Infâncias
armadas
Certa feita, na
fila do caixa
eletrônico, um
menino na flor
de seus quatro
anos olhava
insistentemente
para a arma no
coldre do
Policial Militar
que se postava
na fila, à
espera da sua
vez. O menino,
ao se aproximar
do policial para
tocar na arma,
ouve desse que
com aquele
brinquedo ele
não poderia
brincar, pois
era perigoso. De
forma
surpreendente, o
menino responde
que não se trata
de um brinquedo
e sim de um
revólver e que
atirava.
Das espadas de
madeira aos
revolveres de
espoleta na
década de 80,
passando pelas
atuais armas
padrão “paintball”,
temos uma
cultura bélica
crescente em
nossa infância.
Essa cultura é
reforçada em
filmes,
animações e toda
gama de produção
cultural que
rodeia o
universo
infantil. Nos
videogames
simulamos com
armas
destruições cada
vez mais
realistas.
Corpos viram
números... A
psicanálise nos
apresenta a arma
para a criança
como um símbolo
de força, de
derrota de seus
medos e de
exercício de
heroísmo, na
luta para
superar a selva
desvairada que é
a vida.
Entretanto, no
mundo real, a
nossa infância
armada assalta
nos sinais,
comete
genocídios nas
escolas, fere o
rival da gangue,
brinca com a
arma do pai e
mata o amigo,
sonha com uma
arma no seu
armário (ou na
cintura) quando
for adulto.
Resolverá meus
problemas... Me
protegerá.... A
arma fascina e
as casuísticas
povoam os
periódicos de
situações onde
armas caem nas
mãos de
crianças, e se
convertem em
tragédias, que
merecem nosso
choro e
consternação.
Faltam
seguranças
armados nas
escolas, bradam
os defensores
das armas nos
Estados Unidos,
em uma solução
que coloca mais
armas no
sistema.
Precisamos da
arma para
defender a nossa
família, afirmam
outros, sem
sopesar o
custo-benefício
dessa estratégia
defensiva.
Em um quadro
herdado das
guerras, frias
ou quentes,
ainda no século
XXI nos vemos
diante de uma
incógnita para a
questão da
infância. Até
que ponto essa
cultura bélica
fomenta a
atitude violenta
no processo de
formação do
Espírito
encarnado?
Afirmam alguns
que essas
brincadeiras não
afetariam em
nada, por serem
apenas vivências
psicológicas de
situações, no
processo de
enfrentamento do
mundo, como a
violência
estampada nos
contos de fadas,
que prepara o
indivíduo para o
mundo real. Não
desconsidero
isto, mas
preocupa-me a
violência
exacerbada, a
“terra arrasada”
apresentada como
solução para os
problemas,
inundando a
criança pelas
múltiplas
influências.
Ensinamos o
diálogo ou a
destruição para
a solução dos
problemas?
Realengo e as
incontáveis
chacinas na
América do Norte
desde Columbine
nos apresentam
uma tipologia de
Espíritos
opressos, que
alimentam a
raiva de seus
opressores e
resolvem -Bum-
explodir tudo,
como em um
“game” que você
“reseta” e
começa tudo de
novo após seu
fracasso.
Não tenho a
visão utópica de
banir armas e
explosões
totalmente do
convívio das
crianças. Isso
se tornaria uma
jornada ingrata,
desgastante e
inútil. Porém, a
competência do
diálogo, da
compreensão que
cede e avança,
não pode dar
lugar a uma
relação com o
mundo isolada e
repleta de mitos
e medos, que
engendra
soluções de
natureza
violenta, cuja
relação
construída com
os armamentos
oferece o
aparato
necessário.
Ataques de ódio
na internet ou
verbalmente são
expressões mais
brandas desse
problema, que
somados a uma
arma
transformam-se
em verdadeiros
desastres.
Dialogar é uma
competência da
vida, seja
pessoal,
profissional ou
espiritual. Mas,
a arma se
apresenta como
força, poder
para resolver
todos os
problemas, de
forma
unilateral,
rompendo essas
relações
dialógicas.
A obra “O menino
do dedo verde”
(1957), de
Maurice Druon,
apresenta o
menino Tistu
transformando a
fábrica de armas
de Mirapólvora
em um jardim
florido, em um
sonho utópico
pós-guerra de
trocar canhões
por flores. A
infância,
momento de sonho
e de esperança,
precisa
encontrar
soluções para
seus problemas
por outras vias
que não o
canhão. Ao
comprarmos uma
arma de
brinquedo ou um
jogo violento
para nosso
filho,
reflitamos sobre
o presentearmos
com outras
possibilidades.
Não escondamos
dele a violência
e os problemas
da vida, mas
façamos com ele
a reflexão sobre
como superar as
dificuldades da
vida e que
aquela violência
toda estampada
na televisão,
ainda que real,
não é
construtiva e
que o diálogo é
um caminho
possível. Muitos
desses autores
de chacinas
necessitavam
apenas de um
amigo para
conversar.
A indústria de
armas, reais ou
de brinquedo,
buscando dar
vazão aos
instintos
violentos de
crianças-adultas
e de
adultas-crianças,
é uma realidade
da qual não
podemos nos
isolar. Os fatos
nos indicam,
como pais e
educadores, que
a reflexão é um
bom caminho, em
doses
homeopáticas,
para dar
elementos à
criança para
conviver nesse
mundo onde a
violência será
uma constante,
mas isso não
quer dizer que
ela deve ser
violenta. Arma
machuca, dói. O
outro é nosso
irmão. Devemos
compreender,
perdoar,
educar... A
lição é difícil
e nos
encaminhamos
para soluções
imediatas de uma
época onde tudo
tem pressa. Como
Tistu, na visão
da vida eterna e
da fieira das
reencarnações,
precisamos
utilizar nosso
“dedo verde”
para transformar
pólvora em
flores.