O
silêncio do meu
avô...
(Ao saudoso avô
Wanderley.)
Tenho dito
àqueles com quem
privo em maior
intimidade que
este meu avô
personificou,
enquanto estava
entre nós, um
exemplo digno de
vida. Alguns
talvez possam
alegar a velha
parcialidade de
opiniões, se bem
fosse ele
benquisto por
todos, sempre
generoso. Não me
sinto pouco à
vontade para
admitir que, em
parte, talvez
isto seja um
fato, apesar de
que o bom senso
ateste que o
relato a seguir
bem justifica
esta percepção.
Afinal, o
momento mais
crítico pelo
qual passei até
hoje foi o
primeiro a
comprovar que
fora, ele, o
homem cuja lição
do emprego sábio
do verbo foi bem
aprendida.
Sim, talvez com
o passar dos
anos, mas o que
isto importa? O
tempo nos
oferece a todos
possibilidades
de melhoria, de
reformulação. E
este meu avô,
particularmente,
possuiu um
histórico de
vida digno de
novela das seis!
Fora filho de
"coronel"
pernambucano,
muitas décadas
atrás, de um
homem de posses,
bem-posto para
as referências
de época. E
assim cresceu
meu avô rodeado
das energias
altivas de um
patriarcado
aliado a um
matriarcado bem
estabelecido,
com muitas irmãs
e uma mãe também
de perfil
enérgico. Tudo,
com efeito, ao
seu redor,
respirava a aura
do
autoritarismo, o
que talvez tenha
justificado o
caráter férreo
de que deu
mostras no
decorrer de sua
vida, nos
episódios de
criação das três
filhas após o
seu casamento
também novelesco
com minha avó,
hoje contando
cem anos!
Esta aura de
autoritarismo
provavelmente
fora a
responsável para
que meu avô se
especializasse
no uso do verbo,
sempre com
energia. E não
apenas
oralmente!
Especializara-se
no uso da língua
portuguesa
escrita. Redigia
como ninguém, e
corrigia as
cartas e livros
que lia
incessantemente,
a partir de
certa altura de
sua vida, sendo
a maior parte de
temas espíritas
e coligados.
Enfatizo aqui,
amigo leitor,
para não me
estender demais
em digressões,
que este homem
tão habituado a
se expressar com
firmeza
inflexível
noutras épocas,
com a passagem
dos anos, e até
que alcançasse a
senectude,
surpreendentemente
terminou os seus
dias quase em
silêncio! E
exemplificou uma
lição ao me
dirigir, único
dentre todos os
que me rodeavam,
a frase
milagrosa de
reconforto d’alma
que jamais
esperaria vindo
de alguém com o
seu repertório
de vida!
Em visita à
nossa casa,
andando devagar
e em silêncio
pelos cômodos à
espera do
almoço, talvez
tivesse ouvido,
mais com a alma
e os sussurros
internos da
longa vida rica
em experiências
e em aprendizado
insondável, o
meu choro e as
minhas lamúrias
enquanto
conversava com
minha mãe na
cozinha. E veio
de mansinho,
quase sem ser
percebido,
entrando em
silêncio. Parou
e olhou-me. Eu
estava agora
sentada e me
detive a olhar
para ele também,
incerta. Ele
tocou-me de leve
o rosto,
carinhoso,
dizendo as
poucas palavras
compassivas e
verdadeiras:
"Você ainda
vai ser feliz!"...
E sorria de
leve. A sua
fisionomia
patenteava
naquele instante
que para ele
aquilo era fato
puro e simples!
Quantas
tempestades meu
avô atravessara?
Quantas
dificuldades
ríspidas do
chefe de família
engajado em
assegurar a
continuidade do
conforto para a
esposa e as duas
filhas pequenas,
nos dias em que
se decidira pela
mudança radical
de estado,
alijando toda a
família dos
extremos de
conforto
usufruído até
então em
Pernambuco, onde
fora prefeito de
uma de suas
cidades, para se
aventurar a uma
nova vida
promissora no
Rio de Janeiro?
O que não terá
suportado na
luta contra as
privações de
ordem material
as mais
comezinhas
naqueles
primeiros anos,
porque
desafortunadamente
escolhera a
época menos
indicada para a
empreitada, um
período de
guerra, no qual
o país sofria as
sequelas
econômicas de
ordem mundial,
com todos os
outros?
Meu avô, de
fato, deve ter
considerado as
minhas lágrimas
de momento
de cima
da vitória
conquistada
sobre
tempestades
muito maiores!
Seu olhar,
talvez,
denunciasse a
compaixão pela
menina jovem,
ainda
inexperiente
demais para se
posicionar com
segurança na
certeza de que
tudo nesta vida
passa, deixando
por detrás de si
apenas
lembranças e
ensinamentos.
Vivências boas
quanto ruins,
não importa.
Então, deixando
o seu silêncio
rico em vozes
das luzes
interiores, e
talvez tocado
pelas lágrimas
da neta perdida
em desânimo e
desesperança,
pronunciou
aquelas poucas
palavras. Tão
verborrágico
outrora! Tão
enérgico e
autoritário
sempre, durante
as décadas de
convivência com
a própria
família, esposa
e filhas, agiu
assim, naqueles
dias em que,
perto dos
oitenta anos, já
se encaminhava,
sem suspeitar,
para a sua
passagem. Sabia,
pois, falar e
calar com
comedimento, com
oportunidade!
A vida o dotara
desta capacidade
adquirida
somente após
muita dor,
alegrias e
sofrimentos
passíveis de
ensinar que nem
toda palavra é
necessária. E,
em dependendo da
ocasião,
desnecessária!
Provavelmente,
meu avô viu e
viveu o
suficiente para
se convencer de
que tanto os que
falam muito, e
aparentemente
sem senso, podem
surpreender num
instante de
coração, de
manifestação
valiosa dos
valores do
espírito, quanto
os silenciosos
demais
eventualmente se
revelam
oportunos ou
inoportunos,
conforme o caso.
Silêncio,
portanto, de si,
não é exemplo
simplório de
virtude, e nem
da ausência
dela, assim como
verborragia
vibrante também
não! Porque a
intenção, no
final das
contas, é o que
valida e
fundamenta tudo!
A intenção
reside naquela
área do
insondável
humano, do
silêncio
primordial, onde
ninguém ou muito
poucos acessam
com facilidade
nesta esfera de
vida dominada
pelas artimanhas
das aparências.
A intenção,
móbil genuíno de
todo pensamento
e atitude,
habita ali,
nesta zona de
silêncio. E meu
avô, àquela
altura de sua
vida, próxima à
despedida,
deixou-nos a
lição bem
aprendida de que
é desta dimensão
que afloram as
maiores
manifestações de
autenticidade da
existência!
Dali, os nossos
mentores, guias
e auxiliares da
dita
invisibilidade,
com sua visão de
cima, nos
assopram ideias
e
esclarecimentos
oportunos. Ali
habita o amor
palpitante nos
corações
coligados entre
si por afeição,
mas também o
ódio por vezes
não manifesto,
disfarçado pela
perfídia das
máscaras
sociais! Eis,
portanto, a
origem
insuspeitada de
toda
manifestação
externa. E quem,
afinal, se
transporta em
consciência para
esta área e
percebe-lhe a
existência
palpável,
comandando-lhe o
destino, aprende
a viver somente
segundo o que é
essencial. E
que, para todas
as situações, a
resposta mais
verdadeira
brotará sempre
das fontes
límpidas do
silêncio!