A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 38)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Com relação ao
conteúdo das mensagens
automáticas, Myers
admite a hipótese de
serem elas inspiradas
por inteligências
desencarnadas?
Sim. Segundo ele, a
mensagem automática pode
ser inspirada por uma
inteligência
desencarnada, de tipo
desconhecido, de
qualquer forma diversa
da do agente invocado,
como é possível que ela
advenha, de modo mais ou
menos direto, do
Espírito que é invocado.
(A Personalidade Humana,
capítulo VIII – O
automatismo motor.)
B. Há alguma relação
entre o estado mórbido e
a mediunidade?
Não existe. A propósito,
Myers cita Flournoy, que
examinou a médium Hélène
Smith. Seu organismo era
totalmente sadio. “Sou
tão pouco anormal –
afirmou Hélène – que
nunca fui tão
clarividente, tão
lúcida, tão capaz de um
juízo rápido, sobre um
determinado assunto
qualquer, como após ter
desempenhado o papel de
médium.” Ninguém, diz
Myers, parece discutir
essa apreciação, que os
fatos revelados à medida
dos progressos
realizados pela Srta.
Smith confirmaram, com
efeito, plenamente. (Obra
citada. Capítulo VIII –
O automatismo motor.)
C. Qual era nos Estados
Unidos e Inglaterra a
opinião predominante
entre os sábios a
respeito da mediunidade?
Segundo Flournoy, nos
países onde os estudos
desse gênero foram
realizados, como os
Estados Unidos e a
Inglaterra, a opinião
predominante entre os
sábios que mais se
aprofundaram na matéria
não era contrária à
mediunidade; além disso,
longe de considerar esta
última como um caso
especial de histeria,
nela veem uma capacidade
superior, vantajosa,
sadia, da qual a
histeria é uma forma de
degeneração,
paródia-patológica, uma
caricatura mórbida.
(Obra citada. Capítulo
VIII – O automatismo
motor.)
Texto para leitura
923. No que diz respeito
ao conteúdo das
mensagens automáticas,
este varia de acordo com
as fontes aparentes dos
últimos. De acordo com
isso, pode-se distinguir
as seguintes variações:
a) A mensagem pode ter
sua origem no espírito
do próprio sujeito e
inferir seu conteúdo,
quer dos recursos da
memória comum, quer dos
da memória subliminar
mais ampla; a
dramatização da
mensagem, isto é, o que
se atribua a um espírito
diverso do espírito do
sujeito, se parece,
nestes casos, à
dramatização dos sonhos
e da sugestão hipnótica.
b) O conteúdo da
mensagem pode ter sua
origem no espírito de
outra pessoa ainda viva,
cuja pessoa pode ser
consciente ou não da
sugestão que transmite.
c) A mensagem pode ser
inspirada por uma
inteligência
desencarnada, de tipo
desconhecido, de
qualquer forma diversa
da do agente invocado.
Podem-se classificar sob
esta epígrafe as
mensagens atribuídas,
por um lado, aos “maus
espíritos” e, por outro,
aos “guias” e
“guardiães” de uma
bondade e de uma
sabedoria sobre-humanas.
d) Por último, é
possível que a mensagem
advenha, de modo mais ou
menos direto, do
espírito do agente (um
amigo falecido) que ele
pareça invocar.
924. Meu principal
esforço tende,
naturalmente, a mostrar
que existem mensagens
pertencentes a outras
categorias e não apenas
à categoria “a”, na qual
a maioria dos psicólogos
gostariam de encaixá-las
todas. A meu ver, ainda
que reservando um certo
número de mensagens aos
outros grupos, estou
deveras convencido de
que a maioria deles
representam os efeitos
do trabalho subliminar
do espírito do sujeito,
unicamente.
925. Isto não quer dizer
que essas mensagens não
sejam para nós algo novo
ou interessante. Ao
contrário, formam uma
passagem instrutiva,
indispensável da antiga
introspecção psicológica
aos métodos mais audazes
sobre os quais me
proponho insistir. A
ação subliminar do
espírito, que revelam,
difere da atividade
supraliminar de um modo
que é impossível
prevenir ou explicar.
Dir-se-ia existirem
tendências subliminares
que se estendem em
certas direções obscuras
e que são, no
respeitante aos rasgos
individuais da pessoa
que, às vezes,
conseguimos entrever, o
que as correntes
profundas do oceano são
no que respeita às ondas
e aos ventos que se
agitam sobre a
superfície.
926. Mencionarei somente
outro ponto de capital
importância, com relação
ao poder do eu
subliminar. É
particularmente óbvio
que as mensagens cujo
conteúdo é formado pelos
fatos que o autômato
conhece ou pretende
conhecer só podem ter
sua origem no espírito
do sujeito. Mas a
proposição contrária não
é da mesma forma
verdadeira, isto é, que
as mensagens cujo
conteúdo é formado por
fatos que o autômato
desconhece não têm,
necessariamente, que se
originar de um espírito
diverso do seu.
927. Se o eu subliminar
é capaz de adquirir
conhecimentos
supranormais, pode
atingir esse resultado
por outros meios, que
não os da impressão
telepática, que tenham a
sua origem num espírito
alheio ao seu. Pode
assimilar sua
alimentação supranormal
por um processo mais
direto, digeri-la crua.
Se é possível que o
sujeito receba os
conhecimentos desse
gênero graças à
influência exercida
sobre ele por outros
espíritos, encarnados ou
não, é também possível
que os adquira como
consequência de uma
percepção clarividente
ou de uma absorção ativa
de fatos situados além
de seu alcance
supraliminar.
928. Sucede, com
frequência, aos que
durante anos continuam
investigações pouco
familiares ao público,
que os pontos de vista
que de início não
provocaram mais do que
ataques e objeções
acabam por ser, aos
poucos, reconhecidos,
enquanto que o
investigador interessado
em ideias novas apenas
se apercebe da mudança
produzida na opinião com
respeito às antigas.
929. Os leitores dos
primeiros números dos
“Relatórios da Sociedade
de Investigações
Psíquicas” poderão,
igualmente, comprovar os
progressos da opinião.
Em seu livro Des Indes a
la planete Mars; études
sur un cas de
somnambulisme avec
glossolalie (Paris e
Genebra, 1900), Flournoy
mostra-nos, de forma
notável, as mudanças
ocorridas na psicologia
durante os últimos vinte
anos. Esse livro, ainda
que sendo um modelo de
imparcialidade, de uma a
outra ponta, encerra, na
sua maior parte, uma
crítica corrosiva dos
fenômenos
quase-supranormais de
que se ocupa. Mas não
deixa de demonstrar a
quantidade de conceitos
tomados desse domínio,
que o psicólogo
competente considera
hoje como estabelecidos
e provados, enquanto que
há vinte anos a ciência
oficial quase não
suportaria a menor
alusão ao tema.
930. Devo, antes de
tudo, mencionar um ponto
importante que, de forma
decisiva, corrobora uma
constatação que fiz há
muito tempo e que,
então, pareceria
fantástica a diversos
leitores. Afirmando a
continuidade potencial
da consciência
subliminar
(contrariamente aos que
pretendem existir
somente afloramentos
acidentais do pensamento
subliminar, semelhantes
aos sonhos desligados e
incoerentes) declarei
que muito rapidamente se
levaria a noção do eu
subliminar até suas
últimas consequências,
se não se quisesse
admitir a possibilidade
de uma direção e de uma
posse exteriores
contínuas.
931. Ora, toda a
discussão sobre o tema
Flournoy gira sobre esse
ponto. Achamo-nos,
indiscutivelmente, na
presença de séries
contínuas e complexas de
sentimentos que se
movimentam por sob o
umbral da consciência de
“Hélène Smith”; essa
conscientização
subliminar se deve, em
qualquer grau, à
atividade de outros
espíritos, além do
espírito da Srta. Smith?
Esta é a principal
questão; mas se enovela
com outra, secundária, a
de saber se as
encarnações anteriores
da Srta. Smith, se
outras fases de sua
história espiritual que
agora afetam relações
complexas com o passado,
representam algo nessa
multidão de
personalidades que
parecem lutar, umas com
as outras, para
expressar-se através do
organismo sadio.
932. A Srta. Smith,
deve-se dizer já, não
foi nunca uma médium a
soldo. No instante em
que Flournoy escrevia
seu livro, ocupava um
posto elevado numa
grande casa de comércio
de Genebra e dava
sessões a seus amigos
simplesmente porque o
exercício de suas
capacidades mediúnicas
lhe agradava e se
interessava muito na sua
aplicação.
933. Seu organismo era,
segundo ela e os demais,
totalmente sadio. A
Srta. Smith, diz
Flournoy, declara
categoricamente que é sã
de corpo e espírito,
perfeitamente
equilibrada e repele com
indignação a ideia de
que o papel do médium,
tal como ela o
desempenha, seja
passível de supor uma
anomalia perniciosa ou o
menor perigo.
934. “Sou tão pouco
anormal – escreve Hélène
–, que nunca fui tão
clarividente, tão
lúcida, tão capaz de um
juízo rápido, sobre um
determinado assunto
qualquer, como após ter
desempenhado o papel de
médium.” Ninguém parece
discutir esta
apreciação, que os fatos
revelados à medida dos
progressos realizados
pela Srta. Smith
confirmam, com efeito,
plenamente.
935. “É, com efeito,
indiscutível – continua
Flournoy – que a Srta.
Smith tem uma cabeça
extremamente bem
organizada e do ponto de
vista dos negócios, por
exemplo, dirige
admiravelmente bem o
importante e complicado
departamento à cuja
testa se encontra, no
armazém onde está
empregada; de forma que
lhe atribuir um estado
mórbido, pela simples
razão de que é médium,
equivale ao menos ao
enunciado de uma petição
de princípio
inadmissível, já que a
natureza do que
constitui e caracteriza
o médium é ainda mais
obscura e passível de
discussão.”
936. Ainda Flournoy
escreveu: “É evidente
que existe, entre os
sábios, espíritos
estreitos e limitados,
fortes cada qual na sua
especialidade, mas
prontos a lançar seu
anátema sobre tudo o que
não esteja de acordo com
suas ideias
preconcebidas e a tratar
de mórbido, de
patológico e de louco
tudo o que se diferencie
do tipo normal da
natureza humana, tal
como concebida segundo o
modelo de sua própria
personalidade. Mas, em
primeiro lugar, o
critério essencial com o
qual nos devemos ater
para apreciar o valor de
um ser humano nos é
proporcionado, não pelo
seu estado de boa ou má
saúde, nem por seu grau
de semelhança com outros
indivíduos, senão pelo
modo pelo qual realiza
sua tarefa especial, por
como desempenha as
funções que lhe competem
e pelo que dele se pode
esperar. Não acredito
que as capacidades
psíquicas da Srta. Smith
a tenham jamais impedido
de cumprir seus deveres,
antes, ajudaram-na
nisso, pois sua
atividade normal e
consciente encontrou,
frequentemente, uma
inesperada ajuda em suas
inspirações subliminares
e em suas manifestações
automáticas”.
937. “Em segundo lugar,
está longe de ser
demonstrado que o estado
do médium seja um
fenômeno patológico; é
indubitavelmente um
fenômeno anormal, no
sentido de que é raro,
excepcional, mas a
raridade não significa
morbidez. Os poucos anos
durante os quais se
estudaram esses
fenômenos
cientificamente não são
suficientes para nos
permitir que nos
pronunciemos sobre sua
natureza. Convém notar
que nos países onde os
estudos desse gênero
foram levados além,
Estados Unidos e
Inglaterra, a opinião
predominante entre os
sábios que mais se
aprofundaram na matéria
não é contrária à
mediunidade e que longe
de considerar esta
última como um caso
especial de histeria,
nele veem uma capacidade
superior, vantajosa,
sadia, da qual a
histeria é uma forma de
degeneração,
paródia-patológica, uma
caricatura mórbida”,
concluiu Flournoy.
938. Os fenômenos que
apresenta essa sensitiva
(à qual Flournoy dá o
pseudônimo de Hélène
Smith) parecem, à
primeira vista, variados
e múltiplos, mas essa
variedade se vê em
seguida ser mais
aparente que real e é
fácil comprovar que se
podem explicar através
da autossugestão.
939. Comprovamos,
primeiramente, o
aparecimento de toda
classe de elementos
subliminares na vida
supraliminar. Como diz
Flournoy: “fenômenos de
hipermnesia,
adivinhações,
descobertas misteriosas
de objetos perdidos,
inspirações felizes,
pressentimentos exatos,
intuições justas,
resumindo, automatismos
teleológicos de todo o
gênero: ela possui num
alto grau a cunhagem do
gênio que constitui uma
compensação mais do que
suficiente dos
inconvenientes que
resultam das distrações
e ausências momentâneas
que acompanham suas
visões e que na maioria
dos casos passam
desapercebidas”.
940. No desenvolver das
sessões, em que as
transformações mais
profundas não apresentam
qualquer inconveniente,
sofria uma espécie de
auto-hipnotização que
produzia estados
letárgicos e
sonambúlicos variados. E
quando se acha só e ao
abrigo de qualquer
interrupção, tem visões
espontâneas, durante as
quais aproxima-se ao
estado de êxtase.
Experimenta, durante as
sessões, alucinações
positivas e negativas e
anestesias sistemáticas,
de forma que, por
exemplo, deixa de ver
qualquer pessoa
presente, especialmente
a destinatária das
mensagens que se
elaboram durante o curso
da sessão. “Dir-se-ia
que uma incoerência como
a que caracteriza os
sonhos preside o
trabalho preliminar da
desagregação, graças à
qual as percepções
normais se acham
arbitrariamente
divididas ou absorvidas
pela personalidade
subconsciente, em busca
de materiais para compor
as alucinações que
prepara.”
941. A seguir, ao se
iniciar a sessão, o
único ator é o guia de
Hélène, Leopold
(pseudônimo de
Cagliostro), que fala e
escreve através dela e
que provavelmente não é,
na realidade, mais do
que a forma desenvolvida
de sua personalidade
secundária.
Efetivamente, Hélène
tem, às vezes, a
impressão de
converter-se
momentaneamente em
Leopold (pág. 117).
942. Flournoy compara
esta sensação com a
experiência de Hill Tout
(Proceedings of the S.
P. R., XI, pág. 399),
que sente converter-se
no seu próprio pai,
manifestando-se através
dele. “Leopold – diz
Flournoy – manifesta,
certamente, um aspecto
muito honrado e amável
do caráter da Srta.
Smith, que, tomando-o
por “guia”, seguiu
inspirações que se
encontram,
indiscutivelmente, entre
as mais elevadas de sua
natureza.”
943. O alto teor moral
dessas comunicações
automáticas, sobre as
quais tanto insiste
Flournoy, é um fenômeno
digno de consideração.
Não quero, com isso,
dizer que pareça
especialmente estranho
no caso da Srta. Smith.
Esta parece uma pessoa
de espírito realmente
equilibrado. Não nos
assombra encontrar seu
eu subliminar tão isento
de crítica como seu eu
supraliminar. Mas, na
realidade, a observação
que Flournoy faz é de
aplicação muito mais
ampla.
944. O alto valor moral,
quase universal, das
manifestações
automáticas primitivas,
consideradas quer como
comunicações
espirituais, quer como
procedentes do mesmo
sujeito, não foi ainda,
que eu saiba,
devidamente esclarecido
ou explicado de modo
satisfatório.
945. Mencionarei aqui
dois pontos que me
interessaram
sobremaneira e que
considero interessante
destacar: em primeiro
lugar, li numerosos
sermões e outros ataques
contra o “espiritismo”,
nome pelo qual se
designam, geralmente,
todas as manifestações
automáticas, e não estou
lembrado de um só
exemplo em que se tenha
citado em apoio desses
ataques alguma passagem
de teor imoral, baixa,
cruel ou impura (e este
é o segundo ponto sobre
o qual quero chamar a
atenção); os ataques
foram sempre desse
gênero que, aos olhos do
filósofo, é, antes,
elogioso para os
escritos atacados,
porque parece que
nenhuma das diferentes
igrejas conflitantes
conseguiu apresentar em
favor de seus dogmas as
provas demonstradas
pelas mensagens
automáticas. Os
diferentes
controversistas, quando
sinceros, admitiram o
engrandecimento moral,
mas partindo de pontos
de vista opostos, estão
concordes em deplorar a
ignorância teológica.
(Continua no próximo
número.)