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Crônicas e Artigos

Ano 6 - N° 306 - 7 de Abril de 2013

MILTON SIMON PIRES 
cardiopires@gmail.com

Porto Alegre, RS (Brasil)

 
 

O Estado em vez do Indivíduo – Sob o Domínio do Medo

 
Publicada pela primeira vez em 1923, A História do Medo no Ocidente, de Jean Delumeau, deteve-se na análise de um período que se estendia basicamente entre 1348 a 1800.

Pestes, demônios, heresias, os padres, as mulheres... O livro é uma espécie de crônica daquilo que habitava o inconsciente do mundo ocidental no sentido de provocar pavor. Não se pode afirmar dele que seja um livro político. Tão pouco é possível dizer que seja uma obra capaz de identificar em algum regime de poder específico a fonte original do medo numa determinada época.

Do ponto de vista médico, o medo é uma experiência que se define física e psicologicamente. Corresponde a um estado em que, antecipando-se a um perigo real ou imaginário, o corpo prepara-se para uma resposta conhecida como “luta ou fuga”. Emocionalmente, esta sensação é denominada ansiedade e, atendendo ao princípio da evolução, representa uma resposta fundamental no sentido da preservação da vida e da espécie.

Muito pouco, até onde eu sei, se escreveu sob a capacidade do Estado ser, por si mesmo, a fonte do medo da sociedade. É claro que existem obras a respeito dos crimes e atrocidades cometidos durante guerras e conflitos sociais. Períodos como o do Terror, na Revolução Francesa, ou dos regimes totalitários também foram abordados, mas a chamada sensação de insegurança existente nas supostas situações de “estabilidade” não costuma ser tema de debate frequente.

Neste pequeno artigo vamos falar sobre o medo, lembrando em primeiro lugar que, segundo Rousseau, uma sociedade se organiza através de um contrato em que os indivíduos abrem mão de um determinado tipo de liberdade – a natural – para através do consenso e da cooperação alcançarem aquilo que se chama liberdade civil.

A liberdade civil nos permitiu, através da vida em comum, a organização e o trabalho solidários, capazes de superar a “soma de todos os medos”. A respeito desta noção de contrato, tão antiga nos dias de hoje, há um fato frequentemente esquecido: sua manutenção não é espontânea. Em outras palavras, são necessários aqueles “aparelhos de Estado” mencionados por Althusser (num sentido diferente daquele que uso aqui) para que as liberdades civis sejam garantidas. A ilusão de um “Estado pronto” e sem “necessidade de manutenção”, bem como as consequências de acreditarmos (como hoje em dia) em tamanho absurdo, é abordada magistralmente por Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas.

Ordem e segurança foram há muito tempo identificadas por Sigmund Freud como produtos de uma necessidade básica de repressão. É desta repressão que surge a possibilidade da cultura e do progresso numa sociedade. Não há, pois, a hipótese de uma vida em comunidade sem que os instintos mais primitivos sejam contidos em nome de algo que se convenciona chamar de “bem comum” (seja lá o que isso signifique num lugar e época específicos). Desta noção, que frequentemente habita o inconsciente de cada um, que é incapaz de ser compartilhada, ou mesmo descrita, supõe-se o nascimento de uma vontade – a vontade geral – que decorre do reconhecimento passivo do sofrimento do outro, da identificação do seu medo com o dele, e da possibilidade de alívio e consolo no diálogo e no esforço coletivos.

Mesmo percebendo que não escrevi nada de novo é necessário reconhecer que a sociedade só é viável quando neste processo de sofrimento que apresentei existe uma força chamada esperança. Sustento também (numa teoria que, aí sim, considero muito minha) que a faculdade de filosofar não é uma atividade exatamente civil. A filosofia, a meu ver, nasce antes da própria sociedade. Surge quando, abandonado a seu próprio destino e sem ninguém para dividir a angústia, o homem percebe que vai morrer. A razão no discurso filosófico é, portanto, uma razão natural que antecede ao próprio conceito de civilização.   

É da angústia que decorre a ânsia pela comunicação, a possibilidade do diálogo e da polêmica. Neste sentido, o livro de Delumeau é pródigo em mostrar que, através da história, para cada fonte de medo os homens buscavam um determinado caminho de salvação.

Reais ou fictícias, muitas vezes mais danosas do que o problema enfrentado, as soluções variaram muito, mas, no controle das forças da natureza, da ira de Deus ou da doença, tinham em comum uma fé que, em primeiro lugar, direcionava-se ao seu semelhante. Foi esta fé que se perdeu. Acreditamos há muito tempo que hoje deve ser o Estado o nosso grande Irmão. Achamos inclusive que foi da emergência dele (o Estado) e da vida em sociedade que surgiu esta condição de “grande família”. Enganamo-nos perigosamente, quanto às relações de causa e efeito, colocando no chamado “Estado de Bem-estar Social” o fundamento da compaixão e da solidariedade que nos permitiram chegar até aqui.

É quando este mesmo Estado, seja qual for o seu regime político, começa a mostrar a sua incapacidade de se comover, de chorar, ou de sofrer; quando mostra que não tem sexo nem cor, ou quando resta evidente para um simples indivíduo que nascer, viver e morrer não se aplica a esta entidade invisível, que a natureza vem cobrar seu preço.  A história então parece mostrar que um dia acreditamos em nossos semelhantes, que nos reunimos e acreditamos em Deus, que juntos construímos o Estado e que, quando terminada a obra, esquecemos primeiro Deus, depois, o próprio indivíduo.

Se é verdade que sozinhos vivemos na angústia, na sociedade atual sofremos a desgraça da impossibilidade de um pensamento filosófico original. Órfãos da razão natural e prisioneiros das liberdades civis, não temos mais nenhuma capacidade de recolhimento, condição a priori da verdadeira filosofia. 

Vive-se então sem esperança ou futuro numa rotina atomizada, num mundo em que não acreditamos em mais ninguém e no qual, ironicamente, nunca foi tão fácil se comunicar, enfrentar a natureza ou as doenças. A verdade, que antes se definia como a concordância da razão com o seu objeto, passa a ser prisioneira do tempo e da opinião pública.

Nada do que já passou pode ter valor. Nada daquilo que eu percebo sozinho pode ser verdadeiro...

Vive-se isolado e sob o domínio da desconfiança numa comunidade virtual sem ontem nem hoje, na qual os dias sucedem às noites, num pesadelo que é um eterno presente, num limbo em que não se percebe a existência do outro, mas em que também não se pode pensar sozinho...  

Vive-se sem a possibilidade da filosofia... Vive-se sob o domínio do medo...


O autor é médico em Porto Alegre, RS.



 


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