Salgueiro e Che
Guevara: quando
a Ignorância
encontra o Mal
Toda vez que um
jornalista
independente
consegue
escrever algo
que chegue à
chamada “grande
imprensa
brasileira”
criticando o
carnaval, a
ignorância do
povo e sua
avidez eterna
por mitos, a
resposta é a
execração
pública.
Criticar a maior
festa popular
brasileira
argumentando que
o país tem
problemas
urgentes de
educação,
segurança e
saúde tornou-se
um clichê tão
batido que desde
a ala das
baianas até o
Departamento de
Filosofia da USP
sabem que se
trata de coisa
que “não dá em
nada”.
Trazida para o
país pelos
portugueses, a
celebração que
hoje é sinônimo
de jogo do
bicho, tráfico
de drogas e
turismo sexual
confunde-se com
a própria
história do
Brasil. Do meio
intelectual
partem os mais
variados
discursos em sua
defesa. Todos
eles fazem a
apoteose do
relativismo
moral, do
multiculturalismo
e do respeito
pelas chamadas
“manifestações
populares”. Sua
fundamentação
filosófica é
rasa, pueril,
patética e,
antes de tudo,
desonesta porque
confunde verdade
com consenso e
vê – sempre – na
manifestação das
massas o caminho
da beleza e da
justiça. Os
professores
deste grande
centro acadêmico
petista – a
Universidade
brasileira –
apelam
preferencialmente
para Freud e
Foucault quando
em suas teses
buscam
justificativas
para a histeria
coletiva que
toma conta do
maior país
católico do
mundo, segunda
pátria do
Espiritismo e
nação de todas
as raças.
Bobalhões
sustentados pelo
CNPq acreditam
na folia dos
loucos como
discurso dos
marginalizados,
fala dos
oprimidos, e
razão dos
descamisados
capazes de se
opor à “fala”
dominante – é a
arma de guerra
contra a “Ordem
do Discurso”.
Segundo país em
extensão da
América Latina,
na Argentina
(para sorte
deles) não
existe carnaval,
mas na terra de
Borges, do tango
e de Maradona
nasceu aquele
que mais tarde
enfeitaria as
paredes dos
quartos de pelo
menos quatro
gerações. Foi lá
que, em 1928,
veio ao mundo um
futuro colega
meu de profissão
– o médico
Ernesto Rafael
Guevara de la
Serna. Crescendo
em bairros da
classe média
alta de Buenos
Aires como
Palermo, San
Isidro e
Recoleta, esse
futuro assassino
jamais
realizou-se no
trabalho nem no
amor. Partiu em
uma viagem de
motocicleta –
hoje celebrada
por Hollywood –
em que os
delírios de
gente como Fanon
e Regis Debray
substituíram o
LSD da geração
hippie.
Por Guevara, não
é só a elite da
Universidade
brasileira que
chora até hoje.
Choram os
parentes e
familiares
daqueles que ele
fuzilou em
Guanahacabibes,
por aqueles que
ele matou no
Congo, em Serra
Maestra e na
Bolívia, e
lamentam-se
neste momento em
Havana os
familiares de
pacientes com
AIDS,
homossexuais e
doentes
psiquiátricos
internados por
Fidel nos campos
que o “doutor”
criou em Cuba.
Falar mal do
“Tchê” (apelido
que me faz
lembrar que sou
gaúcho ... rss)
é quase pecado
no Brasil de
2013, mas não um
pecado qualquer.
Trata-se de
violar aquilo
que a ralé da
intelectualidade
tupiniquim chama
de “bom senso” e
cerrar fileira
com os que
ofendem as focas
do Alasca, a
“religião” do
aquecimento
global e a
apologia do
casamento gay...
Consiste em
fazer oposição à
apoteose do
aborto e da
eutanásia no
país das
emergências com
pacientes sujos
de fezes e
urina, deitados
às vezes entre
ratos e baratas,
e é quase como
defender a volta
do DOPS e do
DOI-CODI.
Ontem eu estava
de plantão.
Sempre dormindo
e comendo mal,
assistia numa
lancheria
próxima do
hospital ao
desfile da
escola de samba
“Salgueiro”
quando uma ala
(é esse o nome?)
inteira apareceu
literalmente
vestida com
roupas
homenageando o
ex-guerrilheiro.
Imediatamente me
lembrei da
Alemanha na
década de 1920
apresentada por
Ingmar Bergman
em o “Ovo da
Serpente”, filme
em que David
Carradine vagava
numa Berlim
empobrecida,
histérica e
inflacionada.
Caminhava numa
cidade de
cabarés, de
prostitutas, de
uso de heroína e
de pessoas sendo
espancadas em
becos escuros em
nome de uma
“Nova Alemanha”.
Mal sabia o
mundo, assim
como mal sabe o
Brasil, aquilo
que estava por
vir; não
imaginava aquilo
pode acontecer
quando a
ignorância
encontra o
mal.
O autor é médico
em Porto Alegre,
RS.