanta desgraça,
a clara alusão
feita por Homero
à ideia de que
são a caridade o
perdão o único
caminho para a
paz entre os
povos. Talvez
tenha sido essa
a maior mensagem
que a Ilíada
deixou e a razão
de, ainda hoje,
sua história
atravessar o
tempo.
O autor é médico
em Porto Alegre,
RS.